Lucy Barreto em cerimônia dos 60 anos da produtora em Nova York - Crédito: Divulgação

Lucy Barreto em cerimônia dos 60 anos da produtora em Nova York - Crédito: Divulgação

Lucy Barreto, a dama brasileira da Sétima Arte: 'O cinema ninguém pode destruir'

Cineasta falou sobre os 60 anos de carreira e o atual momento do cinema brasileiro

08/11/2024 às 13:58 | 5 min de leitura
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A celebração ao cinema brasileiro em Portugal, que começou na quarta (6) na Cinemateca Portuguesa, faz parte de uma homenagem aos 60 anos de produções cinematográficas da LC Barreto Produções. Ao longo dos anos, a produtora fez mais de 150 filmes. 

No portfólio, títulos como "O Quatrilho", de 1995, de Fábio Barreto; "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de 1976, de Bruno Barreto; "Bye Bye Brasil", de 1980, de Carlos Diegues; "Garrincha, a Alegria do Povo", 1962, de Joaquim Pedro de Andrade; "Terra em Transe", de 1967, de Gláuber Rocha; "Vidas Secas", 1963, de Nelson Pereira dos Santos, uma adaptação da obra de Graciliano Ramos; e tantos outros. 

As exibições de “Isso é Brasil: 60 anos da L.C. Barreto Produções” vão até segunda (11). A BRASIL JÁ entrevistou Lucy Barreto,  que com seus 91 anos se mantém lúcida e em atividade nos festejos da produtora que fundou com o marido Luiz Carlos Barreto, o Barretão, de 96 anos. 

Foi Lucy quem revisitou todo o catálogo de filmes e selecionou os vinte títulos que mais fizeram sucesso no Brasil e no exterior.

Ao longo de sua carreira, Lucy sempre pensou no mercado estrangeiro e suas passagens por diversos países estabeleceu contatos e relações profissionais com o mercado internacional. Assim, começou um processo de transpor esses filmes para a tecnologia 4K. 

“O cinema ninguém pode destruir, seja onde lá ele esteja, porque o cinema engloba os sonhos, os sonhos de um povo, os sonhos de uma população”, afirmou Lucy na entrevista mais abaixo.

As comemorações começaram no Rio de Janeiro, passaram por Nova York e, para 2025, chegará em Berlin e Londres. As vidas de Lucy e Luiz Carlos Barreto se confundem com a história do cinema brasileiro. 

Confira a seguir a conversa com Lucy sobre a memória do cinema brasileiro:

Projetos devem ser como filhos para você, mas desses títulos todos, quais aqueles que mais te tocam afetivamente ou emocionalmente? 

É muito difícil dizer uma coisa dessa. Eu costumo dizer que é sempre o último porque cada filme que você faz, evidentemente, é uma paixão que você tem, né? Pra mim, cada filme que eu escolho para produzir é um assunto que está muito próximo a mim, que me interessa sempre. 

“O Que É Isso, Companheiro?” era uma história que precisava ser contada, precisava ser contada sob o ponto de vista dos garotos, o que eles pensavam. Então eu levei, por exemplo, 17 anos para fazer esse filme porque eu estive com diretores e roteiristas que pensavam em filmes extremamente políticos. 

E eu pensava na história dos garotos. Aquela utopia que eles viviam. Já “O Quatrilho”  é um projeto, por exemplo, que levou algum tempo para ser feito, porque ele foi o primeiro filme da retomada.

Quando você fala em retomada é após o período difícil que o cinema brasileiro viveu? 

Nós tivemos aquele presidente Fernando Collor de Mello… Ele pensou que destruiria o cinema nacional. Mas o cinema ninguém pode destruir, seja onde lá ele esteja, porque o cinema engloba os sonhos, os sonhos de um povo, os sonhos de uma população. Então, isso você não consegue destruir de forma alguma.  

Enfim, “O Quatrilho” foi o filme da retomada. Nessa retomada, eu queria muito que fosse um filme que trouxesse muita alegria também, sendo a retomada do cinema brasileiro.  Então, o Pozenato [José Clemente Pozenato] chegou com o livro, com “O Quatrilho”, e eu fiquei encantada imediatamente. 

E logo começou o processo de produção? 

Inicialmente, iriam fazer o filme outros atores mais velhos, mas eu acho que o filme sempre tem um amadurecimento desde o projeto até a execução. Então, eu cheguei à conclusão que essa história tem que se passar com gente jovem que tem ímpetos para tomar essas decisões, porque estão decidindo a sua vida.  Então, tem coragem e são mais românticos, já não são tão comprometidos com tanta coisa. 

E foi aí que veio a Glorinha [Pires] e a Patrícia Pillar. O filme fez muito sucesso, foi escolhido para o Oscar, ele foi finalista e ficou entre os quatro melhores. Eu tive muita alegria em produzir, passei seis meses em Caxias do Sul. 

Você e Luiz Carlos Barreto, além de um casamento na vida pessoal, têm um casamento profissional. Como é trabalhar durante tanto tempo com o companheiro? Tem alguma fórmula, algum segredo? 

Olha, chegou um momento que a gente dividia um pouco as coisas. Eu costumo dizer que o Luiz Carlos é luz e eu sou som. Então, quer dizer, o Luiz Carlos é fotografia. Já para mim é muito importante o roteiro, a história. O Luiz Carlos não se preocupa muito com isso. 

Em geral, ele deixa muito por minha conta e grande parte das produções da L.C. Barreto são escolhidas por mim. 

Você com o envolvimento logístico e ele operacional. 

Em determinado momento, ele se dedicou à distribuição de filmes, ainda nos anos 1960. Ele achou que nós já estávamos produzindo os filmes interessantes, renovando um pouco, com o Cinema Novo, a turma toda do Cinema Novo, e estava faltando uma distribuição adequada, porque naquela época nós só tínhamos distribuidoras estrangeiras.  

Então, elas distribuíam os filmes brasileiros da mesma maneira que distribuíam os filmes americanos. Foi quando o Luiz Carlos passou a cuidar um pouco mais dessa parte. Eu eu cuidando um pouco mais da parte de produção.

Lucy e Luiz Carlos Barreto fundadores da LC Barreto Produções - Crédito: Acervo Pessoal
Como foi esse trabalho nas produções nas escolhas dos roteiros? 

E querendo sempre ter uma produção bem diversificada. A gente, aqui no Rio de Janeiro, morando numa cidade à beira-mar. Então, vamos explorar o Rio de Janeiro. Fizemos “O Menino do Rio”, fizemos “Garota Dourada”,  “Tati é garota”, mostrando muito toda a Baía de Guanabara, Copacabana. Enfim, tentando diversificar bem a nossa produção. 

E vocês usaram muito o cenário carioca nas produções. 

Naquela ocasião, o Leon Hirszman veio com “Garota de Ipanema” [baseado na clássica canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes], o Nelson [Pereira dos Santos] veio com “Como era Gostoso o meu Francês”, o Joaquim [Pedro de Andrade] com “Macunaíma”. Três sucessos! Foi um momento brilhante do cinema brasileiro.

Então, havia uma preocupação com a bilheteria. Uma preocupação com ocupar um espaço na audiência do cinema brasileiro. Isso foi nos anos 1970 e foram os anos de ouro do cinema brasileiro. Imagina, em plena ditadura. 

Mas foi nesse tempo que foi criada a Embrafilme [Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima, uma estatal, ativa entre 1969 e 1990, que desempenhava o papel para a produção e difusão do cinema no Brasil nas décadas de 1970 e 1980].

Então foi uma época muito importante? 

Sim! Nesse momento, o cinema brasileiro ocupou 47% do nosso mercado. Foi uma época de glória. 

Como você enxerga o futuro do cinema brasileiro? Você vê prosperidade? 

No ponto de vista da criatividade, eu acredito que nós talvez nunca tenhamos sido tão criativos. Tem muitos filmes interessantes sendo feitos hoje, não tenho a menor dúvida. Mais do que nunca. Agora, sob o ponto de vista de legislação, eu acredito que nós nunca estivemos tão atrasados, porque não há uma consciência da importância do cinema. Não há. 

Eles estão mais preocupados, eu diria, com a questão de identidade, com fazer filmes com índios, com negros, com pessoas trans, e não preocupados com histórias, com roteiros. Existe essa preocupação que eu estou lhe dizendo, e que nem sempre traz para você o filme que o público quer ver. Mas nunca tivemos tanto talento. Tantos diretores, escritores... 

 Sobre as homenagens no exterior. Vocês programaram essas exibições? 

Todas as homenagens que a L.C. Barreto está recebendo são homenagens espontâneas. A homenagem aos 60 anos em Nova York, no Lincoln Center, foi uma iniciativa deles de pedir a lista dos nossos filmes. Então, nós já tínhamos, já estávamos com essa intenção. 

Já tínhamos estado em Cannes com o “Bye Bye Brasil”, do Carlos Diegues. Depois, estivemos em Veneza com “A Hora e a Vez”,  de Augusto Matraga. Normalmente se celebra em geral um ator, uma atriz, um diretor, não uma empresa. Por isso fiquei muito surpreendida com essas homenagens. 

Como foi a ida dos filmes brasileiros para o exterior? 

A abertura do mercado americano para nós foi com “Dona Flor e Seus Dois Maridos”. Nós abrimos uma casa de distribuição lá, a Carnaval Filmes, e nós tínhamos sempre os nossos filmes explorados e explorados com sucesso.

Cinema é uma coisa muito cara, então você deve fazer cinema para um grande público. Claro que você pode fazer um filme pequeno com um assunto interessante também para o seu mercado interno. Tudo é uma questão de custo e benefício, uma questão de orçamento.  

Lucy, obrigado e acho que a história de vocês deve ser contada nas telonas também. Esse casamento profissional e afetivo. 

[Risos] Nós somos companheiros. Como eu disse a você, eu sou som e ele, imagem. 

Noite de lançamento do ciclo “Isso é Brasil: 60 anos da L.C. Barreto Produções” na Cinemateca Portuguesa - Crédito: Jordan Alves

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