Às vésperas das eleições de 9 de junho no Parlamento Europeu, um dos projetos que vem sendo criticado por organizações e defensores dos direitos humanos é o novo Pacto de Migrações e Asilo, aprovado no final de abril pela Comissão Europeia.
O tratado, que abrange um conjunto de cinco propostas legislativas a respeito da gestão da migração pelos países membros, é considerado um retrocesso por conter políticas repressivas e discriminatórias que colocam em xeque as medidas de proteção e acolhimento de imigrantes num momento onde discursos populistas e anti-imigração ganham força em vários países do bloco.
As alterações no texto são, em sua essência, uma revisão que engloba todos os processos internos a partir do primeiro requerimento de asilo que o imigrante faz ao chegar no território europeu.
No entanto, são nas normas que abrangem o âmbito externo do tratado onde estão as maiores contradições, já que elas partem dos acordos fechados com os países terceiros fronteiriços como, por exemplo, o Egito, a Tunísia e a Síria, que fazem fronteiras marítimas.
Para a União Europeia, essa é a primeira medida para prevenir que os tais fluxos de migrações irregulares continuem operando.
Pacto não altera Princípio de Dublin
Essencialmente, a mudança no Pacto não altera o Princípio de Dublin, que garante que a responsabilidade por um pedido de asilo deve ser assegurada pelo primeiro país de chegada. O que preocupa a oposição à esquerda no Parlamento, são os chamados ‘procedimentos de fronteira acelerados’ previstos na reforma.
Embora haja, por parte das autoridades da UE, o argumento de que esta metodologia a curto prazo tem como objetivo diminuir o atraso e a burocracia por parte das autoridades de controle, não há um compromisso e um projeto conciso acerca de como serão feitas as avaliações dos respectivos requerentes de asilo.
Esse detalhe crucial pode aumentar as probabilidades de deportação.
O eurodeputado João Pimenta Lopes (PCP) recebeu a reportagem da BRASIL JÁ em Bruxelas para comentar a respeito das mudanças no Pacto.
Ele enfatizou que há pouco enfrentamento às posições associadas à externalização de fronteiras, à militarização de vigilância no Mediterrâneo e à criminalização dos processos de resgate e salvamento.
A simples ideia de instituir muros e barreiras para conter o fluxo vindo dos países terceiros —que tem sido difundido como a ideia de uma Europa fortaleza—, produz, segundo o comunista, pouco efeito se não houver um compromisso e um entendimento sobre as reais causas desses movimentos migratórios.
“Sabemos que o objetivo não é ir até a raiz do problema”, afirmou, citando ainda as vagas de migrações significativas de sírios, afegãos e iraquianos em 2015, fruto das guerras no Oriente Médio.
Pedidos de proteção ultrapassam 1 milhão
Em 2023, a União Europeia registrou 1,14 milhão de solicitações em pedidos de proteção internacional, número que representa um recorde nos últimos sete anos. Só em travessias consideradas irregulares, foram 380 mil, sendo metade do total localizadas na rota central do Mar Mediterrâneo.
Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) jogam luz à política de brutalidade adotada nessa região, que é controlada pela agência Frontex.
Comparadas a quantidade de mortes de imigrantes registradas no Mediterrâneo com as computadas na fronteira dos Estados Unidos com o México (a rota terrestre mais mortífera do mundo), tem-se noção da gravidade e a complexidade do tema.
Nos últimos 25 anos, oito mil pessoas perderam as suas vidas tentando atravessar o ríspido deserto rumo ao Texas. Já entre o Mar Mediterrâneo e a União Europeia, o número de mortes mais que triplicou em nove anos: aproximadamente 28 mil mortes entre 2014 e 2023.
Segundo Pimenta Lopes, o agravamento das condições de vida de todos os trabalhadores e trabalhadoras, incluindo imigrantes, desenvolve e fortalece a abordagem simplista da extrema direita que, simultaneamente, não quer resolver os problemas porque se beneficia com aquilo que é o sistema econômico e político vigente.
“E assim, muitas vezes, acabam empurrando as responsabilidades em uma lógica de encontrar bodes expiatórios que colocam as pessoas umas contra as outras, trabalhadores contra trabalhadores, imigrantes e comunidades minoritárias, sempre sem apontarem as causas dos problemas e como resolvê-los de fato”, concluiu.
Europa Fortaleza
A União Europeia já vem realizando altos investimentos na Frontex [Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira]. Entre 2019 e 2022, a Agência Europeia de Controlo de Fronteiras aumentou o seu orçamento em mais de 2 milhões de euros.
O orçamento de 2024 foi o mais elevado da história, somando 750 milhões. Em 2005, no início da Frontex, o investimento era de aproximadamente 6 milhões .
Para o eurodeputado José Gusmão (BE), esse valor é mais do que seria necessário para apoiar a integração desses imigrantes, que, segundo ele, são extremamente importantes ainda mais em uma Europa cada vez mais envelhecida e que precisa do trabalho dessas pessoas que migram.
"O projeto de uma “Europa fortaleza” é completamente "distópico", enfatizou.
Em entrevista à BRASIL JÁ, o bloquista também afirmou que o possível crescimento da extrema direita no Parlamento é algo preocupante, já que são capazes de exercer forte influência nas tomadas de decisões, principalmente tratando-se de crise imigratória.
Gusmão disse à reportagem que esses parlamentares formam hoje um grande bloco central onde as resoluções políticas são condicionadas e baseadas no conservadorismo e no reacionarismo.
"É preciso perceber que a política da ‘Europa Fortaleza’ não é uma política contra a imigração, é uma política contra a imigração regular, que condena à marginalidade as pessoas que vão continuar a entrar na Europa, e isso são más notícias não apenas para esses imigrantes que estarão sujeitos a toda espécie de abuso”, disse.
Advogado acredita que regras são difíceis de serem cumpridas
Camillo Júnior, advogado especializado em Direito Internacional Humanitário, acredita que Portugal terá bastante dificuldade em cumprir com as novas regras, já que o país tem hoje uma deficiência considerável de infraestrutura em sua própria Agência para a Integração, Migrações e Asilo, a Aima, atualmente com mais de quatrocentos mil processos de autorização de residência pendentes de análise.
“É uma forma pouco honesta, por exemplo, de dizer aos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): ‘Olhem, nos desculpem, mas são as regras da União Europeia e temos que segui-las’”, afirmou Júnior.
Depois de aprovada no Conselho Europeu, as leis do Pacto de Migrações e Asilo entraram em vigor com a publicação no Diário Oficial da União Europeia.
O prazo para que os regulamentos comecem a ser aplicados é de dois anos, mesmo período para que os Estados-Membros façam as respectivas alterações em suas legislações nacionais.