Susana Gaião Mota

Colunista da BRASIL JÁ e psicoterapeuta, autora dos livros "As Dúvidas dos 30", "Sobre(viventes)" e "Mover o Pensamento".

Susana Gaião Mota

O universal da migração

Apesar do desconforto, todos têm suas razões para emigrar. Pode ser por amor, pela busca de novas oportunidades profissionais, pelo chamado à aventura, pelo olhar de mundo sem fronteiras

05/03/2024 às 10:34 | 4 min de leitura
Susana Gaião Mota
Susana Gaião Mota
susana@brasilja.pt

Colunista da BRASIL JÁ e psicoterapeuta, autora dos livros "As Dúvidas dos 30", "Sobre(viventes)" e "Mover o Pensamento".

Roberta Pinheiro é gaúcha e tem 42 anos. Ela desembarcou em outubro de 2019 em Portugal com o marido e as duas filhas —uma com cinco anos; a outra, dois meses e meio. “Foi um mês muito difícil”, me disse ela ao lembrar de sua chegada. “Eu quebrei meu pé uma semana antes da viagem, então tive de vir de cadeira de rodas, com onze malas, duas crianças pequenas e o meu marido”. Além da limitação física, chegou sem casa e foi morar em um Airbnb por um mês. Por mais que haja planejamento, é sempre uma aventura mudar de país e começar tudo de novo, porque imprevistos acontecem, longe de casa tudo pode se tornar um problema, seja a falta de uma rede de apoio ou as diferenças de costumes.

Sandra e Francisco Lopes são setubalenses. O casal fez o caminho inverso ao de Roberta, deixando Portugal e indo para o Brasil. Chegaram ao Rio de Janeiro em 2002, quando Francisco recebeu um convite para gerir um grupo hoteleiro português com várias unidades pelo país. “Os nossos filhos tinham sete e três anos e a nossa terceira filha nasceu no Brasil, em 2007”, lembra ele. A família ficou treze anos fora de Portugal, seis anos no Rio de Janeiro e sete em São Paulo. Em 2016 decidiram regressar definitivamente. Para Sandra, a adaptação ao Brasil foi fácil: “Fomos emigrantes privilegiados, chegamos com uma estrutura toda montada, casa, carro e colégio para os nossos filhos”. Sem dúvida que esse apoio ajudou a integração, e Sandra considera que foi uma experiência muito enriquecedora: “Fomos muito bem acolhidos pelos brasileiros. Eu não trabalhei no tempo em que vivi no Brasil e pude dedicar-me aos meus filhos, viajávamos, eu praticava esporte e lia muito. Fui muito feliz”.

Aos 29 anos, a sesimbrense Cármen Rita decidiu se mudar para Lausanne, a região francófona da Suíça. Era 2016. À sua espera tinha o namorado, também português da região de Coimbra, que lá morava e trabalhava. “Foi uma decisão de coração, mas não foi tomada por impulso. Eu e o meu namorado estávamos cansados de viver à distância, e depois de dois anos longe, decidi despedir-me do meu emprego numa consultora em Portugal e vim ter com ele”, conta Cármen, para quem o início foi duro. O casal partilhava casa com outra pessoa, ela não tinha emprego, e o namorado ainda estava contratado a termo (nada fixo) —por essa razão ninguém lhes queria alugar um imóvel. Entre outras dificuldades, Cármen relatou o quanto foi difícil se separar da família e dos amigos e a adaptação a um clima tão frio. O tempo foi fundamental para ela forjar um sentimento de pertença e fazer do país estranho o lugar a que passou a chamar de “casa”. Os desafios, diz ela, continuam. Recentemente, eles se mudaram para a parte alemã da Suíça, onde ela tem enfrentado mais dificuldades de comunicação por não falar alemão. Mesmo assim, estes quase oito anos fora de Portugal permitiram a ela aprender francês e a aperfeiçoar o inglês. Cármen teve sua filha na Suíça e trabalha como consultora na área de e-learning e formação de adultos: “Faço cursos para empresas que têm necessidades específicas de formação e sinto-me feliz porque consegui um emprego muito bem pago na minha área”.

Psicóloga há 20 anos e com pacientes migrantes, entre portugueses emigrados e imigrantes em Portugal, Alexandra Cordeiro afirma que quando se deixa seu país, sua família e sua rede de apoio psicológico, é necessário criar relações seguras. “Uns investem bastante nas relações interpessoais, fazendo amigos; outros investem mais no núcleo familiar que trouxeram consigo ou criado posteriormente no país de chegada, como cônjuges e filhos, focando-se muito nessa dinâmica e no trabalho”, explica. A psicóloga diz ainda que é preciso ter resiliência no início, porque o desenraizamento e a falta de uma rede psicológica quando se chega a um novo território assustam, mas afirma que o desconforto pode servir de catalisador para se criarem raízes através de novos vínculos: “O sentimento de pertença a um lugar, a presença física e as partilhas são os pilares do equilíbrio emocional”. Ela acrescenta que é muito importante desenvolver o autocuidado. Outra dica é visitar primeiro o país para onde se quer mudar: “Ajuda a perceber, a sentir empatia com o local e, se houver a emigração, a integração vai ser tranquila”. Ela também aconselha que seus pacientes mantenham contato regular com a família e os amigos que ficaram, o que pode evitar a ansiedade criada pela separação e a angústia da sensação de incapacidade em ajudar quando se está longe.

Apesar do desconforto, todos têm suas razões para emigrar. Pode ser por amor, pela busca de novas oportunidades profissionais, pelo chamado à aventura, pelo olhar de mundo sem fronteiras. Como consequências positivas da mudança, todos os entrevistados disseram que há o fortalecimento dos laços familiares e de amizade. É bom ter em mente que o impacto da imigração vai se disseminando com o tempo. Se de início tudo parece difícil — a saudade da família e dos amigos, dos costumes e da rede de apoio —, o tempo pode ser uma grata surpresa.

Roberta Pinheiro e seu marido, Roberto, depois do choque inicial e dos momentos conturbados da chegada a Portugal, reorganizaram as suas vidas. Roberta se dedica à psicoterapia, e o marido montou um restaurante de carnes uruguaias no Estoril. As filhas também estão bem adaptadas, embora a mais velha sinta mais saudade do Brasil que a mais nova, conta Roberta: “Emigrar implica muita organização, e nós nos organizamos por quatro anos, vendendo a empresa, pedindo o visto ainda no Brasil, criando uma poupança e nos informando de todo o processo que iríamos viver”. É importante quem está decidindo emigrar ter noção de que sempre vão existir desafios, diz Roberta, “porque se a gente acha que vai emigrar e lá naquele lugar vai ser feliz, vai ter mais possibilidades, eu ouso dizer que em qualquer lugar a gente tem possibilidades, mas junto com a possibilidade vem o desafio e onde há desafio há desconforto”.

Segundo Alexandra Cordeiro, a maioria dos imigrantes sente maior pertença ao país de chegada que o de partida depois de alguns anos, embora tudo dependa da qualidade das relações que desenvolvem: “Pertence-se mais onde se encontram as relações seguras, de respeito, acolhimento, partilha e aceitação”. Se pensarmos que a nossa estrutura de suporte é interna, qualquer lugar pode ser chamado de casa. Roberta explica bem a sensação: “O meu coração está dentro de mim, o meu grounding é interno, não está em nenhum lugar, o meu coração está onde eu estou, onde está o meu marido e as minhas filhas. Então, um lugar onde temos a chance de sermos como somos, sem rejeição nem julgamentos, um lugar onde possamos crescer e evoluir, é um lugar onde podemos ser felizes”. 

Para ser emigrante é preciso ser muito forte, pode-se ficar com a sensação de não pertença, mas sem dúvida são adquiridos novas experiências e sentidos de vida. No seu Livro do Desassossego, Fernando Pessoa já dizia: “Outrora eu era daqui, e hoje regresso estrangeiro; forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim. Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. Eu reinei no que nunca fui”.

Viver a emigração é ser estrangeiro para sempre. É estar num lugar e não se sentir pertencente. É não nos reconhecerem nem nos reconhecermos mais como iguais aos demais. É ter saudades constantemente do que se perdeu, sem querer abrir mão do que se conquistou. E quando se pede para dizer a que lugar se pertence, talvez ninguém saiba realmente. Passa-se a ser estrangeiro em todos os lugares, menos no coração que habita em nós!

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