Vinicius Junior é tudo aquilo que a Europa racista mais abomina e não tem o menor pudor de perseguir. É sul-americano. É brasileiro. É preto. De origem humilde e batalhadora. Um jovem que nasceu na pobreza e atravessou o Oceano Atlântico para encantar a todos.
Vinicius Junior também é tudo aquilo que o Brasil mais necessita para confrontar o atrasado olhar europeu, seja dentro ou fora das quatro linhas. É craque. É ídolo indiscutível do maior e mais poderoso clube do mundo. É digno. É divino. Um guerreiro ímpar com a bola nos pés.
Corre. Dribla. Marca. Sorri. Dança. Festeja. É insultado jogo após jogo, dia após dias. É atacado nas ruas, nos estádios e até mesmo na imprensa. Uma enxurrada de pura baixaria que mesmo assim não consegue afundar o nosso jogador (em forma) mais talentoso na atualidade.
Vini não abaixa a cabeça. Pelo contrário. Levanta tanto ao ponto de olhar de cima. Soberano. Do topo de uma sofrida escalada, que começou no Flamengo e encontrou outros diversos obstáculos no futebol espanhol, onde tentam de tudo um pouco para derrubá-lo.
Tem abraçado responsabilidades que poderiam ser partilhadas por outros companheiros, alguns mais experientes e calejados e/ou cada vez mais alienados na Arábia Saudita. Colocou em si (mais um) enorme peso nas costas, ao ser o rosto da interminável guerra contra o racismo na Europa, especialmente na Espanha. Fala. Denuncia. Desabafa. Grita. Contesta. Chora. E como não chorar?
Imagina passar o que passou, conquistar o conquistou e, com apenas 23 anos, ter que caminhar quase que solitário num caminho espinhoso, escuro e potencialmente sem fim?
"Tenho lutado bastante por tudo que tem acontecido comigo. É desgastante por estar meio sozinho. Já fiz tantas denúncias, mas ninguém é punido, nenhum clube é punido. A cada dia, luto por todos que passam por isso. Se fosse só por mim e pela minha família, não sei se continuaria. Mas fui escolhido para defender uma causa bem importante e que requer muito estudo da minha parte", disparou o atacante, em março passado, ao serviço da Seleção brasileira.
"No futebol tem muitas pessoas, tantos jogadores melhores do que eu que já passaram por aqui, mas quero fazer com que as pessoas no mundo possam evoluir, melhorar, que possamos ter igualdade, que num futuro próximo haja menos casos de racismo, que as pessoas pretas possam ter uma vida normal, como as outras. Quero e vou seguir lutando por isso", completou.
Sem querer poupar essa ou aquela palavra: o futebol europeu, sobretudo o espanhol, não suporta o sucesso de um jovem brasileiro preto sorridente. É quase como ir contra os próprios princípios de supremacia. O que incomoda ainda mais o espanhol, num todo, é o fato de Vinicius Junior fugir ao estereótipo de "jogador brasileiro", aquele de fácil alvo de críticas.
Não é da farra, não ostenta e não gosta de ser celebridade. Afastado de polêmicas. Está sempre longe dos holofotes fora de campo.
Um mês atrás, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, curiosamente num encontro com jornalistas estrangeiros em Lisboa, afirmou que seu país foi responsável por uma série de crimes contra africanos e indígenas no Brasil na era colonial. Deveria, então, pagar por isso.
O político português disse também que sugeriu a seu governo fazer reparações pela escravidão e pediu que Portugal "assuma total responsabilidade pelos danos causados", como massacres a indígenas, a escravidão de milhões de africanos e bens saqueados.
Obviamente, as palavras de Marcelo, que perfeitamente poderiam estar no pronunciamento de outros presidentes da Europa colonizadora de outrora, foram um murro no estômago de extremistas e radiciais de direita. Um prato cheio para o esfomeado discurso de ódio.
Diante de tamanha revolta gerada pelo posicionamento político do presidente de Portugal, o meu único e verdadeiro lamento é não ter Vinicius Junior jogando e brilhando pelos gramados portugueses, seja com a camisa de Benfica, Porto ou Sporting.
Mas o craque do Real Madrid está ali ao lado, infernizando, e bem, o país vizinho, pronto para muito em breve ser eleito pela primeira vez o melhor jogador do mundo e seguir os passos dos compatriotas Romário, Rivaldo, Ronaldo, Kaká e Ronaldinho Gaúcho.
Ainda assim, Vinicius Junior vai continuar sendo único e especial, carregando uma bandeira que nenhum outro brasileiro de impacto quis carregar pelos cantos da Europa. Parte da nossa reparação histórica, meus amigos e minhas amigas, é ver europeu aplaudindo de pé um ídolo brasileiro preto.