Enquanto no Brasil a Quarta-feira de Cinzas é sinônimo de apuração do Grupo Especial do Rio de Janeiro e mais carnaval com a saída de blocos de rua em vários estados do país, em Lisboa, capital portuguesa, os foliões têm lutado contra a administração pública para conseguir viabilizar a festa.
Os brasileiros lisboetas amantes da folia trocaram o confete pelo megafone para pedir apoio à regulamentação dos blocos brasileiros no país. Os protestos-folia começaram no sábado (10) e seguiram até ontem, terça (13), quando de fato era feriado de carnaval em terras lusitanas.
Porta-vozes dos grupos carnavalescos disseram à Agência Lusa que a luta pelos desfiles de rua vai seguir para além do período de festa. Todo o problema envolve uma questão burocrática que mudou a forma como a administração pública enquadra a saída dos blocos.
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Isto é, em vez de manifestação, a Polícia de Segurança Pública (PSP) passou a considerar a celebração do carnaval de rua brasileiro como evento cultural.
Como detalhou o jornal Público, isso impôs que os grupos passassem a pedir autorização à Câmara Municipal de Lisboa (a prefeitura) para realizar os desfiles.
O problema é que os custos para a realização da folia com esse novo entendimento se tornaram inviáveis para as agremiações.
Também ao Público, Miguel Dores, do grupo Baque do Tejo e membro da União de Blocos de Carnaval de Rua de Lisboa, disse que os orçamentos passados pela administração pública para liberar os desfiles chegavam a 20 000 —mais de 100 000 reais, aproximadamente— para 12 grupos.
E isso era um valor sem contemplar custos de banheiros químicos, exigidos a cinco blocos.
Manifestações
Devido às restrições, ontem, alguns blocos saíram em protesto por ruas de lisboa. A principal reivindicação foi a liberdade da cultura de rua na capital.
"Pedir dignidade para a cultura de rua em Lisboa, e para que as autoridades regulamentem as artes de rua" é um dos objetivos da manifestação, disse à Lusa o brasileiro Júlio Brechó, artista de rua, músico e produtor.
Aproveitando a data, também houve o baile da União de Blocos de Carnaval de Rua de Lisboa, realizado com o objetivo de arrecadar fundos para pagar multas de ações dos grupos e de artistas brasileiros.
Viemos do Egyto, Baque do Tejo, Baque Mulher, Bloco Oxalá, Sardinhas Nômades, Arroz Estúdios e Lisblocos são alguns grupos que fazem parte da União.
Diálogo entre governos
Representante do núcleo do Partido dos Trabalhadores brasileiro em Lisboa, Pedro Prola disse à agência que a estrutura partidária "está solidária com a luta" dos blocos e à disposição para ajudar no diálogo com as instituições públicas.
Segundo Prola, é possível haver conversas com o governo português e com a Câmara Municipal de Lisboa para que se encontre "uma via de solução" que permita a realização de "manifestações culturais nas ruas de Lisboa".
Quatro anos de embate
A origem dos protestos destes grupos brasileiros remonta a 2020, quando saiu um parecer da Polícia de Segurança Pública considerando os desfiles dos blocos carnavalescos eventos festivos em espaço público, e não manifestações.
Com a alteração, os blocos passaram a ter de pagar todos os serviços necessários à realização de um evento de rua.
Segundo Miguel Dores, um dos responsáveis da união dos blocos, a Câmara de Lisboa isentou os grupos do pagamento de taxas à prefeitura, mas ficaram todos os outros custos para terem o licenciamento para saírem à rua: corte de trânsito, contenção da ordem, casas de banho públicas móveis e seguros, entre outras.
E a alteração dos valores desde 2020 até hoje "é gigantesca", porque houve um aumento das exigências e dos preços, disse Dores.
Pedido de definição
O cabo de guerra levou os blocos a pensarem que deveria haver uma solução pública para o problema, com uma resolução e definição do que é o Carnaval em Lisboa, concluiu.
Em junho do ano passado, segundo Dores, os grupos brasileiros entregaram uma petição na Assembleia Municipal de Lisboa para pedir o empenho na construção de uma política pública para o carnaval da capital portuguesa.
Entretanto, "à medida que as negociações iam avançando, as exigências iam avançando, ou seja, em vez de nós encontrarmos (...) um apoio, o que encontramos foi exigências atrás de exigências", afirmou Miguel Dores.
De acordo com o porta-voz da união de blocos, um português que esteve alguns anos emigrado no Brasil, as exigências foram nascendo até as últimas semanas antes do carnaval, ao mesmo tempo que iam percebendo que o orçamento previsto para saírem este ano chegaria (ou ultrapassaria) os tais 20 mil euros.
Por outro lado, alguns licenciamentos, de responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa junto à polícia, necessitavam de alguma documentação.
Avanço de protestos
As idas e vindas do problema fizeram com que os foliões decidissem avançar com um protesto contra o processo de licenciamento, que consideram ter sido um "boicote ao Carnaval". Eles também exigem que “se respeite o direito cultural”.
"O que nós queremos é estar no espaço público sem ter que pagar" e "entregar à cidade esta manifestação cultural", declarou Miguel Dores.
Quanto aos apoios que o embaixador brasileiro em Lisboa anunciou na sexta (10), disponibilizados pelo Brasil para ajudar os blocos carnavalescos, de 28 mil reais (cerca de cinco mil euros), Miguel Dores disse que os grupos agradeceram, mas que os valores chegaram depois de “terem sido cancelados as licenças” e de os blocos decidirem “avançar com os protestos".
No mesmo dia, Dores afirmou que foi enviado um mail ao embaixador para agradecer e pedir que a embaixada pense, com os blocos, o que poderá ser feito com aquela verba.
“São cerca de 15 os grupos que saem todos os anos nas ruas de Lisboa para animar o carnaval e mostrar a cultura brasileira e de uma comunidade brasileira de 400 mil pessoas, que desconta os seus impostos aqui", afirmou.
Com informações da Agência Lusa