Moacyr Luz, o Moa, fala sobre seu legado na música e a Doença de Parkinson Crédito: Renato Velasco

Moacyr Luz, o Moa, fala sobre seu legado na música e a Doença de Parkinson Crédito: Renato Velasco

O legado de Moacyr Luz

"Quando eu descobri que tinha Doença Parkinson, tudo mudou. [Mas] Percebi que eu só ia vencer pelo cansaço", diz cantor e compositor

04/02/2025 às 10:38 | 4 min de leitura | Edição Impressa
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Reencontrar em Lisboa o Moacyr Luz, um dos grandes poetas populares brasileiros, foi um aprendizado.

Moa, como as pessoas mais próximas o chamam, é a tradução da superação e da transcendência. Como é que tanto talento e vontade de viver supera as limitações do corpo. Nem a Doença de Parkinson, que descobriu em 2008 quando tinha 50 anos, consegue parar a sua capacidade produtiva e a sua vontade de compor. É certo que com limitações, como admite ele, ainda assim, segue imparável.

Eu não o via fazia três anos e foi inicialmente difícil perceber o agravamento dos sintomas, mas tudo isso se esvai quando Moa começa a tocar.

Moacyr Luz não sente limitações e continua tocando maravilhosamente bem. As imitações do corpo, da Doença de Parkinson, não podaram a capacidade do Moa de cantar, de compor, de ser um cronista da sua época, do Rio de Janeiro e do Brasil. É o compositor da liberdade.

Segue trechos de nossa conversa num final de tarde de janeiro no Museu da Cerveja em Lisboa.

Moa dá entrevista a BRASIL JÁ Crédito: Renato Velasco

 

Você está numa fase de produzir muitas músicas. Por quê?

Quando eu descobri que tinha Doença Parkinson [em 2008], tudo mudou.  Percebi que eu só ia vencer pelo cansaço, né? Eu faço realmente uma média de uma música por dia. Se presta, não sei. Mas procuro sempre fazer rimas diferentes, pensar diferente. 

Como a Doença de Parkinson afetou a sua cabeça?

Afeta a cabeça de qualquer um que tem uma doença que não tem cura. Mas eu sou salvo pelos amigos. Vou contar uma cena recente. Eu estava procurando um bar para almoçar. Eu não gosto de locais pomposos. Eu gosto de boteco.  Andei por Lisboa [onde estava para se apresentar no início do ano] e achei um lugar gostosinho. Não era um botequim. Eu achei a cara linda. Aí, ouço uma voz me chamar “Moacyr!” e quando olhei e era uma menina. Sentei-me à mesa com ela, e pedi uma comida. Mas eu não sabia se ia conseguir comer [Moa tem as mãos trêmulas por conta da doença]. Ela se antecipou e me deu a comida na boca.

E o que você sentiu?

Foi uma tarde muito agradável.

Então, você quer produzir o máximo possível antes que perca a capacidade de compor?

Antes que eu desanime.

O seu samba para a Mangueira em 2022 era uma homenagem a Cartola, Jamelão e Delegado, grandes nomes da escola. Você acha que conseguiu o lugar esperado na galeria dos sambas da Verde e Rosa?

Na minha opinião, aquele samba é daqueles que seriam antológicos. Mas às vezes, quando eu vou à Mangueira, ele não toca. A escola tem uma coisa de comunidade, tem algum tipo de... distanciamento, não é? 

Mas ganhar a disputa de samba na Mangueira é diferente?

Naquele ano aconteceu um fenômeno na minha vida. Eu estava com três sambas na Avenida [com a Tuiuti, a Grande Rio e a Mangueira]. Todas as escolas são importantes. Mas, quando eu ganhei na Mangueira, quase tive que jogar fora o meu celular. Eram mais de mil ligações por minuto. Do mundo inteiro. A Mangueira é uma entidade, um país. É uma comunidade mesmo.

Crédito: Renato Velasco


Você considera que você conseguiu o troféu que faltava na sua galeria?

Sim. Mas eu considero o samba da Tuiuti de 2018, "Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?", que deu o vice-campeonato à escola, como um divisor de águas. Modestamente, demos uma mexida na forma de se fazer samba-enredo. Eu não esperava. Quando entrei na Avenida e vi aquela multidão cantando o samba, fiquei emocionado. Só me lembro de ver o [o ex-jogador de futebol e ídolo no Flamengo] Zico numa frisa cantando o meu samba. Fui lá e dei um abraço nele. Ali, em pleno Sambódromo.

Você é um dos poucos remanescentes da poesia popular ainda capaz de traduzir em palavras simples e melodias o dia a dia do brasileiro. Como é que você vê o momento da produção cultural do Brasil? 

Eu tenho Esperança. Está aí uma nova geração trabalhando, acontecendo. Vejo isso lá no Samba do Trabalhador [roda de samba que Moa comanda, às segundas no Rio de Janeiro, no Renascença Clube). Muita gente boa que surgiu vai lá se apresentar. Tem o Gabriel da Muda, o Nego Álvaro. Surgiu também o Moyseis Marques, a Teresa Cristina. 

A cultura hoje é menos combativa?

O que acontece é que o espaço mudou totalmente. Não tem aquela coisa de um programa de televisão [que lança grandes sucesso]. Isso limita o surgimento de novos valores.

E o papel das redes sociais?

O compositor respira, mas através das redes sociais.

Isso é bom ou mau?

É o que se tem. Vivemos um vazio do direito autoral, não se compra mais disco ou CDs. Não têm uma legislação. Eu não nunca vi nenhum amigo meu ganhar dinheiro com a internet.

Mas você ganha dinheiro com a Internet?

Eu tenho mais de trezentas músicas gravadas. Só em 2023, eu gravei mais de oitenta. E ganho centavos de direitos autorais da internet. Quando eu vejo um vídeo meu nas redes sociais, passa um anúncio de bicicleta, mas não sou eu quem ganha dinheiro. Para onde vai esse dinheiro?

Em 2023, você ficou alguns dias internado por conta de problemas no coração.  Em uma de suas letras, o Coração do Agreste, de 1989, que Fafá de Belém colocou lindamente a voz, você escreveu: “Regressar é reunir dois lados / À dor do dia de partir / Com seus fios enredados / Na alegria de sentir / Que a velha mágoa / É moça temporã / Seu belo noivo é o amanhã / Eu voltei pra juntar pedaços / De tanta coisa que passei”. Você está recolhendo os seus pedaços?

Eu não me preocupo com isso de se eu fui ou vou ser injustiçado. Te dou um exemplo do meu momento de vida.  Eu fiz um show em Minas Gerais há uns 3 meses. Eu não entendi nada. Tinham quase cinco mil pessoas. Fui tratado como uma lenda. Por que isso? Porque ainda faço música sobre liberdade.

E a saudade do parceiro Aldir Blanc [morto em 2020 de Covid-19]?

Eu aprendi muito com Aldir Blanc, um dos meus parceiros fixos. Éramos eu, o João Bosco, o Cristóvão Bastos. Quando ele ainda estava por aqui, a gente virou vizinho [Moa e Aldir moravam no mesmo prédio, no Rio de Janeiro]. Tínhamos feito tudo o que queríamos, então, a gente falava de café, do Vasco e do Flamengo [Moa é rubro-negro, e Aldir era cruz-maltino]. Após a morte dele, eu fui visitar a viúva Mary Lúcia de Sá Freira. Teve um momento que eu fui ao escritório dele e fiquei ali sentado, sozinho, em silêncio... 

Crédito: Renato Velasco

Você tem tocado com a nova geração de músicos, como a Orquestra Bamba Social, um coletivo de músicos portugueses e brasileiros da cidade do Porto.  Como você vê a nova geração do samba?

Eu conheci o Bamba Social através do Pedro Pinheiro, que está aqui comigo no Rio de Janeiro. Ele gravou músicas minhas. Eu tenho desejo de gravar com eles e a Teresa Cristina. Eu sou impressionado com a qualidade sonora desse grupo. Quando tocamos, me espanto no quanto eles tocam mais do que eu. Digo, mais cara!, sabem mais do que eu.

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