Nossa Mesa Compartilhada da vez faz uma triangulação perfeita entre Brasil, Portugal e Japão. E tem muito a ver com uma percepção, aqui e acolá, nas minhas andanças pelos quatro cantos do território luso.
Começou lá no Algarve, quando conheci o chef e sushiman Arisio Junior, responsável pela cozinha de sushi do Sky Bar, do Tivoli Carvoeiro Algarve. Depois, foi a vez de testemunhar o trabalho do gaúcho Alexandre Hatano, braço direito do chef e restaurateur Olivier da Costa no Yakuza, em Lisboa. No Norte, o projeto do Tokkotai só reforça a tendência de brasileiros nas cozinhas orientais portuguesas.
O restaurante trouxe quase vinte profissionais do Brasil, entre cozinha quente, sushi e sala, para brilharem no Porto. Fora as estrelas solitárias de Lisboa, como Lucas Azevedo e seu recém-inaugurado Ryoshi, e Habner Gomes, que também acaba de abrir o Yoso.
A mão boa dos brasileiros para cozinha oriental tem raízes. Foi à altura a expansão do cultivo do café no Brasil que os imigrantes japoneses chegaram em peso ao país. E mais do que a força de trabalho na lavoura, eles entregaram muita cultura, especialmente na gastronomia. Por isso, não é surpresa encontrar um lugar inteiro em São Paulo dedicado à comida autenticamente oriental —o bairro da Liberdade.
Aliás, é lá, na capital paulista, que começa o nosso diálogo entre Brasil, Portugal e Japão. A popularização de restaurantes japoneses fez surgir uma mão de obra cada vez mais especializada. Dos espaços mais simples, ali na Liberdade, aos estrelados Michelin, como Kinoshita, Jun Sakamoto, Huto e Kan Suke, a capital paulista e o Brasil, em geral, ficaram mundialmente conhecidos por entregar uma comida japonesa de alta qualidade.
Por isso, não causa espanto observar a movimentação de sushimen brasileiros rumo a Portugal. Não que os portugueses não tenham seus grandes nomes, como Paulo Alves, que conquistou uma estrela Michelin pelo Kabuki antes de assumir a cozinha do Praia do Parque.
Ou, ainda, Pedro Almeida, cujo conceito brilha no Midori, no Penha Longa Spa, em Sintra, primeiro japonês do Portugal a ganhar uma estrela Michelin. Mas, com o aumento do consumo da comida japonesa em terras lusas e a grande demanda de profissionais com essa especialidade, os brasileiros marcam cada vez mais presença na cena.
Foi entre uma degustação e outra dos pratos que misturam a técnica com ingredientes nobres como caviar e foie gras que conheci o chef Alexandre Hatano, gaúcho de descendência japonesa que está no Yakuza, do Grupo Olivier, desde a abertura. Com uma equipe repleta de brasileiros, Hatano conta que, quando precisa de reforço na cozinha, é do Brasil que busca profissionais, o que é facilitado pelo braço do grupo português na capital paulista.
Em Portugal, ele diz ter encontrado um terreno fértil para exercer a sua arte. “A oferta de peixes e outros produtos frescos é impressionante, o que permite um eterno exercício criativo”, disse o chef, que troca muitas ideias com Olivier da Costa. Para Hatano, há um domínio de brasileiros e japoneses na cena da comida japonesa na Europa. “Devido à força da cultura japonesa no Brasil e a popularização do sushi por lá, temos ótimos profissionais, que também são conhecidos pela criatividade”.
O chef Arisio Junior, do Carvoeiro Sky Bar, do Tivoli Carvoeiro, e um desses brasileiros e concorda com o diferencial dos ingredientes lusos. “Há muita oferta de peixes frescos e mariscos diariamente e a aceitação do público para ir além do salmão é grande’, comemora.
Foi em Portugal que o chef, que aprendeu a cozinhar na convivência com uma família japonesa em São Paulo, passou a exercer sua criatividade com mais afinco. No sushi bar do Tivoli, o menu moriawase (setenta euros), com cinco momentos, quase nunca tem prato repetido.
Atiçada pelas conversas com os chefs e com uma leitura aqui e outra acolá, calhou de chegar à história do Tokkotai, do Porto, que desfalcou o time de um conhecido restaurante japonês na capital paulista.
“Quando os cinco sócios portugueses decidiram abrir o restaurante, um deles, que vive em São Paulo, sugeriu os profissionais brasileiros”, explicou a diretora-executiva Joana Barros. A ideia do projeto era responder à demanda por um espaço com comida japonesa mais requintada e para um público mais maduro.
“A mão de obra brasileira agregou valor no negócio por ser uma equipe muito capacitada, com muitas habilidades, com influência direta da cultura japonesa no Brasil.”
Com tanto reconhecimento, fiz questão de sentir o clima e provar a comida do time verde-amarelo do Tokkotai, encabeçado chef Paulo César Nogueira. Por ali, da sala à cozinha, só de ouve “brasileiro”, como costumam dizer nossos irmãos lusos.
A minha visita foi na folga do chef, mas conversei com o sous chef Elton Guenka, que contou casos curiosos, como a viagem ao Porto em que o time todo embarcou no mesmo voo.
“No início, também fazíamos tudo junto, como tirar o NIF [Número de Identificação Fiscal], por exemplo”, relembrou na conversa. No geral, a ambientação foi tranquila. No caso dele, tão tranquila que ele e a esposa brasileira já providenciaram um herdeiro por aqui: o João. No quesito ingredientes, de vez em quando aparecem coisas especiais, como o rodaz, peixe branco que ele preparou com ovas de bacalhau. “Um ou outro ingrediente muda, mas a técnica e a habilidade para executá-la são as mesmas.”
Entre os brasileiros que fazem sucesso na cozinha japonesa, alguns desenvolveram a carreira em Portugal e vivem o momento de alçar voos mais altos. É o caso de Habner Gomes, que depois do sucesso experimentado no Mattë, reconhecido por prêmios como o Lisbon Insiders, acaba de abrir o Yoso, que promove um diálogo intenso justamente entre Portugal, Japão e Brasil —destaque para a cerimônia do café ao final do jantar, que relembra a chegada do produto ao oriente.
“A inspiração vem do período Nanban, quando os primeiros portugueses pisaram no oriente e levaram técnicas como a do tempurá e de onde trouxeram também muitas referências.” A ideia, com a nova casa, é alcançar uma sonhada estrela Michelin.
Em contrapartida, Lucas Azevedo acaba de abrir o Ryoshi, com uma proposta mais acessível. Tal como Habner, ele chegou a Portugal na adolescência e iniciou a jornada na gastronomia no Bonsai, um dos restaurantes japoneses mais antigos do país. A última parada antes do novo projeto foi no Praia do Parque, onde o conceito do omakase, que é quando o cliente se entrega à mãos do chef.
“Agora, temos um restaurante mais democrático. É a cozinha que encontramos nas casas e nos pequenos restaurantes do Japão, com tradição e valorização dos produtos sazonais”, me disse com conhecimento de causa de quem andou por lá, no outro lado do mundo. Ao final das contas, a triangulação entre Brasil, Portugal e Japão se renova. Sorte para nós, comensais, que gostamos da boa comida oriental.
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