(Arquivo) O ex-presidente Jair Bolsonaro fala com jornalistas, na sede da Polícia Federal em Brasília. Crédito: Valter Campanato, Agência Brasil. Data: 18/10/2023

(Arquivo) O ex-presidente Jair Bolsonaro fala com jornalistas, na sede da Polícia Federal em Brasília. Crédito: Valter Campanato, Agência Brasil. Data: 18/10/2023

Polícia do Brasil avança sobre serviço secreto ilegal de ex-presidente

Grupo extraoficial abastecia Jair Bolsonaro com informações obtidas de forma irregular

29/01/2024 às 15:39 | 4 min de leitura
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Ao longo dos quatro anos do governo de extrema-direita no Brasil, o então presidente Jair Bolsonaro era abastecido de informações por uma espécie de serviço secreto de inteligência extraoficial, chamada por ex-assessores seus como "Abin paralela". O nome fazia referência à Agência Brasileira de Inteligência.

Era por meio desse grupo extraoficial que Bolsonaro sabia antecipadamente os passos de seus adversários, determinava que seu "gabinete do ódio" pensasse em contrainformação e sabia até alvos e datas de algumas operações policiais contra os seus adversários.

É comum que o presidente da República seja avisado pelo ministro da Justiça de operações sensíveis. Normalmente, segundo fontes que já estiveram em posição de chefia na Polícia Federal, o chefe do Executivo é avisado horas antes, para não ser apanhado de surpresa.

O presidente, porém, não está autorizado a vazar informações sigilosas, o que é crime. Menos ainda a deslocar aliados seus para fazer uma espécie de cobertura contra políticos adversários nas redes sociais.

Para citar apenas um caso, enquanto era repórter da revista Veja no Brasil, escrevi em 2020 uma reportagem sobre um dos informantes de Bolsonaro que se postou diante do Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, às quatro horas da manhã para esperar a chegada de agentes da Polícia Federal para uma operação contra o então governador do estado Wilson Witzel.

Antes mesmo de os policiais federais entrarem nos endereços nos quais a justiça autorizou a busca e apreensão, Bolsonaro recebia fotos, vídeos e "reportes" dos locais, sobre o posicionamento da PF e o que fazia.

Witzel e Bolsonaro se tornaram inimigos ao longo de 2019 porque o então governador do Rio de Janeiro demonstrou ambição para substituir o presidente como candidato da extrema-direita nas eleições de 2022, que seriam as seguintes.

No fim, o governador perdeu o mandato após ser acusado de participar de um esquema de corrupção em contratos do estado.

Questionado na época, o governo não respondeu o motivo de o presidente ter "agentes" paralelos, mas na condição de não publicar sua identidade, uma das pessoas incumbidas dos "informes" ao presidente disse que "estava lá de maneira espontânea". "Como eu, há outros", disse.

Abin paralela

A expressão "Abin paralela" era abertamente usada nos bastidores do governo de Jair Bolsonaro. Foi publicamente falada durante uma entrevista do ex-secretário-geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, ao programa Roda Viva, do TV Cultura, doze dias antes de morrer.

Bebianno narrou assim: "Um belo dia o Carlos [Bolsonaro] me aparece com o nome de um delegado federal e de três agendas que seria uma Abin paralela, porque ele não confiava na Abin. O general Heleno foi chamado, ficou preocupado com aquilo. Mas o general Heleno não é do confronto. E o assunto acabou ali, com o general Santos Cruz e comigo. E nós aconselhamos ao presidente que não fizesse aquilo de maneira alguma. Porque muito pior que o gabinete do ódio, aquilo também seria motivo para impeachment. Eu não sei. Depois eu sai. [Eu não sei] se isso foi instalado ou não."

Depois da oposição do então secretário-geral da Presidência da República e do general Santos Cruz, um dos ministros mais próximos de Jair Bolsonaro, os dois foram demitidos do governo.

Apurou-se à época que foram defenestrados por pressão de Carlos Nantes Bolsonaro, o segundo filho mais velho do ex-presidente.

É justamente ele um dos alvos da operação da PF nesta quinta (29), no Brasil. Segundo a Polícia Federal, as medidas cumpridas têm como objetivo "avançar no núcleo político, identificando os principais destinatários e beneficiários das informações produzidas ilegalmente no âmbito da Abin".

No gabinete de Carlos, no Rio, os agentes levaram um notebook, computadores desktop e documentos. Seus assessores também foram alvos da operação.

O mesmo Carlos ainda é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por outros possíveis crimes, como o de lavagem de dinheiro, organização criminosa e peculato, por supostamente instalar em seu gabinete na Câmara Municipal do Rio de Janeiro um esquema conhecido popularmente como "rachadinhas".

As "rachadinhas" funcionam assim: um funcionário fantasma (que não trabalha, nem dá expediente) é contratado para o gabinete e é obrigado a devolver a maior parte do salário, dinheiro público, para o político.

O caso se arrasta desde antes de Jair Bolsonaro assumir a presidência. Segundo investigadores ouvidos sob sigilo pela BRASIL JÁ, à época se temia incluir o então presidente nas investigações, porque o MP perderia o seu controle sobre a investigação.

O presidente da República no Brasil não pode ser investigado por crimes cometidos anteriores a seu mandato presidencial. E as chamadas "rachadinhas" foram relatadas por testemunhas nas investigações como um esquema ocorrido ao longo de 30 anos da vida pública de Bolsonaro.

A operação desta quinta é um desdobramento

A ação desta segunda(29) é um desdobramento das operações Última Milha e Vigilância Aproximada deflagradas pela PF — a última, realizada na última quinta (25) e que teve como um dos alvos o deputado federal Alexandre Ramagem, do Partido Liberal do Rio de Janeiro. Ele foi diretor da Abin na administração Bolsonaro.

Ramagem foi para a Abin por indicação de Carlos. E a PF quer saber se o órgão de inteligência atuou ilegalmente durante a gestão do hoje deputado.

O uso do software FirstMile

FirstMile é um software de espionagem produzido pela empresa israelense Cognyte e que pode ter sido usado, sob o comando de Ramagem, pela Abin para monitorar, segundo a investigação da PF, dados de geolocalização de celulares de ministros do Supremo Tribunal Federal, jornalistas, advogados e adversários políticos durante ao governo Bolsonaro.

O software de espionagem foi adquirido sem licitação ainda na gestão de Michel Temer, que assumiu a Presidência da República após o impeachment de Dilma Rousseff, no contexto da intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro. Mas, ainda segundo as investigações da PF, passou a ser utilizado mais intensamente no governo de Bolsonaro.

Outro lado

Até o fechamento desta matéria, nem Bolsonaro nem seu filho, Carlos, se manifestaram. Neste domingo (28), porém, ele classificou de "narrativa" a linha de investigação da PF. Durante uma live nas redes sociais, afirmou que Alexandre Ramagem é "um cara fantástico". Afirmou que o software da Abin não grava nem dá a localização exata. "O equipamento da Abin que faz o levantamento geográfico, a precisão é de cem metros".


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