Depois de passar quase quinhentos dias preso, o bispo nicaraguense Rolando Álvarez foi, em janeiro deste ano, solto e expulso do país, além de ter a sua nacionalidade revogada.
Em fevereiro de 2023, após seis meses em prisão domiciliar, Álvarez acabou condenado a 26 anos de cadeia, acusado de conspirar e divulgar notícias falsas contra o governo nicaraguense, presidido por Daniel Ortega.
Em meio a denúncias de violações dos Direitos Humanos na Nicarágua, há também a versão de que Álvarez, atualmente com 57 anos, foi detido por ser um crítico ferrenho da repressão do Estado contra manifestantes que, desde 2018, se insurgem contra o governo sandinista.
Mas como a prisão do religioso acabou desencadeano uma crise diplomática com o Brasil?
Nos últimos dias, o tiroteio das relações exteriores entre os dois países se acirrou. Na quarta (7), a Nicarágua anunciou a expulsão do embaixador do Brasil na capital do país centro-americano, Manágua.
Argumentou o Executivo nicaraguense na tomada de decisão que o diplomata brasileiro Breno Dias da Costa, então embaixador no país, não compareceu ao aniversário de 45 anos da Revolução Sandinista, o que revoltou o presidente Daniel Ortega.
A revolução, em 1979, encerrou a ditadura de quarenta anos da família Somoza no país. A cerimônia cuja ausência do Brasil enfureceu Ortega aconteceu no último 19 de julho.
Sendo assim, o governo brasileiro, nesta quinta (8), anunciou, seguindo o princípio de reciprocidade, expulsar do Brasil a chefe da embaixada da Nicarágua no país, Fluvia Matus.
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) informou que a medida ainda não representa uma ruptura das relações diplomáticas e que todos os serviços consulares prestados à população brasileira que vive na Nicarágua serão mantidos.
O ministério estima que vivam 180 brasileiros no país centro-americano.
Na prática, as expulsões dos embaixadores significam o rebaixamento do nível de representação entre os países. Isso porque o embaixador é representante de nível mais alto de um país em outra nação.
Nas relações internacionais, a expulsão de um embaixador é um gesto político que costuma expressar insatisfação.
Desgaste
De qualquer modo, a rota de colisão que culminou na expulsão do embaixador brasileiro e pronta resposta do Itamaraty, no dia seguinte, mandando de volta a embaixadora nicaraguense já estava traçada desde antes.
A relação entre ambos os países estava desgastada desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou, após acolher um pedido do papa Franscisco, intermediar a libertação do bispo Rolando Álvarez, encarcerado mais de 500 dias e, em janeiro deste ano, solto e expulso do país.
Sobre o assunto, Lula chegou a se pronunciar ao afirmar a veículos estrangeiros que Ortega não retornou aos pedidos do presidente brasileiro para uma conversa por telefone.
Fora isso, o governo da Nicarágua tem sido criticado por organizações de Direitos Humanos e por alguns países, como os Estados Unidos, que acusam o presidente Daniel Ortega de reprimir a oposição e perseguir críticos com prisões arbitrárias.
“Pelo menos 119 pessoas continuaram detidas arbitrariamente após julgamentos injustos, incluindo Rolando Álvarez, o bispo católico de Matagalpa, que foi condenado a 26 anos de prisão por conspiração e divulgação de notícias falsas”, afirmou a Anistia Internacional em informe publicado em abril deste ano.
A Nicarágua também está sendo isolada internacionalmente, o que inclui sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos.
Quem é Rolando Álvarez?
Rolando Álvarez foi bispo da diocese de Matagalpa, cidade na região central da Nicarágua. O religioso ficou conhecido por ser uma das vozes mais críticas ao governo de Daniel Ortega. O site Infobae registrou que os sermões do bispo eram incisivos contra a violação dos Direitos Humanos, a perseguição religiosa e abusos de poder.
Na mesma decisão da Justiça da Nicarágua que condenou e expulsou 222 cidadãos acusando-os de traidores, Álvarez também foi solto e, desde então, perdeu a nacionalidade. Não foi por acaso que Álvarez entrou na mira de Ortega e da vice-presidente do país, Rosa Murillo.
Os governantes acusam a Igreja Católica no país de apoiar os protestos de 2018, que Ortega e Murillo classificam como tentativa de golpe de estado.
Também segundo o Infobae, o bispo Rolando José Álvarez Lagos nasceu em Manágua, onde os pais vendiam uma bebida típica chamada atol, feita à base de milho. A vocação de Álvarez para o sacerdócio veio da infância, declarou à revista Magazine a irmã mais velha do bispo, Vilma Álvarez.
Nos anos 1980, Rolando Álvarez se negou a prestar o serviço militar obrigatório no país, o que rendeu outras passagens pela cadeia ao religioso. À mesma revista, a irmã de Álvarez afirmou que ele nunca se envolveu diretamente com política, só com a religião.
A entrada oficialmente no sacerdócio ocorreu em dezembro de 1994, quando Álvarez tinha então 28 anos. Em 2011, o religioso assumiu a chefia da Diocese de Matagalpa. Passou-se mais de uma década até chegar à atualidade, quando o bispo foi expulso do país.
Na ocasião, o religioso se recusou a embarcar em voo para os Estados Unidos —para onde as outras duas centenas de nicaraguenses foram mandados. Naquele momento, o bispo Álvarez rejeitou sair do país, mas depois acabou aceitando ir para o exílio junto com outros quinze sacerdotes.
Atualmente, ele e os outros religiosos estão no Vaticano.