Não há dados que respaldem que o aumento do número de imigrantes esteja associado ao crescimento da criminalidade em Portugal. Ainda assim, o partido de extrema direita Chega insiste na narrativa e, de fato, incluiu a mentira na convocação de um protesto que pretende realizar em breve.
Há uma semana, o Chega também passou a chantagear o governo exigindo um referendo sobre imigração em troca dos votos da sigla a favor do orçamento do Estado de 2025. A estratégia rasteira foi rebatida nesta quarta (28) pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa (saiba mais abaixo).
Fato é que o Chega, nas últimas eleições legislativas, mais que quadruplicou o número de deputados na Assembleia da República, embora tenha amargado um resultado fraco nas eleições para o Parlamento Europeu. Com isso, ganhou relevância e peso de votos no Parlamento, que é composto por 230 deputados.
Recentemente, o partido que ostenta agora cinquenta deputados (antes eram doze) divulgou em redes sociais que fará uma manifestação "contra a imigração descontrolada e contra a insegurança nas ruas".
A legenda falsamente sugere que um fato seria consequência do outro, o que já foi e continua a ser desmentido por vários veículos de comunicação.
Os números do Observatório das Migrações demonstram que, na verdade, imigração e criminalidade vão em sentidos opostos em Portugal.
Isso se traduz, por exemplo, pelo número de presos no país. Em dez anos, a imigração quase dobrou, ao mesmo tempo em que a quantidade de estrangeiros reclusos nas penitenciárias portuguesas reduziu em 27%.
O atual governo, encabeçado por Luís Montenegro, também já rebateu a falsa associação entre imigrantes e aumento da criminalidade. Em 3 de junho, ao lançar o pacote de medidas para as migrações, o primeiro-ministro rejeitou a estigmatização de estrangeiros que vivem no país.
“Não há nenhuma relação direta entre imigração e aumento de índices de criminalidade. Não vale a pena estigmatizar essas comunidades à boleia de episódios que são casuísticos. Há, naturalmente, pessoas que cometem crimes, umas são portuguesas e outras são estrangeiras”, afirmou Montenegro.
A estratégia do Chega de testar a adesão e gerar barulho sobre o tema se assemelha à de grupos de extrema direita sem representação no Parlamento, como é o caso dos assumidamente neonazistas do 1143.
No início do ano, em 3 de fevereiro, extremistas protagonizaram uma marcha xenofóbica por Lisboa em que símbolos nazistas eram abertamente exibidos e exaltados por participantes da manifestação.
Marcelo rebate tentativa de chantagem do Chega
A tentativa do Chega de chantagear o governo foi rebatida pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Embora seja o representante do Estado português —Luís Montenegro, o primeiro-ministro, tem a caneta do governo—, Marcelo se posicionou ao marcar diferenças entre a realidade da imigração e as narrativas que se constroem sobre a presença de estrangeiros que vivem em Portugal.
O presidente respondeu a uma pergunta de um aluno do curso de verão do partido PSD (mesmo partido de Marcelo) sobre a exigência do Chega de um referendo sobre imigração em troca de votos favoráveis ao orçamento do Estado.
“É fundamental, ao falar-se de imigração, numa pátria como a nossa, que foi sempre de emigração, saber do que estamos a falar”, escreveu Marcelo em resposta ao estudante no evento em Castelo de Vide, Portalegre.
O posicionamento foi publicado no jornal da Universidade de Verão do partido. Na resposta, Marcelo também aproveitou para detalhar os números sobre a imigração em Portugal e concluir que os dados marcam a "diferença entre a realidade e discursos ou narrativas sobre ela".
A proposta do Chega em tom de chantagem sugere que se faça uma consulta à população para saber se deveria ser estabelecido um limite anual de imigrantes no país, definido previamente por lei, e que esse limite possa ser revisto periodicamente.
O estudante, além de perguntar a opinião de Marcelo sobre o tema, também quis saber do presidente se a proposta do Chega era constitucional.
Marcelo recuperou dados mostrando que os imigrantes são 10% a população e que a maioria compartilha credos e costumes com os portugueses, desmistificando os alardes feitos por cheguistas e demais extremistas.