Durante as agendas com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o homólogo francês, Emmanuel Macron, não tocou no tema acordo Mercosul-União Europeia, assunto espinhoso para o europeu.
Entretanto, nesta quinta (27), ainda durante visita a oficial ao Brasil —e sem Lula do lado—, Macron fez críticas ao pacto dizendo ser "muito ruim".
Coube então ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no mesmo evento em que Macron falou a empresários em São Paulo, rebater o francês em favor do acordo de livre comércio entre os dois blocos econômicos
"Perdemos uma oportunidade no final do ano passado, mas não devemos desistir deste acordo. Se foi possível aprovar uma reforma tributária depois de quarenta anos, por que não depois de vinte aprovar um bom acordo para a União Europeia e para o Mercosul", disse Haddad.
O ministro lembrou que Lula investiu muito tempo, durante o ano passado, em políticas que aproximassem os dois blocos econômicos. Sobre o acordo Mercosul-UE, particularmente, a França com Macron tem bloqueado a proposta com argumentos que até a mais recente fala de Macron eram sem pé nem cabeça.
Por exemplo, Macron dizia que o Brasil não respeitava os limites de emissão de carbono, sugerindo que isso deixava os agricultores franceses mais vulneráveis em matéria de competitividade. Não é verdade. Outro argumento mais absurdo supunha que a indústria brasileira do campo não respeitava regras sanitárias.
Mas o discurso de Macron mudou. Ao se dirigir a empresários brasileiros na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), nesta quinta, o presidente francês novamente criticou o acordo Mercosul-UE, mas desta vez sugeriu que fosse feito um novo pacto.
"Vamos forjar um novo acordo à luz dos nossos objetivos e da realidade. Um acordo comercial que seja responsável pelo desenvolvimento, pelo clima e pela biodiversidade", propôs Macron.
Mais interessante, contudo, foi o trecho da fala em que Macron admite que competir com o Brasil seria inviável pelo "modelo baixíssima emissão de carbono" do país.
"Eu acredito que precisamos repensar nossas regras de comércio sobre a perspectiva dessa vantagem. É por isso que fui muito crítico ao dizer que o acordo negociado hoje, com o Mercosul, é muito ruim para nós e para vocês", disse o presidente.
Pressão de agricultores
Foram duas décadas de negociações que, em tese, culminariam no acordo. Entretanto, a resistência da França ao pacto impediu que se firmasse o pacto. Um dos motivos para Macron se opor à proposta é a fragilização interna na França, com um crescimento da extrema direita.
CONTEXTO: O que está por trás dos protestos dos agricultores
Em fevereiro, Macron sofreu pressão sobretudo dos agricultores, que, para garantir competitividade externa, historicamente são beneficiados por fortes subsídios do Estado. A ação da França para favorecer seu agronegócio foi alvo de muitos contenciosos, alguns não resolvidos ainda, na Organização Mundial de Comércio.
Em dezembro, durante a conferência do clima em Dubai, o presidente francês classificou a pegada ambiental dos produtores do Mercosul como "repugnante". A desagradou lideranças do setor, especialmente no Brasil, e o próprio governo brasileiro.
Em jogo o campo
As reivindicações dos agricultores europeus que saíram em manifestações não só na França, mas também em outros países, envolvem questões internas, que, por nunca terem sido pacificadas, contaminam questões externas, como é o caso do acordo de livre comércio entre Mercosul e Europa.
Nas questões internas há o ressentimento de terem sido "forçados" a focar a sua produção em algumas culturas agrícolas "mais vocacionadas" por seus países. Portugal, por exemplo, na produção de cortiça, azeitonas e uva.
A ação, nunca compreendida plenamente pelo agro, serve justamente para, no conjunto europeu, garantir competitividade internacional. A produção em pequena escala na Europa não dá conta da concorrência, sempre em grande escala, do países continentais, como Estados Unidos e Brasil, por exemplo.
A ideia que os Estados da União Europeia tiveram para melhorar o humor de seus agricultores e de lhes aumentar competitividade foi irrigá-los com subsídios. Nos últimos meses, o agro quis mais diante da possibilidade de um acordo de livre comércio entre Mercosul e UE.