25/01/2024 às 17:18
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A temperatura batia 13 graus quando encontrei Bruno Gonçalves num café da milenar cidade de Braga. O céu escuro, nuvens pesadas, folhas molhadas no chão e o vento cortante indicavam uma manhã comum do outono úmido do Norte do país e, no fim, ornava com o momento em que ocorria a conversa: um dia de- pois de o primeiro-ministro Antônio Costa anunciar a sua demissão.
“Com este tempo, Braga é sempre difícil”, disse ele ao chegar. Naquele dia de novembro, ainda não sabíamos que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa convocaria o país às urnas no próximo mês de março. BRASIL JÁ planejava, por coincidência, publicar, desde a edição inaugural, uma série de perfis de jovens e promissores políticos, alguns com mandato e outros com atividades no movimento social.
Depois de oito anos como primeiro-ministro—e, diziam pesquisas de opinião, bem cotado entre os portugueses —, ninguém esperava a saída de Costa por suspeitas de corrupção. A Operação Influencer realizada pelo Ministério Público na residência oficial do chefe de governo para apreender documentos de seu principal assessor, só parecia ser mais um movimento na dança em que o primeiro-ministro e Marcelo, como é chamado o presidente em Portugal, travam desde o começo do governo de maioria, no início de 2022.
De um lado, o presidente, que é do rival PSD, reclamava e ameaçava demitir o governo; do outro, Antônio Costa fingia não ser com ele. Neste caso, muito rapidamente, ficou evidente que a dança atravessara. Um comunicado da Procuradoria-Geral da República apontava o próprio primeiro-ministro como um eventual investigado.
A demissão ocorreu em questão de horas. O jovem Bruno Gonçalves, membro do Partido Socialista (PS), assim como seus pares, viu-se surpreso com a renúncia do principal líder da agremiação.
Aos 26 anos, Gonçalves é mestre em engenharia mecânica pela Universidade do Minho e analista de tecnologias da informação. É também uma promessa dentro do PS, onde milita há mais de uma década.
Quando o perguntei sobre o motivo de ter começado tão miúdo na vida política e partidária, ele me respondeu com brilho nos olhos e entusiasmo — talvez, o mesmo de quando começou, com 16 anos. Disse-me que entendeu que os partidos políticos “seriam o melhor instrumento” para “transformar o mundo” e que se via como alguém que “que contribui com uma política mais humanitária, mais solidária, que não deixa ninguém para trás”.
Fora do PS, o jovem político está no segundo mandato como secretário-geral da União Internacional de Juventudes Socialistas e é vice-presidente da Internacional Socialista, um agrupamento de partidos socialistas e trabalhistas espalhados pelo mundo, fundado em 1951, que conta com a filiação de 136 organizações em mais de cem países.
No Brasil, embora a extrema-direita tenha criado memes vinculando o hino da organização à imagem do vice-presidente Geraldo Alckmin, historicamente ligado à centro-direita, após sua filiação ao PSB, apenas o PDT integra a Internacional Socialista.
Por conta de sua função, Bruno Gonçalves passa seus dias entre Portugal e Viena, na Áustria, onde se encontra um dos escritórios da Internacional.
O Café Vianna, escolhido pelo jovem socialista para o encontro, foi inaugurado em 1858. Uma placa no local dizia orgulhosamente que o estabelecimento era o reduto de políticos, artistas e escritores.
Naquele mesmo espaço estivera Eça de Queiroz e, em muitos momentos, me vi pensando se a mesa onde nos instalamos para a entrevista fora a mesma que, em alguma de suas passagens pelo local, quase dois séculos (!) antes, também se assentara o autor de “Primo Basílio” e “Os Maias”.
Com um metro e oitenta de altura e um corpo entre o atlético e o magro, cabelos ondulados e óculos ao estilo Harry Potter, Bruno chegou segurando um guarda-chuva — o que só aumentava a sensação de que eu poderia ter sido levado ao universo de Hogwarts.
Ele vestia terno, camisa social justa branca, suéter preto de zíper e sapatos sociais. Para um repórter que se acostumou a tomar café com socialistas pelo Brasil, o traje me fez lembrar dos encontros que tive com os engomados integrantes da direita brasileira. Mas nada. É só um típico europeu elegante.
No momento da nossa conversa, Bruno Gonçalves tinha uma visão despreocupada sobre a possibilidade de crescimento da extrema-direita em Portugal. Dizia não acreditar que o país pudesse viver uma onda que faça crescer a representação do Chega! no parlamento ou mesmo que inclua na política institucional outros grupos extremistas.
Repete, a exemplo de outros líderes políticos do seu partido, que, por cá, não se nota a força que o grupo demonstrou em outros lugares da Europa, como Itália, Polônia, Hungria, Suíça ou mais recentemente, nos Países Baixos. Para ele, Portugal está mais para a sua companheira da Península Ibérica, a Espanha, que rejeitou no ano passado o extremista VOX. O partido perdeu tamanho no parlamento (saiu de 52 deputados para 33) e não conseguiu compor maioria com a direita, com quem poderia for- mar o governo.
Racismo e xenofobia são isolados, diz
Entre uma mordida e outra na torrada e um gole do capuccino, servido numa taça alta e com dois dedos de creme, Bruno diz acreditar que a xenofobia e o racismo são “minoritários” em Portugal, ainda que a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial do país tenha apontado o aumento de 505% no número de registro de casos contra brasileiros nos últimos cinco anos.
À medida que aumenta o número de brasileiros, estimado atualmente em cerca de 400 mil, a depender do órgão, cresce o de denúncias. “Portugal é um país acolhedor. Essa é a nossa gênese”, diz. Para ele, os casos são “isolados” e nada “sistêmicos”, que “transportam uma imagem do país contrário daquilo que é”. Foi o único momento tenso da entrevista.
Um assunto que o deixou mais à vontade foi imigração. Para ele, há benefícios na política portuguesa de portas abertas que vão além dos mais óbvios, como o aumento de arrecadação na Segurança Social, garantindo a reforma dos idosos, e o dinamismo na economia, com a entrada de jovens trabalhadores e novos investidores.
Segundo ele, os imigrantes “abrem horizontes e transformam a sociedade”. Já a emigração é um problema de difícil solução. Mesmo com incentivos para a permanência em Portugal, como benefícios fiscais, os jovens continuam a ir embora.
O movimento é grave e pode comprometer o futuro do país. Não se depender de Bruno, que, embora viaje bastante por conta de seu trabalho na Internacional Socialista, pretende ficar.
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