Certa vez um paciente me procurou por não conseguir uma namorada. Achei estranho. Ele parecia inteligente, trabalhador, simpático e, num mundo em que muitos anseiam achar a cara-metade, a dificuldade dele parecia injustificada. Não precisei de muitas sessões para entender que o que ele queria era uma namorada robô. Ela deveria acordar com ele às 6h45 para malhar, trabalhar e ganhar muito dinheiro, se alimentar de fast food, porque não dava tempo para mais, e ficar o fim de semana no sofá assistindo a séries. Quando me explicou a sua vida, entendi que nenhuma mulher seria feliz deste jeito. Meu paciente sequer se questionava se sua vida poderia ser chata para o outro. Para esse homem, a todos faltava inteligência, além de serem preguiçosos, cheios de vícios e irresponsáveis. Estranha rigidez narcisista a dele. Tentei explicar a ele que poderia ser mais compreensivo, se abrir ao novo. Mas não quis me ouvir. O círculo vicioso se manteve, e a vida continuou.
Quanto mais inflexível é a pessoa, menos saudável a sua personalidade é. Isso significa que é bom ter alguma flexibilidade em sua psique, se adaptando às circunstâncias e desenvolvendo autoconsciência sem perder de vista as necessidades dos outros. Uma pessoa é hábil ao encontrar soluções para problemas novos sem ficar presa a uma solução única. Mesmo quando as coisas não se desenvolvem como gostaria, ela consegue se manter calma e se autorregular. É assim com toda a natureza: a árvore que quebra primeiro, exposta a ventos fortes, é a sólida e robusta, porque a leve e flexível oscila conforme o vento e mais facilmente sobrevive. Corporalmente somos iguais. Os mais flexíveis se lesionam menos, porque têm ligamentos e músculos mais fortes. Pessoas rígidas e pesadas podem se machucar com mais facilidade enquanto as flexíveis têm abertura para aceitar o outro (ainda que seja muito diferente) ou para aceitar um imprevisto sem se zangar nem se desorganizar emocionalmente. Já alguém com traço de carácter rígido não se dá margem para falhar nem para que os outros falhem, assim, sofre e faz sofrer os que estão à sua volta.
Os “bullies” costumam ter personalidade de carácter rígido, sem conceber que a sociedade pode ser diversa. São aqueles que definem quem está ou não acima do peso, quem tem ideias pouco convencionais ou quem se veste excentricamente. Mais do que isso: recriminam. Para colegas, amigos ou parceiro(a), essas pessoas são de difícil convivência. Perto das suas regras severas qualquer um mais descontraído parece desequilibrado. Mudar de opinião ou de planos é coisa de irresponsável.
Certa vez outra paciente se queixara que o marido não lavava a louça como ela queria. Eu perguntei qual o problema e se a louça ficava mal lavada? Ela me disse que até ficava bem limpa, mas que não era o jeito certo. Claro que a relação deles, por este e outros motivos, ia muito mal. Atenção: não estou defendendo a anarquia. Acredito que sociedade, empresas e famílias precisam de regras. Na verdade, todos precisamos de alguma regra para nos sentirmos seguros. No entanto, como ensina o dito popular, “as regras foram feitas para ser quebradas”.
Pessoas muito autoritárias ficam mais isoladas, porque os outros fogem delas. A consequência é que vão se sentindo sozinhas sem entender por que todos as abandonam. Nem cogitam que o problema é sempre achar que o inferno são os outros.
Mas antes de classificá-los como vilões é importante mostrar que debaixo desse emaranhado de rituais e regras há alguém que sofre. Alguém que em certo momento da vida pode ter se sentido perdido, ter vivido num ambiente desorganizado, ter sido injustiçado, tendo de criar um conjunto de regras que lhe garantisse segurança.
Os intolerantes ou rígidos foram os que mais sofreram na pandemia, porque situações como aquela mostraram justamente que o mundo não é um lugar completamente seguro e muito menos previsível. Então, os que desenvolvem a consciência de que não podem controlar os imprevistos e confiam em si suficientemente para responder ao que vier, vivem com menos medo, menos ansiedade, menos expetativas e mais felicidade!
Se um rígido me pedisse algum conselho, o que raramente pede, eu diria que deveria fazer as coisas como gosta, dialogando, procurando entender o outro e, quando possível, ousando fazer diferente. Quanto mais opções tivermos, mais poderemos aprender e evoluir. O mundo muda, e se não mudarmos junto, em certo momento ficamos à margem do que poderíamos ser.