Enquanto o presidente Emmanuel Macron corria na orla de Ipanema cercado por seguranças e rasgava elogios à hospitalidade brasileira na cúpula do G20, no Rio de Janeiro, agricultores e pecuaristas franceses protestavam contra o fechamento de um acordo entre o Mercosul e a União Europeia.
A preocupação da França com um possível pacto entre os blocos econômicos é de caráter protecionista pois os produtores do país temem ser engolidos pelas, mais potentes, companhias dos Estados que formam o Mercosul: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
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Na busca por desculpas para não aprovar o acordo entre os blocos, o que a França de Macron tem feito é tentar descredibilizar os produtos provenientes do Mercosul. E mais grave. A campanha para barrar a produção sul-americana se alastra pelo empresariado francês.
Isso ficou evidente em recente declaração do CEO da rede de supermercados Carrefour, Alexandre Bompard, que afirmou que a multinacional varejista não mais comercializará na França produtos de origem do Mercosul.
A mensagem desastrosa, publicada em rede social, abriu o que beira uma crise diplomática com o Brasil. O último movimento do governo brasileiro foi exigir uma retratação formal do Carrefour e, antes disso, produtores do país resolveram boicotar a rede de supermercados não mais vendendo para a varejista.
Nesta segunda (25), unidades do Carrefour já registravam escassez de carne e, portanto, prejuízo para a rede. O grupo Carrefour no Brasil tentou colocar panos quentes. Em comunicado, informou a representação em solo brasileiro que o anúncio do CEO vale apenas para as lojas da rede na França.
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"Em nenhum momento ela [a medida anunciada pelo CEO] se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise", diz o comunicado do grupo de cinco dias atrás.
A companhia acrescentou que, nas demais lojas, a multinacional seguirá comprando produtos do Mercosul. No entanto, o estrago já fora feito e a campanha de desinformação francesa sobre os produtos do Mercosul tem ricocheteado.
“O movimento de prestigiar os produtores franceses é legítimo. O problema é quando ele [o CEO do Carrefour] fala em não cumprimento de regras sanitárias. Aí, não aceitamos. Eles [os franceses] compram a carne brasileira há quarenta anos”, afirmou o ministro da Agricultura do Brasil, Carlos Fávaro, ao G1.
Fávaro se referiu a trecho da mensagem de Bompard criticando uma possível "inundação do mercado francês com carne que não atende às exigências e normas". Entretanto, como lembrou o ministro, a produção brasileira segue normas rígidas, seja para o mercado interno ou externo.
Outro exemplo da cruzada de empresários franceses contra o acordo ocorreu em outubro. Um diretor da Danone, que é uma empresa francesa, declarou que a companhia não compraria mais soja do Brasil por questões de sustentabilidade. O veto foi na sequência desmentido pela multinacional.
Para Fávaro, ambos ataques sinalizam uma ação orquestrada contra o agronegócio brasileiro, que é um dos mais competitivos do planeta.
"[...] O Brasil não se nega a discutir sustentabilidade com ninguém em nenhum lugar do mundo. É um governo, um país, que tem compromisso com respeito ao meio ambiente, com a rastreabilidade, com a boa sanidade, com todos os princípios desse tipo. Agora, de forma alguma, ser atacado na nossa soberania, isso é irretocável", disse o ministro durante evento na Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados, no último dia 21.
O acordo Mercosul-UE e a crise na França
Um possível pacto entre os blocos econômicos envolve uma negociação que já dura mais de duas décadas e que, se concretizada, criará a maior área de livre comércio do mundo. No entanto, produtores franceses temem ser engolidos pelas companhias sul-americanas, em especial as brasileiras.
Com isso, sindicatos ligados ao setor agrícola franceses, desde o dia 19 deste mês, intensificaram as manifestações contra o acordo, chegando a bloquear eixos estratégicos, como a autoestrada na fronteira franco-espanhola que atravessa a Catalunha (Espanha), e vários centros logísticos.
A França de Macron lidera o boicote contra a assinatura do pacto, que diretamente mina os interesses de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. "É uma questão de sobrevivência", afirmou a presidente da Coordenação Rural francesa, Véronique Le Floc'h, em entrevista ao canal BFMTV.
Um outro dirigente do mesmo sindicato chegou a de dizer que a organização estava disposta a "deixar com fome" a cidade de Toulouse, na França, se referindo aos bloqueios dos centros logísticos.
Desde então, tem havido comícios de franceses em frente a edifícios públicos como câmaras municipais. Foram mais de oitenta ações orquestradas para tentar barrar o acordo de livre comércio, e que tem dado certo pois o mesmo governo Macron se diz contra o pacto que beneficiaria o Brasil.
A porta-voz do governo, Maud Bregeon, afirmou no último dia 19 que a França continuará a "manter um impasse enquanto for necessário" com a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, contra o tratado.
Questionada pelo canal francês TF1, Bregeon acrescentou que, "a nível pessoal", deseja que "possa haver um debate na Assembleia Nacional seguido de votação", para "reforçar a posição que é a do presidente e a do primeiro-ministro".
Na opinião de Bregeon, o acordo com os países do Mercosul, defendido por vários grandes países da União Europeia, como a Alemanha ou a Espanha, "constitui uma concorrência desleal porque não é ecologicamente coerente e, em particular, no que diz respeito ao Acordo de Paris". Uma falácia.
Mesmo do Brasil, Macron afirmou na época do G20 que pretende continuar a se opor ao acordo Mercosul-UE como tem feito desde o início. Macron disse que a França não está isolada na oposição ao tratado, mas na realidade o país tem trabalhado nos bastidores para conseguir mais apoios para vetar o pacto.
UE determinada a assinar
Apesar da oposição da classe política e dos setores agrícolas franceses, a União Europeia parece determinada a assinar o acordo até o final do ano, o que permitiria que os países negociadores latino-americanos aumentassem suas cotas de carne bovina, de aves e de suínos que entram no bloco.
Vários governos europeus, incluindo os da Espanha e da Alemanha, são a favor do acordo, que abriria as portas para o aumento das exportações de carros, máquinas e produtos farmacêuticos da União Europeia.
Os agricultores franceses falam emconcorrência desleal argumentando —sem fundamento— que a produção dos alimentos no bloco sul-americano não está sujeita às mesmas exigências ambientais e sociais.
Com informações do G1, Lusa e Agência Brasil