Poderia considerar um caso isolado, se ao longo dos meus anos de atendimento em consultório como psicoterapeuta eu não tivesse ouvido essa mesma história contada por diferentes pessoas de diferentes idades, sexos ou condição social: me refiro ao fenômeno psicológico de ficar com o coração partido. São muitas as mulheres que pedem ajuda para a síndrome do Coração Partido ou Takotsubo syndrome (nome científico).
Uma das principais razões da atualidade para ficar de “coração partido” é o fim das relações amorosas. Alguém lhes prometeu o céu e depois lhe entrega o inferno da incerteza, da solidão e da baixa autoestima. Há pessoas que falam todos os dias pelas redes sociais como se fossem namorados, mesmo nunca tendo se visto. Outras vezes acontece um envolvimento físico e emocional que acaba de forma bem diferente do idealizado.
Quase com um caráter profético, o Don Juan e a sua versão feminina deixaram a literatura para a vida real. As redes sociais, e especialmente os sites de encontros, pela forma como são concebidos e utilizados, permitem uma sedução avassaladora que muitas vezes é seguida de um corte radical —uma realidade tão atual que este tipo de comportamento ganhou nome próprio e é estudado por sociólogos, psicólogos e até filósofos.
Já nos anos de 1960, o polonês Zygmunt Bauman, autor de mais de cinquenta livros, introduziu o conceito de “modernidade líquida”. Durante a revolução industrial, quando se passou a priorizar as relações econômicas ao invés das relações humanas, cresceu a convicção de que “a mudança é a única coisa permanente, e a incerteza, a única certeza.” Em um mundo de avanços e recuos, que gera angústia em busca do prazer imediato, as pessoas com síndrome de Peter Pan —que não querem crescer— levaram a um enorme crescimento das relações líquidas.
Se pudermos fazer uma cronologia das relações líquidas e tóxicas, normalmente elas começam com o love bombing (bombardeio de amor), que, como o próprio nome sugere, é uma forma de aproximação em que o sedutor faz demonstrações de atenção e afeto exagerados a alguém que mal conhece, com o objetivo é fazer com que o outro se sinta valorizado e especial. O problema é que este bombardeio, por não ser sincero, normalmente faz parte de um ciclo de abusos, em que assim que a vítima, um vez conquistada, é abandonada.
O mais violento e um dos mais comuns comportamentos, já depois da conquista, é o ghosting, palavra inglesa derivada de fantasma, em que a pessoa some de forma repentina sem explicações ou aviso prévio e posterior, e ignora qualquer tentativa de contato ou comunicação.
Já testemunhei pessoas chorando por horas em consultório, cobrando de si o desaparecimento súbito do outro e procurando algo de errado que tivessem feito ou dito que pudesse ter induzido a esse comportamento. O ghosting também pode ser feito a amigos, familiares ou chefes, mas sem dúvida é nas relações amorosas que causa maior impacto.
Outra forma de abuso emocional é confundir a vítima com um comportamento ambíguo, o chamado benching, mais uma palavra inglesa que significa deixar a outra pessoa à espera. Ficar no banco até que o sedutor se lembre de aparecer novamente do nada e sem dar explicações para o sumiço. Quem usa esta estratégia não tem a intenção de desenvolver uma relação com o outro, pretende apenas usar a outra pessoa. Ser um Don Juan é adotar o chamado catch and release, comportamento comum nas pessoas que adoram a conquista.
E afinal quem são as vítimas e quem são os agressores nessas novas relações? Geralmente as vítimas são pessoas carentes, com históricos de relações afetivas difíceis, baixa autoestima e claros problemas de dependência afetiva. Acreditam que a sua felicidade depende da outra pessoa.
Já os agressores costumam ser pessoas egocêntricas, impulsivas e narcisistas, pessoas vaidosas, que se consideram superiores, muitas vezes promíscuas ou com traumas por resolver e as conquistas alimentam o seu ego ferido. Os dois tipos de personalidades se atraem pelas suas necessidades que se completam, umas de atenção e outras de valorização e poder pessoal.
Costumo dizer aos meus pacientes que conheçam as pessoas, os seus hábitos, a sua história, mas depois se detenham nas ações. Quando alguém não é empático, a sua comunicação não é clara. E isso gera decepção, mal-entendidos, mentiras, frustração e conflitos. A responsabilidade emocional é a consciência que deve orientar as nossas ações em relação às emoções das outras pessoas, é comunicar com clareza e sinceridade as nossas intenções em nossos relacionamentos.
Pessoas seguras e emocionalmente responsáveis são diretas e verdadeiras, explicam o que sentem, o que querem e até que ponto querem ou não atender as expectativas da outra pessoa. Se relacionar com alguém saudável e verdadeiro é a melhor forma de realização pessoal e emocional.
E, se é verdade que todos corremos o risco de sermos enganados um dia, também é verdade que no momento em que nos damos conta disso só temos um caminho: pular fora o mais depressa possível.