Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o trapper brasileiro Oruam, de 23 anos, expôs no próprio perfil no Instagram uma abordagem de militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), uma das corporações responsáveis pela segurança pública em Portugal, no fim da tarde de sexta (29).
Durante a abordagem e sem explicar o porquê, um dos militares comunica que Oruam e um grupo de amigos deveriam acompanhar os policiais. A conduta fere regra prevista no Código Deontológico do Serviço Policial, manual de conduta dos militares da corporação que estabelece, por exemplo, a necessidade de os agentes agirem com transparência.
Oruam se apresentou no festival New Gang na quinta (28). No dia seguinte, publicou vídeos e textos contando como os guardas o interpelaram enquanto ele e um grupo de amigos faziam compras no Freeport Lisboa Fashion Outlet, em Alcochete. Nas imagens, é possível ver que ao menos três militares seguiram o grupo.
"Fui comprar aqui no shop[ping] de Portugal, os polícia falou que nós tinha (sic) que acompanhar ele. Parei o shop", escreveu o trapper no Instagram.
Em determinado momento, Oruam é gravado por um dos amigos perguntando a um dos policiais por que ele e o grupo teriam que acompanhá-los. Ao responder "já te explico", o agente confirma ter havido uma ordem anterior para que o trapper e o grupo os seguissem a algum local.
"E se nós não quiser (sic) ir?", perguntou Oruam. O policial responde que "tem que ir", acrescentando: "ou vai ao bem ou vai ao mal". Oruam responde perguntando o que o grupo teria feito para ser conduzido a algum local —que o policial não diz qual é.
O Código Deontológico do Serviço Policial, a que os guardas da GNR estão subordinados, estabelece no número três do Artigo Sétimo que membros das forças de segurança devem exercer as atividades segundo alguns critérios. Entre eles, o de agir com transparência.
A BRASIL JÁ perguntou à Guarda Nacional Republicana se, no entendimento da corporação, os agentes cumpriram esta e outras regras do código durante a abordagem (saiba mais abaixo).
Na sequência da discussão, Oruam pegou o telefone de um dos amigos que estava filmando e começou a gravar o agente com quem bateu-boca. "Você vai parar de filmar acá", afirma o guarda.
Ao comentar o caso em outra gravação, Oruam disse que continuou a fazer as compras. "Depois daquilo ali, nós saiu (sic). Os caras de Portugal mesmo, pô, veio defendendo nós. Sabiam que eles estavam de inveja. Sabe como é que é né, tropa? Estamos acostumados com o Rio de Janeiro", disse o artista.
Perguntas feitas à GNR e resposta
Às 16h32 de sábado (30), a BRASIL JÁ enviou um email com perguntas sobre o caso à Guarda Nacional Republicana. O pedido foi reforçado na manhã de segunda (1º), por telefone. Foi perguntado se houve alguma denúncia contra o grupo do qual fazia parte o trapper Oruam que motivasse a condução dos jovens a um outro local.
A GNR enviou uma resposta nesta quarta (3) informando que houve o registro de uma denúncia sobre a "presença de um grupo de quinze indivíduos que estava no interior de uma loja na superfície comercial Freeport Fashion Outlet, alegando que os mesmos podiam estar na posse de estupefacientes".
O texto também afirma que militares da GNR foram o local e "entraram em contato com os suspeitos", e na sequência os agentes encaminharam o grupo para fora da loja. "Por questões de segurança, não foi possível abordar os suspeitos. Os fatos foram comunicados ao Ministério Público por estar em causa o crime de gravação ilícita", escreveu a GNR.
A corporação não respondeu às seguintes dúvidas sobre a conduta do policiais:
Sobre o Código Deontológico do Serviço Policial, ao qual estão subordinados os agentes, foi perguntado se a GNR entende que os guardas cumpriram com o estabelecido no Artigo Quinto do código, que trata de isenção e imparcialidade na atuação dos agentes.
Também se perguntou sobre cumprimento do número três do Artigo Sétimo do mesmo código, que prevê que "os membros das Forças de Segurança exercem a sua atividade segundo critérios de justiça, objetividade, transparência e rigor".
A BRASIL JÁ também perguntou se não faltou observância do agente que participou da discussão ao menos do princípio de transparência, já que, segundo as imagens disponíveis, não foi informado pelo guarda sob que justificativa Oruam e o grupo deveriam acompanhá-lo.
Quem é Oruam?
Oruam é um trapper brasileiro que tem ganhado cada vez mais notoriedade no cenário musical. O portal G1 afirma que o artista é um dos mais promissores do rap no Brasil, atualmente. Mesmo sem nenhum disco lançado, o jovem tem mais de dez milhões de ouvintes mensais no Spotify, plataforma de música por streaming.
O rap de Oruam tem influências do funk e do R&B. As canções tratam de ostentação, sexo e mencionam também o pai do artista, Márcio dos Santos Nepomuceno, conhecido como Marcinho VP.
Marcinho VP é apontado pela polícia e Ministério Público do Rio de Janeiro como um dos chefes da facção criminosa Comando Vermelho e está preso desde 1996, quando tinha vinte anos. Marcinho VP vive mais tempo atrás das grades do que solto, e Oruam só teve contato com o pai dentro da cadeia.
No festival Lollapalooza, em março deste ano, Oruam fez um protesto no palco ao usar uma camisa com a foto do pai e pedindo liberdade.
"Meu pai errou, mas está pagando pelos seus erros e com sobra. Só queria que pudesse cumprir uma pena digna e saísse de cabeça erguida", escreveu Oruam em publicação no Instagram após se apresentar no festival.
Apesar da relação entre e pai e filho só existir através das grades, o Jornal de Notícias, veículo de comunicação em Portugal, noticiou a discussão entre Oruam e o guarda da GNR ressaltando o fato de o trapper ser filho de Marcinho VP.
"Filho de líder do Comando Vermelho desafia GNR à saída de loja", consta em título da matéria. A BRASIL JÁ solicitou por email um posicionamento do Jornal de Notícias a respeito da escolha editorial.
O pedido foi enviado às 15h06 desta segunda (1º), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação do veículo.