Thais França

Investigadora integrada do Centro de Investigação e Estudo em Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-Iscte)

Thais França

O que realmente há de novo?

Os diversos casos de racismo e xenofobia constantemente divulgados não significam que Portugal se tornou, da noite para o dia, um país racista e xenófobo. O novo agora é o avanço dos debates sobre racismo e xenofobia no Brasil e em Portugal.

24/01/2024 às 21:43 | 3 min de leitura
Thais França
Thais França

Investigadora integrada do Centro de Investigação e Estudo em Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-Iscte)

A comunidade brasileira parece estar em alta em Portugal. Praticamente, dia sim e dia sim leio em algum meio de comunicação, seja brasileiro ou português, notícia sobre o tópico. Mas será que se trata de uma novidade ou, simplesmente, da complexificação de uma tendência que teve início nos anos 2000?

Os dados oficiais apontam para o início da imigração brasileira para Portugal no final dos anos 1980, em números reduzidos e com uma inserção laboral sobretudo em postos qualificados. Embora algo novo na paisagem do país, a chegada de brasileiros e brasileiras nesta época não teve tanta visibilidade midiática, política ou social.

Nos anos 2000, contudo, o crescimento intenso da população brasileira no país e a sua feminização começaram a chamar a atenção (Peixoto et al., 2015). Não tardou para a comunidade brasileira se tornar o maior grupo de imigrantes no país. Desde então, este número é crescente, tendo sido registrada apenas uma redução no número de entradas de brasileiros e brasileiras durante os anos de crise financeira (2010-2012). Logo que a economia portuguesa mostrou sinais de recuperação, em 2015, não demorou para que a imigração brasileira voltasse a crescer (França & Padilla, 2018).

É fato que atualmente há uma diversificação do perfil dos membros da comunidade brasileira quando comparado com aquele dos anos 2000: estudantes, investidores, investidoras, nômades digitais, aposentados, aposentadas, descendentes de judeus sefarditas, profissionais com altos níveis de qualificação em postos igualmente qualificados, profissionais com altos níveis de qualificação em postos precários, profissionais com baixos níveis de qualificação em postos pouco qualificados (França & Padilla, 2018).

Contudo, maior diversificação não significa, necessariamente, um fenômeno inédito. Como dito anteriormente, desde os anos 2000 não só a comunidade brasileira era a maior do país, como esta tendência havia sido identificada por vários estudos (Peixoto et al., 2015).

Pelo que, apesar de atualmente o número de brasileiros e brasileiras a viver regularmente ser grande (239.744), representando 30,7% do total da população estrangeira no país (SEF, 2023), ele é muito menos inesperado do que quando esta comunidade começou a crescer, nos anos 2000.

Nesta mesma época, Brasil e Portugal assinaram o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, cujo objetivo transversal era aproximar ainda mais os dois países para além da esfera diplomática, através de medidas como a facilitação do reconhecimento de diplomas profissionais (França et al., 2018). Assim, este aumento do número de brasileiras e brasileiros a residir em Portugal não é repentino.

Igualmente, os diversos casos de racismo e xenofobia constantemente divulgados por diversos canais midiáticos e pelas redes sociais não significam que Portugal se tornou, da noite para o dia, um país racista e xenófobo. Estes episódios sempre existiram.

Em 2005, um grupo de mulheres portuguesas de Bragança organizou uma mobilização que exigia a expulsão das mulheres brasileiras que trabalhavam em casas de alterne, argumentando que elas eram destruidoras de lares, da ordem e dos bons costumes (Pais, 2010).

O novo agora é que o avanço dos debates sobre racismo e xenofobia no Brasil e em Portugal faz com que estas denúncias tenham mais visibilidade no debate público, e as redes sociais permitem que estas denúncias sejam rapidamente disseminadas.

Ainda que esta análise não seja tão aprofundada quanto o tema merece, ela permite perceber que os “supostos” novos contornos da imigração brasileira para Portugal não são assim tão inéditos. São, sobretudo, desdobramentos de uma tendência que já havia sido apontada há mais de uma década.

Contudo, isto não significa que as atuais experiências da comunidade brasileira no país sejam irrelevantes. Pelo contrário, apontam como ainda há muito para se saber sobre como este fenômeno social irá evoluir, sobre quais problemas enfrentados por brasileiros e brasileiras continuam a ser invisibilizados e sobre o que ainda é necessário fazer para que a comunidade brasileira em Portugal possa se integrar e ser integrada de forma plena.

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