Manifestantes vão às ruas contra PL que equipara aborto a homicídio. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Manifestantes vão às ruas contra PL que equipara aborto a homicídio. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Projeto que iguala aborto a homicídio é alvo de protestos no Brasil

Proposta na Câmara prevê pena de até 20 anos para mulheres que realizarem aborto

14/06/2024 às 10:34

O Projeto de Lei 1904/24 —que equipara o aborto a homicídio— passou a ser tema central do debate público no Brasil. Contra a proposta, manifestantes organizaram protestos nesta quinta (13) em em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e mais cidades.

Os manifestantes defendem que aprovação da proposta, que tramita na Câmara dos Deputados, colocará em risco a vida de milhares de brasileiras, especialmente meninas, que são as principais vítimas da violência sexual no país. Outro risco é de que o projeto elimine direitos das mulheres já previstos em lei.

O Projeto de Lei 1904/24 prevê que o aborto ralizado depois de 22 semanas de gestação, em qualquer situação, passará a ser considerado homicídio —inclusive no caso de gravidez resultante de estupro.

A pena será de seis a 20 anos para a mulher que fizer o procedimento. Projetos com urgência podem ser votados diretamente no plenário da Câmara dos Deputados, sem passar antes pelas comissões da Casa, acelerando o processo legislativo.

Atualmente, a lei permite o aborto em casos de estupro, risco de vida para a mulher, e anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto).

Não há no Código Penal brasileiro um tempo máximo de gestação para o aborto legal. Para abortos não previstos em lei, as penas variam de um a três anos se provocados pela gestante ou com seu consentimento, e de três a dez anos se provocados sem o consentimento da gestante.

Caso o projeto seja aprovado, a pena máxima para abortos realizados após 22 semanas será de 20 anos, equiparando-se à pena para homicídio simples, conforme o artigo 121 do Código Penal.

Rio de Janeiro (RJ) – Protesto contra o PL 1904/24 reuniu mulheres na Cinelândia. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Na Câmara, o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP), afirmou que o projeto foi colocado em votação para ser apreciado em regime de urgência após acordo entre os líderes partidários. 

Em maio deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a utilização da chamada assistolia fetal para interrupção de gravidez. 

O procedimento é usado pela medicina nos casos de abortos previstos em lei, como o caso de estupro.

Criança não é mãe

Em São Paulo, o protesto foi realizado na Avenida Paulista, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), sob gritos de "Criança não é mãe", "Respeitem as mulheres" e "Fora Lira" [Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados].

São Paulo (SP) - Manifestantes dizem que projeto coloca em risco crianças e adolescentes. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Para as manifestantes, a aprovação da proposta vai afetar principalmente as crianças, cujos casos de abuso sexual e gestações demoram a ser identificados, resultando em busca tardia aos serviços de aborto legal. 

De acordo com dados do Fórum de Segurança Pública, 74 930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022. Desse total, 61,4% eram crianças com até 13 anos de idade.

“Esse projeto de lei é totalmente inconstitucional, uma vez que ele coloca em risco milhões de meninas que serão obrigadas a serem mães dos filhos de seus estupradores e mulheres que serão obrigadas a levar uma gestação sendo vítima de violência sexual”, disse Rebeca Mendes, advogada e diretora-executiva do Projeto Vivas, entidade que atua junto a mulheres que necessitam de acesso ao aborto legal, em entrevista à Agência Brasil.

Outra crítica é que se o projeto de lei for aprovado, a pena para as mulheres vítimas de estupro será maior do que a dos estupradores, já que a punição para o crime de estupro é de 10 anos de prisão, e as mulheres que abortarem, conforme o projeto, podem ser condenadas a até 20 anos de prisão. 

“Esse PL protege o estuprador, não a vítima. E isso diz muito sobre a nossa sociedade”, acrescentou. 

Brasília (DF) – Ato contra o projeto de lei foi realizado na Esplanada dos Ministérios. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Quem também participou do ato na Avenida Paulista foi Jennyffer Tupinambá, uma mulher indígena do povo Tupinambá de Olivença e que sofreu violência sexual quando criança. 

"Estou aqui na Paulista muito emocionada. Fui vítima de violência sexual na primeira infância, entre os 3 e 11 anos, e poderia ter engravidado. Olho isso hoje sabendo que nossos representantes iriam me forçar a ter um filho de um estuprador. Esse é um trauma que até hoje, aos 40 anos, tento superar. E não há superação. Como é que uma vítima, que está totalmente abalada e traumatizada, poderia ser mãe?”, indagou ela. 

“É inadmissível que hoje o Brasil esteja aceitando isso e que deputados estejam direcionando o que o nosso povo deve fazer”, completou.

No ato, houve críticas a Arthur Lira por ter colocado o projeto de lei em votação. 

“Hoje, estamos aqui contra o absurdo que foi feito pelo presidente [da Câmara dos Deputados] Arthur Lira, onde ele, em 23 segundos, conseguiu colocar em risco milhões de meninas e mulheres que são vítimas de violência sexual. Nossos direitos foram barganhados em 23 segundos ontem no Congresso Nacional”, disse Rebeca Mendes.


Com Agência Brasil

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