Juliana Dal Piva

Jornalista, autora do livro "O Negócio do Jair - a história proibida do clã Bolsonaro"

Juliana Dal Piva

A mentira como arma eleitoral

O que passa despercebido no debate é o limite da liberdade de expressão. No Brasil, há limite. Nos Estados Unidos, não, a um custo enorme à sua democracia, uma vez que Trump, sob a desculpa de sua liberdade, incitou o ataque ao Capitólio

18/09/2024 às 11:59 | 3 min de leitura
Juliana Dal Piva
Juliana Dal Piva
redacao@brasilja.pt

Jornalista, autora do livro "O Negócio do Jair - a história proibida do clã Bolsonaro"

O Brasil iniciou a sua campanha eleitoral para a eleição dos representantes municipais no dia 16 de agosto, mas a verdade é que está difícil saber exatamente se o que saiu à rua é a turma que tenta ser prefeito e vereador no próximo ano ou se são os que pretendem ser presidente, governador, deputado e senador, cujos mandatos se iniciam somente em 2027.

Legalmente o que está autorizado é a campanha e o pedido de votos para quem disputa a eleição deste ano. Mas ninguém ignora que a campanha presidencial de 2026 começou.

Nesse bolo, entra ainda a disputa presidencial dos Estados Unidos, agravada pelo atentado contra o republicano Donald Trump e a troca, inédita, de candidato na chapa democrata, entrando Kamala Harris no lugar de Joe Biden.

Mas o que há em comum nas disputas eleitorais? O uso da mentira por meio das redes sociais como arma de convencimento ao voto ou ao ódio ao adversário —e é pelo repúdio ao oponente que a chamada fake news se popularizou.

O criador do termo é justamente Trump, que passou a classificar como falsa qualquer informação que considere inconveniente sobre seu passado, seus negócios ou os casos de assédio em que está implicado.

Ao mesmo tempo em que se diz vítima, o republicano é um mentiroso compulsivo, um dos mais profícuos entre os líderes políticos mundiais. Na boca de pessoas como Trump ou do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o termo fake news serve para classificar qualquer coisa e confunde o eleitor.

Em 2016, o feed do Facebook teve protagonismo na divulgação de mentiras na vitoriosa campanha de Trump como nas eleições municipais do Brasil.

Em 2018, vimos a eleição do disparo de mentiras em massa via Whatsapp. Não apenas Bolsonaro ganhou neste ano, como candidatos da antipolítica venceram.

Nas eleições de 2020, a tecnologia se manteve um problema, mas se misturou ao dilema de uma campanha em meio à pandemia de covid-19.

Nas eleições de 2022, vimos novamente despontar a desinformação no subterrâneo das redes sociais.

As disputas eleitorais de 2024, no Brasil ou nos Estados Unidos, ganharam mais um componente preocupante: o uso da inteligência artificial. Em agosto, se popularizou um vídeo em que Kamala Harris e Donald Trump se beijam. A tecnologia deixa o vídeo tão perfeito que é impossível, somente pela imagem, ver qualquer adulteração.

No Brasil, os candidatos poderão usar a IA em suas campanhas, mas precisam respeitar a resolução do Tribunal Superior Eleitoral, proibindo o uso da tecnologia sem a sua clara identificação.

O projeto Ilusionistas, coordenado pelo Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística tocado por equipes brasileiras de Aos Fatos e ICL Notícias, descobriu que, na pré-campanha deste ano, a Justiça Eleitoral julgou 43 ações relacionadas ao uso de inteligência artificial —em 14 dos casos analisados (32%), o uso da tecnologia foi considerado irregular.

O levantamento foi feito no Diário da Justiça Eletrônico de todos os tribunais regionais eleitorais do Brasil, por meio de palavras-chave.

É impossível impedir a difusão de informações falsas. Mas, se em outros momentos, após uma severa pressão pelas eleições de Trump e Bolsonaro, as plataformas de tecnologia estiveram mais conscientes quanto ao seu papel nesse enredo, agora parecem lavar as mãos. O ex-Twitter é talvez o maior exemplo disso.

Comprada por Elon Musk, a plataforma tenta se eximir de qualquer responsabilidade sobre o que veicula. Inicialmente, a empresa demitiu funcionários a ponto de não ter gente para responder às demandas da imprensa e, agora, em agosto, anunciou o fechamento de seus escritórios no Brasil.

O que às vezes passa despercebido nesse debate é o limite da liberdade de expressão. No Brasil, há limite. Nos Estados Unidos, não. E isso causa um enorme custo à democracia norte-americana uma vez que Trump, sob a desculpa da liberdade de expressão, publicamente incitou o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Não queria aceitar a derrota eleitoral e, sem provas, iniciou uma campanha de descrédito ao sistema eleitoral. Uma história parecida se desenrolou no Brasil, culminando no 8 de Janeiro, no maior ataque aos prédios da Praça dos Três Poderes, à república e à própria democracia.

Nos bastidores, espera-se que o inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado comandada por Bolsonaro seja concluído em setembro e, por fim, o Brasil dê o passo que os norte-americanos não conseguiram dar: responsabilizar os governantes por divulgar mentiras que podem gerar graves consequências ao sistema democrático.

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