Mário Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública. Crédito: Governo de São Paulo, divulgação

Mário Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública. Crédito: Governo de São Paulo, divulgação

PCC e CV atuam em Portugal —e há portugueses envolvidos, diz secretário de Segurança do Brasil

Em entrevista à BRASIL JÁ, Mário Sarrubbo afirmou que facção criminosa paulista tem presença mais consolidada do que a carioca

11/07/2024 às 09:51 | 8 min de leitura
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O secretário Nacional de Segurança Pública do Brasil, Mário Sarrubbo, afirmou em entrevista à BRASIL JÁ que o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, facções criminosas, atuam (em maior ou menor medida) em Portugal. E, segundo ele, há portugueses envolvidos nas atividades do PCC. 

Também de acordo com o secretário Nacional, há diferenças na presença das duas organizações criminosas. Sarrubbo disse que PCC tem uma atividade mais consolidada ao transportar, anualmente, entre vinte e trinta toneladas de drogas para o país. E a principal porta de entrada são os portos.

Ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo, somando 34 anos de atuação no Ministério Público paulista, Sarrubbo conhece de perto as investigações contra o PCC, que nasceu no sistema penitenciário do estado e, atualmente, avança com o tráfico de droas no velho continente. 

Perguntado sobre a nacionalidade dos criminosos envolvidos, o secretário e braço direito do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que também há cidadãos portugueses colaborando com a facção. 

"As notícias que nós temos é que há alguns integrantes aí de Portugal, sim. Mas, veja, são aquelas associações naturais que acontecem em todos os países. Onde a facção atua, ela acaba, de uma maneira ou de outra, aliciando alguns nomes, algumas pessoas que são ali daquela região. A gente tem notícias de que em Portugal acontece a mesma coisa, mas não dá para quantificar", afirmou Sarrubbo. 

Segundo o secretário Nacional de Segurança, quando se fala do mundo do crime é preciso ter cautela porque, disse, "muitas vezes a pessoa está realizando uma determinada conduta e sequer sabe que está atuando para uma organização criminosa de dimensões intercontinentais".

Nesse sentido, Sarrubbo afirmou não ser possível dimensionar o tamanho do PCC em Portugal. Um número estimado do Serviço de Informações de Segurança (SIS) de Portugal, citado em relatório divulgado pela CNN em novembro de 2023, calcula serem 1 mil os envolvidos com a facção em terras lusitanas. 

Para Sarrubbo, entretanto, o número pode ser ainda maior. 

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o secretário Nacional de Segurança Pública do Brasil.

O ministro Lewandowski, que esteve recentemente em Portugal, comentou a presença do PCC em Portugal. Como que o Ministério da Justiça e Segurança Pública tem acompanhado as investigações contra o crime organizado, especialmente o PCC, nessa expansão aqui por Portugal? 

Na última década, o Brasil transformou-se num grande entreposto da droga, principalmente da cocaína. E, notadamente, um local de passagem da cocaína para que ela possa chegar na Europa. Evidentemente, para além de outros portos da Europa, os portos de Portugal acabam sendo também muito atrativos para a criminalidade.

O crime organizado do Brasil associou-se ao crime organizado dos países produtores da droga aqui na América do Sul, e a partir daí surge um grande negócio que hoje afeta bastante alguns países europeus, em especial Portugal. Esse é um trabalho que vem sendo feito e tem sido, na verdade, prioridade aqui no ministério, que são as hipóteses de cooperação internacional. 

Aliás, cooperação internacional não só com Portugal, mas também e principalmente com os nossos vizinhos aqui da América do Sul, como Colômbia, Bolívia, Peru e Paraguai, que são os países mais ligados a essa questão do tráfico, não só de entorpecentes, mas também de armas, quando a gente pensa em especial aqui no Paraguai. 

De todo modo, a gente tem dado uma atenção muito especial a essa cooperação internacional e é o que a gente tem feito em Portugal. O ministro Ricardo Lewandowski esteve aí, conversou com a ministra da Justiça de Portugal, e a gente quer avançar. 

No dia a dia, temos trabalhos da Polícia Federal com a Interpol, a Europol, numa sinergia muito grande com essas agências. 

E mais do que isso, o Brasil foi quem deu o pontapé inicial para a criação da Ameripol, que é a polícia da América Latina, uma polícia internacional que representa tudo o que a gente está buscando em termos de América do Sul e América Latina, que é um trabalho integrado entre todos os países no combate ao crime organizado. 

Isso tem acontecido com Portugal e a gente espera que seja possível avançarmos ainda mais nesse campo.

No ano passado, em relatório do Serviço de Informações de Segurança daqui de Portugal, foi apontada a presença de cerca de mil integrantes do PCC vivendo no país, principalmente na região de Lisboa. O senhor acredita que esse número pode ser maior? 

A palavra hoje no Ministério da Justiça e Segurança Pública, por ordem do ministro Lewandowski, é a integração. Então, nós queremos estar muito próximos das autoridades portuguesas para entender as complexidades de Portugal e dessa forma estancar esse movimento, que é crescente. 

O crime organizado não tem mais fronteira. Os negócios ocorrem de forma muito rápida, de modo até informal, enquanto nós ainda estamos presos a certas formalidades.

A ideia é que a gente possa quebrar essas formalidades e, de fato, agir entendendo as complexidades. Pode ser maior o número, dado que esse comércio tem crescido. Recentemente, Portugal fez uma grande apreensão de cocaína, e a gente tem acompanhado por aqui com o intuito de aprender cada vez mais para tornar mais difícil a operação criminosa e tornar mais caro o custo do crime.

O senhor diz, então, que esse número pode ser maior. Há alguma estimativa de quantos integrantes do PCC estão por aqui?

Não, nesse momento a gente não tem uma estimativa além dessa que você já passou. Essa é uma estimativa, mas é difícil da gente trabalhar, porque isso ocorre praticamente todos os dias. As pessoas viajam, o fluxo é muito rápido, a Europa tem várias fronteiras... 

Claro que a principal porta de entrada é sempre Portugal, mas existem outras portas de entrada, e uma vez na Europa, o sujeito está em Portugal, está na Inglaterra, ou seja, ele está na comunidade europeia como um todo. Então, é uma grande dificuldade da gente fazer essas estimativas. Pode ser maior? Pode. O número eu não tenho em termos reais.

A PF e a PJ fizeram uma operação conjunta para investigar a possível participação de facções criminosas no consulado de Portugal, no Rio de Janeiro. O senhor sabe se houve algum avanço nessas investigações?

Foi identificado, naquela oportunidade, alguns indícios de que os criminosos brasileiros se instalaram em Portugal. Por isso que é preciso atenção, por isso que a gente está trabalhando, como eu gosto de dizer, em todas as vertentes. 

Até nesse campo a Polícia Federal tem uma atenção muito grande, essa investigação ainda está em curso, ela ainda não tem uma conclusão final

Atualmente, a gente já consegue apontar os principais chefes do PCC em Portugal?

A gente sabe quem são esses líderes, mas isso, na verdade, é uma informação que a gente guarda, por enquanto, porque ela é estratégica para nós, e publicizar poderia desqualificar algumas das nossas estratégias.

Podemos afirmar que todos os integrantes do PCC em Portugal são brasileiros? Há criminosos também de outras nacionalidades?

Cidadãos de outras nacionalidades atuam aqui na América do Sul, nos países produtores da droga. Então, houve aí uma sinergia muito grande entre eles, e, hoje podemos dizer que pode haver de outras nacionalidades, também a gente tem identificado alguns casos. Então, com toda certeza, a gente pode afirmar que sim, podem ser de outras nacionalidades também.

O senhor poderia citar exemplos de nacionalidades que têm sido mais procuradas pelo PCC?

Está pulverizado, porque hoje o mundo não tem mais fronteiras. Então, afirmar que é este ou aquele país eu estaria sendo leviano. Na verdade, são todos os países.

Há portugueses vinculados à facção?

Há alguns integrantes aí de Portugal, sim. Mas são aquelas associações naturais que acontecem em todos os países. Onde a facção atua, ela acaba aliciando algumas pessoas que são ali daquela região. Em Portugal acontece a mesma coisa, mas não dá para quantificar. Quando se fala em crime organizado, todo mundo imagina que seja simples a identificação de quem é faccionado, de quem é aliciado etc. 

A gente precisa tomar muito cuidado, porque muitas vezes a pessoa está realizando uma determinada conduta e sequer sabe que está atuando para uma organização criminosa de dimensões intercontinentais.

Então, existem, sim. Há alguns portugueses trabalhando, mas não dá para dimensionar o tamanho disso ainda.

É possível saber desde quando o PCC começou a se instalar em Portugal? 

Eu gosto sempre de olhar para a história nesse tema. E tudo começa lá na década de 1980, quando a cocaína passa a ser uma droga, a mais popularizada, e o crime organizado, nos países vizinhos aqui, entende que esse pode ser um negócio lucrativo. Com isso, a droga se barateou, o Brasil se transformou em entreposto, e as facções brasileiras transportaram essa droga para o resto do mundo, via África, via Europa e assim por diante.

A droga ficou mais barata, e o lucro deles aumentou. E é a partir daí que começa esse fluxo. O momento exato em que tudo isso começou é muito difícil dizer, até porque quando ela entra na Europa, ela entra por várias portas, não é só Portugal, ela entra pela Holanda, entra pela Bélgica, entra por outros portos aí da Europa. Então, é muito difícil a gente fixar uma data.

Quantos inquéritos têm aberto para apurar a entrada do PCC em Portugal?

Eu não tenho esse número nas mãos, mas tem vários. Não necessariamente inquéritos, mas trabalhos ainda no campo da inteligência, que podem, no futuro, vir a se tornar uma investigação.

O senhor disse, então, que Portugal é uma das portas de entrada desses criminosos para a Europa. Além de Portugal, onde mais se estima que o PCC esteja atuando de forma mais contundente aqui na Europa?

A gente sabe que as drogas estão entrando pelos portos europeus, os maiores, e é claro que Portugal tem aí o porto de Lisboa. Mas as investigações dão conta de que portos da Holanda, da Bélgica têm sido também muito utilizados. Até por serem grandes portos, têm sido muito utilizados também como rota da droga.

O Brasil consegue trabalhar para impedir que esses criminosos tenham uma rede na Europa?

O Brasil precisa trabalhar de forma integrada. Nós precisamos, mais do que identificar as rotas que estão sendo utilizadas aqui, identificar o volume e quais são as facções que estão trabalhando, quais são as associações, quais são os acordos, e desestruturar. Com isso, nós temos que nos integrar internamente. 

O Brasil é uma federação, são 26 estados [mais Distrito Federal], com polícias estaduais mais as polícias em nível federal. As nossas polícias precisam conversar, e precisamos conversar com nossos vizinhos. É nisso que estamos investindo. 

Com esse trabalho integrado, a gente vai dar respostas que sejam significativas contra o crime organizado. O que pode impactar no fluxo de ida da droga para o continente europeu, por exemplo.

O senhor afirmou que portos são muito visados pelo PCC para enviar as drogas. Então, a chegada da droga não é feita por aeroporto, né?

Não, majoritariamente é pelos portos, são nos contêineres, normalmente escamoteadas junto com outras mercadorias. Nos aeroportos, ela é sempre uma quantidade menor, porque há um limite para isso. 

Há também nos aeroportos, mas as grandes quantidades vão pelos portos, dada a dificuldade de fiscalização. A movimentação dos portos é enorme, é muito difícil você fiscalizar tudo que entra e tudo que sai dos portos, seja no Brasil, seja na própria Europa. Nos aeroportos, a quantidade é menor.

Qual a estimativa de quanto o PCC movimenta financeiramente em Portugal?

Olha, não tenho esses números aqui em mãos. Mas a gente sabe que é uma movimentação significativa. A gente estima que cerca de dez a vinte toneladas de cocaína possam estar passando por Portugal anualmente.

Reportagens locais indicam que o PCC quer usar Portugal como um ponto de partida na Europa. Como é que o senhor enxerga essa estratégia e quais são os riscos de disputas entre o PCC e outras máfias que já existem aqui na Europa?

É o caminho natural. Sempre há, em algum momento, algum tipo de acomodação entre as máfias. E a partir do momento que uma determinada organização criminosa avança no espaço da outra, gera contenda, gera guerra. Isso ocasiona mortes e há uma acomodação depois da guerra. 

Agora, é importante dizer que a droga está chegando na Europa porque há consumo. 

A Europa é um dos maiores consumidores da droga, assim como o Brasil também é, mas a verdade é que nós precisamos, para além dos trabalhos contra o tráfico, é preciso que o Brasil, a Europa, os Estados Unidos, enfim, a comunidade internacional possa trabalhar firmemente em campanhas, identificando e sendo muito claro a respeito dos malefícios que é o uso da cocaína e de outras drogas sintéticas, algumas delas até letais, como a gente tem visto.

Leonardo Serro dos Santos foi preso em 2022 em Dubai, apontado, a princípio, como líder do PCC em Portugal. Logo depois, no desenrolar das investigações da Polícia Federal, ele foi identificado como integrante do Comando Vermelho. O Comando Vermelho também atua em Portugal?

É evidente que são as duas facções que atuam aqui no território brasileiro e têm tentáculos em outros países. E não dá para dizer de forma sistemática que o Comando Vermelho está em Portugal, atuando de forma intensa.

Há um fluxo enorme, como eu disse, são dez a vinte toneladas por ano [de drogas que chegam por Portugal]. Em alguma medida, é evidente que a outra facção também tem tentáculos no continente europeu, em especial em Portugal. Mas não é ainda algo consistente [como com o PCC].

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