Luciana Santos é a primeira mulher na história do Brasil a assumir a pasta das Ciências e Tecnologia. Crédito: Laura Baggi, ASCOM /MCT

Luciana Santos é a primeira mulher na história do Brasil a assumir a pasta das Ciências e Tecnologia. Crédito: Laura Baggi, ASCOM /MCT

Com energia limpa, Brasil tem vantagem sobre Europa e China, diz ministra

Manter o Brasil entre os líderes na transição energética é uma meta não muito difícil, segundo Luciana Santos, chefe das Ciências e Tecnologia

19/07/2024 às 10:19 | 5 min de leitura
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Em entrevista à BRASIL JÁ, Luciana Santos, chefe do Ministério das Ciências e Tecnologia, afirmou que a pesquisa para o uso de biomassa para a produção de energia limpa e renovável é prioridade em sua pasta. 

A ministra também afirmou ser uma preocupação do governo brasileiro a regulação das chamadas bigtechs (entenda mais adiante).  

Para Santos, manter o Brasil entre os líderes na transição energética é uma meta não muito difícil, porque, disse, há mais de cem anos o país viveu a mudança de uma matriz energética suja para a limpa.

Santos também afirma ser uma preocupação do governo brasileiro a regulação das bigtechs e o uso de inteligência artificial. Trata-se, segundo ela, de um tema estratégico para o desenvolvimento social mais igualitário —e até para a soberania nacional.

Não é possível que alguma empresa concorde com fake news, com a propagação de mentiras, seja ela de natureza científica, política, contra a garantia e liberdades individuais, porque isso é criminoso”, disse.

Confira os principais trechos da entrevista com a ministra das Ciências e Tecnologia do Brasil, Luciana Santos:

O Brasil é um dos líderes no uso de energia limpa e renovável. O que o país tem feito para se manter assim?

Eu não tenho dúvida de que nós vamos continuar na liderança do uso da energia renovável, seja nas nossas matrizes energéticas, seja no uso da energia elétrica limpa para gerar combustíveis limpos.

Mais de 80% da nossa matriz energética é renovável e/ou limpa, desde os tempos de Delmiro Gouveia [industrial brasileiro, nascido em Ipu, Ceará, responsável pela construção da primeira usina hidrelétrica de Paulo Afonso, em 1913]. E tem essa novidade que é o hidrogênio verde. Nós já passamos pelo etanol, hoje somos o país do mundo que mais usa o motor flex, que é o uso de um biocombustível. 

Acho que as nossas possibilidades são enormes, porque nós temos um Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia com uma diversidade enorme de produção científica nessa área.

Estamos cuidando do bioquerosene para o uso de avião, que é um problema hoje do transporte de passageiros de curta e longa distância. Ou seja, o Brasil está numa corrida tecnológica e eu acredito que nós vamos continuar na ponta, pois, temos capacidade energética limpa.

É uma corrida envolvendo grandes, como Estados Unidos, Europa e China. 

Sim, mas como a gente já tem uma vantagem competitiva, por conta da nossa matriz energética — repito: limpa e renovável —, os nossos processos de obtenção do hidrogênio, seja ele por eletrólise, fotólise e o próprio etanol, desenvolver rápido e em grande escala. Por exemplo, nós vamos em breve botar postos [de combustível] por conta da transição automotiva, dos motores, e a opção do Brasil vai ser o híbrido, que não é exatamente o elétrico, é o elétrico usando biocombustíveis, uma área em que temos vocação, porque não é algo novo para nós, os brasileiros. 

Em outra disputa contra grandes, especificamente as bigtechs, o Brasil perdeu. A Europa é bem regulada neste sentido, mas, o Congresso  brasileiro, não resistiu à pressão de Google, Meta e Cia. Ainda é possível vencer essa disputa? 

O Brasil, e o próprio deputado Orlando Silva, relator dessa regulamentação, tenta buscar a responsabilização das bigtechs. Não é possível que alguma empresa concorde com fake news, com a propagação de mentiras, seja ela de natureza científica, política, contra a garantia e liberdades individuais, porque isso é criminoso. Então, não há como não corresponsabilizar, porque, afinal, as ferramentas de circulação de dados estão sobre as mãos de uns poucos.

É um monopólio de plataformas, de provedores, de robôs, que não pode ser naturalizado, pois se trata de um tema global. Nós bem sabemos o quanto é nefasta a desinformação. Pessoas já perderam vidas, democracias foram colocadas em xeque e não é possível conviver naturalizando isso. É preciso ter a regulação e nós vamos garantir isso no Brasil.

Como, ministra? 

Sabemos fazer. Nós fomos, de alguma maneira, protagonistas no assunto. Eu já fui deputada federal e, naquele período, nós fizemos o Marco Civil da Internet, que inspirou o mundo. Todo mundo está fazendo a regulação e nós vamos fazer a nossa.

LUCIANA SANTOS, ministra das Ciências, Tecnologia e Inovações: "As nossas posições brasileiras são claras em relação a uma instância como a Otan. Nós somos o país da paz." Crédito: Laura Baggi, ASCOM/MCTI


Falando em tecnologia: o uso da inteligência artificial é uma preocupação global. Como o Brasil tem se preparado para o seu uso?

Desde o ano passado, nós estamos atualizando a estratégia brasileira de inteligência artificial. Em março, levei ao presidente Lula [da Silva] a opinião e algumas preocupações de especialistas sobre a tecnologia. O presidente nos cobrou um plano brasileiro de inteligência artificial, que inclua capacidade de infraestrutura para supercomputadores, diagnóstico e soluções de IA.

Qual é a preocupação?

Estamos elaborando estratégias, de longo, médio e curto prazo, para que a gente possa acelerar [o plano brasileiro de inteligência artificial], porque nós sabemos bem a velo - cidade que essas novas tecnologias possuem. Elas acontecem de uma maneira muito rápida e nós não podemos ficar atrás.

É claro que o uso do IA requer regulação, linguagem, para poder evitar vieses que a gente está vendo do uso da inteligência artificial. É uma ferramenta que tanto pode trazer desenvolvimento e inclusão, mas pode trazer mais desigualdade também. E nós precisamos cuidar da parte da ameaça [de ampliação de desigualdade], para que ela possa ter o uso positivo no mercado de trabalho.

Como fazer isso?

Nós vamos ter que garantir uma escala enorme de capacitação, porque o mundo do trabalho vai mudar e nós temos que deixar os brasileiros e brasileiras aptos a esse novo uso da tecnológica. São dois os grandes de - safios: ter infraestrutura e ter gente apta a desenvolver soluções.

Não há risco à soberania nacional, aos planos estratégicos do país, se não houver algum tipo de desenvolvimento da IA dentro do país, no âmbito da Ciência e Tecnologia?

A inclusão passa ter linguagem própria, por ter autonomia tecnológica nesse assunto. É por isso que estamos lançamos editais para startups brasileiras, para envolvê-las nisso. Se nós não tivermos [nosso próprio desenvolvimento], nós ficaremos dependentes dos usos mais diversos. Além disso, temos que ter uma regulação que funcione. Todo mundo está regulando o uso da IA.

A senhora esteve recentemente no Fórum de Lisboa, que, entre outras coisas, foi criticado pela falta de diversidade tanto na questão étnica como na de gênero. Não incomodou a senhora?

Eu acho que essa é uma luta que cada vez mais ganha força, apesar de ainda haver resistência e desigualdade. Nós temos que persistir com muita veemência. Eu, por exemplo, sou a primeira mulher negra da história da ciência e tecnologia. A sociedade quer se ver nesses espaços de decisão política e de poder político. 

Por isso a senhora veio a Lisboa, então.

Sim, cada vez mais a gente tem que afirmar a necessidade de jogar luz para se criar equidade. Passa também por se criar políticas afirmativas, ter política pública que mitigue a desigualdade. Essa é uma luta estruturante, longeva. Seu resultado não será de maneira imediata, mas temos que cumprir nosso papel. Precisamos fazer o embate que é necessário para entender e superar a invisibilidade de pessoas extremamente competentes.

A Embraer fechou no ano passado um acordo de produção de um avião militar para Portugal, que é membro da Otan. Não gera constrangimento ao posicionamento do Brasil, de pregar a paz, produzir um avião para guerra?

A ação diplomática do Brasil historicamente coloca de maneira altiva e ativa, no mundo, a bandeira da paz e do respeito à autonomia dos povos. Qualquer forma, seja em fóruns multilateral e ou mesmo de governança individual, que vá na contramão do interesse da paz, nós vamos marcar posições de defesa no caminho que achamos justo. As nossas posições brasileiras são claras em relação a uma instância como a Otan. Nós somos o país da paz.

Mas a Otan é um organismo necessariamente de guerra. 

Nós não interferimos nas decisões e nas co - operações que os países dos quais nós nos relacionamos estabelecem. Em relação às nossas posições, vamos continuar defendendo com firmeza a paz e que haja uma nova relação entre os países que não seja esta que nós estamos assistindo, de múltiplas crises e de disputa geopolítica ferrenha. Precisamos pautar um mundo numa outra perspectiva. Esse é o nosso esforço. 

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