Avenida da Liberdade, Lisboa. Crédito: Câmara Municipal de Lisboa, Divulgação

Avenida da Liberdade, Lisboa. Crédito: Câmara Municipal de Lisboa, Divulgação

Juristas comentam pontos da Lei de Nacionalidade; dúvidas e respostas sobre o tema

Lei já está em vigor, mas depende de regulamentação e por enquanto não pode ser aplicada

08/04/2024 às 19:14

Embora tenha sido publicada no Diário da República e esteja em vigor, a Lei de Nacionalidade —que pode beneficiar estrangeiros com uma contagem de prazo justa para obtenção da nacionalidade— ainda depende de regulamentação e, portanto, ainda não pode ser aplicada. Foram ouvidos pela BRASIL JÁ os advogados Camillo Júnior e José Eduardo Rosa, que tratam, logo abaixo, de questões referentes à nova lei. 

A principal mudança para estrangeiros que queiram entrar com o pedido de nacionalidade portuguesa, segundo os juristas, é justamente a contagem do prazo de cinco anos de residência regular no país. A alteração consta no Artigo 15.

O advogado Camillo Júnior afirma que a lei está valendo, mas em regime transitório até ser regulamentada pela Assembleia da República. 

De acordo com ele, o fato de estar nesse estágio não significa que haverá mudanças no texto da lei, somente nos procedimentos. Para Camillo Júnior, "a nova lei é clara" ao especificar que a espera pela autorização de residência —a partir da manifestação de interesse— passa a fazer parte do prazo de cinco anos. 

Em outras palavras, as pessoas que, desde 2019, protocolaram uma manifestação de interesse, mas só conseguiram a autorização de residência tempos depois, terão essa espera computada no prazo de cinco anos. 

O que o advogado José Eduardo pondera, no entanto, é que a legislação não informa sobre o "marco inicial da contagem". 

A dúvida é se este marco será o tempo de manifestação de interesse todo, desde o protocolo; o aceite da manifestação pelo órgão de imigração; ou a data que o requerente vai até o órgão de imigração, faz o requerimento, paga a taxa e assina o pedido na entrevista. 

"Como não há essa informação na legislação, nós aguardamos a regulamentação dessa lei. A regulamentação deve ser feita pelo governo em até noventa dias da data da publicação da lei, em 5 de março. Apesar de a lei estar em vigor —entrou em vigor em 1º de abril—, mas há esses noventa dias para a devida regulamentação da lei e, aí sim,  podemos verificar qual vai ser o marco inicial da contagem do tempo de residência. Com isso, a lei está em vigor, mas não pode ser aplicada no que refere-se ao tempo de residência. No momento, as pessoas não podem ainda aplicar esta lei para tratar dessas questões", disse o advogado. 

E é a demora na regulamentação da lei que pode retardar o processo. Embora exista o prazo de noventa dias para a regulamentação, como informou José Eduardo, na prática, segundo Camillo Júnior, a definição de regras de aplicabilidade pelo governo pode demorar bastante, às vezes anos. 

Confira abaixo perguntas e respostas sobre o processo de nacionalidade.

A Aima é responsável pelos processos de nacionalidade? 

O advogado José Eduardo afirma que não é de responsabilidade da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima) os processos de nacionalidade, mas sim do Instituto dos Registros e do Notariado (IRN). 

"Para os pedidos de nacionalidade por tempo de residência o que a Aima fornece é uma certidão com a contagem do tempo de residência para que o pedido seja analisado pelo IRN. Eu acredito que os maiores entraves sejam a verificação do prazo de residência —o cálculo correto para que a pessoa não dê entrada sem ter completado os cinco anos. Porque se isso acontecer, o pedido vai ser indeferido, mesmo que o requerente complete a tramitação durante o pedido. Então, ele já tem que ter os cinco anos no momento do protocolo", disse. 

José Eduardo afirma que o Instituto dos Registros e do Notariado dispõe de um portal eletrônico para serem submetidos os pedidos, mas a plataforma ainda é específica para pedidos feitos com advogados e solicitantes. 

Nacionalidade para filhos maiores 

O jurista José Eduardo acrescenta que há uma outra mudança interessante, que é a possibilidade de nacionalidade para filiações que ocorreram após a maioridade. 

"Isso era vedado, pelo Artigo 14 da Lei de Nacionalidade, mas agora há situações que, sim, permitem quem a filiação reconhecida na maioridade, de solicitar a nacionalidade portuguesa", afirmou.  

Caso de judeus sefarditas

A obtenção da nacionalidade por judeus sefarditas ficou mais complexa. Isso porque, segundo Camillo Júnior, os interessados terão que comprovar genealogia e entregar provas de ligação efetiva com a comunidade portuguesa. Mas como? 

Júnior afirma que será necessário apresentar titularidade transmitida dos direitos reais sobre imóveis em Portugal, de outros direitos pessoais ou de participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas no país. 

Também será preciso atestar que fez viagens regulares que comprovem uma ligação efetiva e duradoura com o país. Outra exigência é ter a titularidade da autorização de residência há mais de três anos. 

"Além da descendência, o candidato pela via sefardita terá que provar residência legal em Portugal por três anos e ligação efetiva com o país. O processo será submetido e homologado por uma comissão e é importante destacar que essas regras passam a valer para pedidos novos e aqueles em andamento", afirmou o advogado. 

É preciso demonstrar ter contribuído para a Segurança Social?

Na interpretação de Camillo Júnior, não existe necessidade de contribuição para a Segurança Social, considerando que ao apresentar a manifestação de interesse já é entregue com o pedido um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho. 

"Existindo contrato de trabalho, o empregador deverá promover o recolhimento da contribuição para a Segurança Social. Já a promessa de contrato de trabalho é uma expectativa", afirmou Júnior. 

No caso dos estrangeiros que trabalhem por conta própria, disse o advogado, a Autoridade Tributária exige o título de residência. 

Lei está mais justa? O que poderia melhorar? 

Para o advogado José Eduardo, houve um grande avanço no tempo de residência e reconhecimento dos filhos já maiores de idade. Entretanto, o jurista diz que é preciso esperar a regulamentação porque o mais justo seria que o prazo contasse a partir da obtenção de protocolo da manifestação de interesse. 

IRN pode ser 'soterrado' por processos com a mudança? 

José Eduardo acredita que o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) possa sofrer um acúmulo de processos com a mudança na legislação. 

"Vão ter mais processos de nacionalidade para serem analisados. Entretanto, o IRN em contrapartida, tem oferecido mecanismos do protocolo da nacionalidade online, com uma plataforma mais atual, e isso talvez compense, fazendo com que os processos não sejam tão demorados."

Prazo para a nacionalidade sair 

Segundo o advogado José Eduardo, as nacionalidades por tempo de residência, casamento ou netos de cidadãos portugueses têm sido concedidas entre 24 a trinta meses. E, disse, as nacionalidades de filhos maiores têm demorado em torno de doze meses. 

Qual é a diferença entre nacionalidade e cidadania? 

Nacionalidade, disse o jurista José Eduardo, é pertencer a uma nação e a cidadania é poder exercer atividades políticas nessa nação. 

"A nacionalidade é o sentimento, é o direito de pertencer a uma nação. E a cidadania é mais um instrumento —a nacionalidade engloba a cidadania—, que é o direito de participar das questões políticas." 

E se o pedido de nacionalidade for negado? 

Se for negada a nacionalidade, o advogado José Eduardo afirma que cabe recurso à decisão. 

E se, por exemplo, a pessoa não tenha completado os cinco anos de residência, mas durante o processo o prazo tenha sido preenchido e/ou outros requisitos tenham sido completados, então é possível apresentar novamente o processo ao Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). 

"Não precisa aguardar prazo nenhum, desde que tenham sido cumpridos os requisitos." 

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