Bemvindo Sequeira. Crédito: João Carvalho

Bemvindo Sequeira. Crédito: João Carvalho

Bemvindo Sequeira se reiventa e afirma: 'Hoje, eu não dependo de teatro nem de televisão'

Sem papas na língua, ator disse à BRASIL JÁ ser exilado político e que Elon Musk faz parte de uma conspiração internacional

19/07/2024 às 14:27 | 8 min de leitura
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O último trabalho de Bemvindo Sequeira na tevê foi no Brasil, em 2019. O ator interpretou Canarinho, na novela “Topíssima”, da TV Record. 

Em Portugal o público conferiu a trama, em reprise, na RTP, a tevê pública portuguesa. Com cenas de ação, humor e romance, a história também abordou um tema atual: o empoderamento feminino.

Logo após o fim da novela, o ator de 76 anos, optou por se mudar para Portugal. Bemvindo chegou ao país com sua esposa Crisálida Viegas, que morreu há dois anos e meio, vítima de covid. 

Por aqui, o ator se reinventou artisticamente e na vida pessoal mudou os hábitos para enfrentar a viuvez de uma maneira menos solitária. 

Com mais de 900 mil seguidores nas redes sociais, o ator acredita que sua fé não o fez desistir dos desafios que enfrentou na vida. 

Conversamos com o eterno Bafo de Bode, personagem lendário da novela “Tieta”, da TV Globo. Pelas ruas de Braga, onde vive, o ator é reconhecido sempre. 

Falamos sobre imigração, comida brasileira (e portuguesa), política, cultura e fé com esse mineiro, criado no Rio, cidadão baiano e um “quase” português. 

Bemvindo Sequeira no palco. Crédito: Reprodução, Instagram

Bemvindo Sequeira nos concedeu entrevista numa tarde, vinda de uma noite mal dormida, por insônia. 

“Eu sou viciado em Rivotril há trinta anos e a médica está tirando o Rivotril e trocando por melatonina. Eu não dormi quase nada. Melatonina para mim é bobagem”, ele disse, sempre com muito bom humor. 

“Eu me reinventei com a internet de uns anos para cá. Nem eu esperava. E o segredo dessa reinvenção? Eu acho que é meu orixá.”

BRASIL JÁ: O que o Bemvindo tem feito aqui por Portugal?

Companheiro, eu não tenho feito nada. Eu tenho o meu canal no YouTube que tem quase meio milhão de seguidores. Contando com Instagram e Facebook, a gente tem um milhão de seguidores. Mas em termos de teatro, televisão, Portugal é muito fraco. Muito fraco. Não tem mercado suficiente. 

É uma dificuldade, e a reserva de mercado para os portugueses é muito grande. Farinha pouca meu pirão primeiro, entendeu? O mercado é menor. Você faz uma peça, fica duas semanas em cartaz em Lisboa, um final de semana no Porto, um dia em Braga, um dia em Aveiro, um dia em Óbidos, depois corre por dez cidades portuguesas, e acabou.

A internet, então, foi uma reinvenção.

Uma reinvenção. Eu realmente me reinventei com a internet de uns anos para cá. Abri o canal, o canal de política, o canal de humor, o canal de arte. Agora o canal também afro-brasileiro, espiritualizado. Uma reinvenção constante. Eu nem esperava essa reinvenção. Hoje, eu não dependo de teatro nem de televisão para viver. 

Já não dependia porque tinha minha aposentadoria e tinha vindo morar em Portugal. Mas eu digo a você que foi, sim, uma reinvenção. Estou sempre me reinventando. Dentro do meu canal, nós vamos abrir um quadro chamado Bemvindo em Portugal, que é destinado aos imigrantes brasileiros que estão no país.

Cada semana a gente vai escolher uma cidade portuguesa, conversa com os imigrantes brasileiros de lá, de todas as camadas so- ciais, como eles vivem, como eles estão se enxergando na imigração, enquanto a gente mostra a cidade. É um quadro novo que deve entrar, no máximo daqui a um mês, dentro do meu canal.

De onde vem este espírito de renovação, mudança?

Eu acho que é o meu orixá. Eu sou de Logun Edé, que tem a pele que quer.Quando pensam que ele morreu, ele está vivo de volta. Quando pensam que ele veio com os ca- jus, ele já vem com as castanhas prontas. É Logun Edé. E acho que é do meu caráter mercurial. Eu sou de Leão. Sou de um tipo de Oxóssi. 

Eu acho que é isso, a reinvenção. Tenho espírito de curiosidade, de aventura, de não me entregar nunca, de não ser derrotado. Assim eu passei pela ditadura. Assim eu passei pelas grandes perdas da minha vida. E me reinvento sempre.

Já falamos de fé: o que é fé para você?

A fé é aquilo que a Bíblia define: é a certe-za de coisas que não se veem. E o fato de a gente esperar coisas que vão acontecer e seriam impossíveis. Isso é a fé. Por exemplo, eu sou militante do Partido Comunista há 61 anos. Se não fosse a fé, eu já tinha largado essa porra há muito tempo. 

Porque foi a fé no socialismo, fé na utopia, no bem-estar social que me manteve na luta durante 61 anos. A fé é isso. “Ah, você é comunista por ideologia, você é socialista por ideologia.” Não, por fé. Eu acredito que o socialismo é o melhor para o povo e é o melhor que virá. Então é questão de fé. Fé no povo e de que é possível mudar o mundo, de que é possível mudar a sociedade.

Falando em mudar a sociedade, você tem trabalhado nisso, não?

Nós temos aqui, em Portugal, um trabalho chamado Grupo de Trabalho de Apoio a Imigrantes. É um grupo de WhatsApp, com uns 300 membros, mais ou menos, que reúne os brasileiros de esquerda. 

Fizemos manifestações das mais variadas em praças públicas, defendendo a candidatura de Lula e trabalhamos defendendo os imigrantes. 

Mas só o grupo de WhatsApp é pouco, então nós estamos criando um instituto, que resolveram batizar com o nome de Instituto Bemvindo, por considerarem que eu sou o ícone da imigração brasileira. Eu não sou imigrante, eu sou um exilado político, é di- ferente. Eu fugi pra cá não para buscar uma vida melhor, não pra buscar uma chance de emprego, fugi por causa do [ex-presidente Jair] Bolsonaro, que ameaçava me matar. 

Eu sou exilado político, mas não me impedem de trabalhar com os imigrantes. Então, estamos criando essa fundação, que honrosamente levará meu nome, e em que já participo de várias atividades.

O instituto tem uma sede?

Nós estamos buscando uma sede para que tenha atendimento presencial também. O estatuto está pronto, a diretoria está pronta, a hora que tiver a sede a gente pode registrar em cartório. E aí passa a atuar institucionalmente.

Onde será a sede e a principal atuação do Instituto?

Será em Braga. O Instituto não é assistencialista. Ele não daará comida, roupa, emprego, nem carta de cidadão para o imigrante. O objetivo do instituto será defender o imigrante contra a xenofobia, contra o racismo, estar posicionado publicamente. 

Será defender, procurar advogado se precisar, oferecer assistência jurídica, e fazer inserções na instituição portuguesa, no Parlamento, na constitui- ção com projetos de lei, com mudanças na lei portuguesa que facilite a imigração, as questões burocráticas.

Você se considera um exilado político?

Por causa da eleição do fascista [referindo-se a Jair Bolsonaro]. Eu enfrentei 21 anos de ditadura na juventude. Na velhice, eu não estava lá para tomar tapa na cara de policial, tapa na cara de sargento de exército, tapa na cara de fascista. Quando começaram as ameaças de morte e a violência no Brasil, eu falei para a minha mulher, vamos embora, vamos procurar um lugar melhor, vamos para um lugar mais democrático, porque isso aqui agora vai ladeira abaixo. 

O Lula estava na cadeia, era uma situação toda muito difícil, não tinha perspectiva, como agora, com a gente ainda sob ameaça do fascismo, com essa manifestação do Elon Musk, que resolveu se imiscuir nos assuntos brasileiros, só porque é rico, bilionário, só porque tem uma rede social [o X, o ex-Twitter]. 

Tudo isso é uma ameaça. O Elon Musk faz parte de uma conspiração internacional contra o Brasil, contra a democracia. Então, eu não podia ficar mais no Brasil, não tinha clima, não tinha segurança.

Você foi ameaçado?

Sim. Várias ameaças. Eu não fiquei para ver se era gracinha ou se era verdade. Estou velho demais para ficar esperando se confirmar ou não a brincadeira das pessoas. Mataram o Marielle Franco, saem matando petistas, saem matando socialistas. Não estou aqui para experimentar isso na minha idade.

Houve também casos de violência no Rio de Janeiro, onde você morava, não?

Isso também foi um dos motivos que me trouxeram para cá. Cinco vezes assaltado com arma na cabeça, no peito. Não tinha segurança. A mulher saía para fazer super- mercado, e eu ficava sem saber se ela estava bem, se ia voltar, se não ia voltar. 

O ator no Rio de Janeiro. Crédito: Divulgação, Instagram

Qualquer motoqueiro que encostasse do lado do meu carro, eu já entrava em pânico. Eu tenho 76 anos e de fato não dava para viver desse jeito.

Aqui em Portugal, você sempre se sentiu pertencente?

Eu tenho muito amor por Portugal. Meus avós eram portugueses, meus tios. Fui criado num ambiente português. Eu tenho a vantagem —independentemente da falta de modéstia, mas é a verdade— de ser famoso. Sou ator da novela no Brasil, todos me conhecem em Portugal. 

Então me tratam com muito carinho, sou bem recebido. Eu não sou jovem, não estou disputando o mercado de trabalho deles. Eu trago dinheiro para Portugal porque eu vivo com as minhas próprias rendas do Brasil. Então não sofro nenhum tipo de xenofobia. 

Além do mais, eu procuro ser o mais educado, polido e cordial com os portugueses. Mas, sim, há, em Portugal, no Brasil, gente que bota na cabeça que não de gringo, que não gosto de brasileiro. A xenofobia que os portugueses enfrentaram no Brasil no século 20 foi muita. A xenofobia existe. É uma deformação da sociedade, dos indivíduos e não é uma coisa exclusiva de Portugal nem do Brasil. Existe em todos os países. 

E a gente tem que lutar contra isso. Como tem várias outras lutas políticas pela diversidade, uma delas é contra a xenofobia. Além do racismo, por exemplo, há a intolerância religiosa, do eurocentrismo, da compreensão de que todo o nosso pensamento tem que ser da Europa. A Europa é um museu velho que acabou há muito tempo. 

Perdeu o protagonismo internacional. O que o presidente da França fala hoje é quase igual ao que o presidente do Senegal fala. Entra por um ouvido e sai pelo outro. O seu protagonismo da Europa fica à reboque da Otan, do capital americano e das ordens dos Estados Unidos, isolada no mundo. Aí, o sul global se contrapõe ao norte global. E é imprensado entre Oriente e o Ocidente.

Você já tinha sido imigrante antes?

Eu tive essa experiência com Salvador. Eu saí do Rio de Janeiro, fugido da luta armada, e fui me esconder em Salvador. Levei cinco anos para virar baiano. Hoje sou cidadão baiano, com muito gosto e muito amor.

Nasceu em Minas Gerais, viveu no Rio de Janeiro, foi para Salvador, hoje está em Portugal. É um cidadão do mundo.

Cidadão do mundo, exatamente. E agora comecei a pedir o meu processo de nacionalidade. Então, nasci em Minas, criado no Rio, cidadão baiano, cidadão português. É o mundo, meu Deus do céu.

Como foi sua chegada ao país, sua adaptação a Braga?

Nós temos família em Vila Real. Tenho primos que nos estenderam as mãos e nos receberam com muito carinho. Nós fomos para a quinta deles, eu e minha mulher. Ficamos por lá enquanto conhecíamos algumas cidades. E viemos visitar Braga, gostamos e falamos: “vamos morar aqui”. 

Em dez minutos tínhamos um apartamento alugado. Um senhor muito simpático, o proprietário nos entregou as chaves sem o contrato. Coisa que a gente ainda encontra em alguns lugares de Portugal. Resquícios nossos, antigos, dos nossos avós. E eu me adaptei bem porque vim com a minha mulher. Então um apoiava o outro na distância da pátria. Eu sofria muito com tédio. A Europa é muito tediosa. Não acontece nada. 

O silêncio absoluto depois das dez da noite. Os bares fecham, os restaurantes fecham. Não em Lisboa, claro, que é a capital. Eu moro na rua principal de Braga. Não passa mais ninguém na rua. Um deserto. Eu dizia para minha mulher: é uma cidade cenográfica.

E nessa tranquilidade, solidão, como foi o luto após a morte da sua mulher? 

Depois da morte da minha mulher, eu tive que fazer terapia para enfrentar a viúves. E uma das condições da terapia foi socializar. Então, eu ampliei meu leque de amizade. Ia ao cinema sozinho. E aí me adequei melhor. Hoje eu me sinto bem pertencente à sociedade portuguesa. Me sinto pertencendo a Portugal. 

Que, aliás, é um tempo que um imigrante leva pra se transformar. O primeiro ano é a quebra de todas as fantasias. O segundo ano é o inferno. O terceiro ano é a depressão. No quarto ano, você começa a fazer amigos. E no quinto, você vira natural da terra, quando começa a defender o país ou a cidade onde está. Eu estou chegando no quinto, em setembro.

Tão integrado a Portugal, você sente falta da comida do Brasil?

[Muitos risos] Feijoada, acarajé, moqueca, ensopado de carne moída, espaguete com creme de leite. A influência brasileira em Portugal hoje é tão grande, que os grandes supermercados ou mesmos pequenos, tem azeite de dendê, tem leite de coco, tem camarão seco, tem tudo que você quer. Só não tem jiló, a única coisa que não tem em Portugal ainda é jiló, não existe.

Então é jiló que sente falta.

Não, porque eu não como. Mas sinto falta da mandioca, uma mandioca maravilhosa, feita na África. O aipim que você cozinha e ele dissolve de tão bom. Eu não sinto mais falta de nada e, depois que eu aprendi a culinária brasileira em Portugal, eu estou bem. Mas uma coisa eu digo: o nosso bolinho de bacalhau é melhor do que o deles e ainda e é quente. 

Os portugueses servem frio e a gente serve quente, com mais batata, com mais azeite. É questão de costume. Agora, os doces portugueses são inigualáveis. Ótimos. Claro que não tem doce de goiaba, não tem goiabada, doce de jaca. Mas isso a gente vai na loja do chinês e compra e mata a saudade.

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