A BRASIL JÁ teve acesso a um estudo inédito sobre o racismo em Portugal. A pesquisa, realizada pela SOS Racismo, revela que a organização recebeu 106 relatos de discriminação em 2023.
Após análise detalhada de 85* desses casos, a SOS Racismo constatou que a maioria (66%) das denúncias se referem a discriminação e agressões racistas praticadas por pessoas próximas das vítimas e pela polícia.
O levantamento aponta que 48% dos relatos de violência analisados foram protagonizados por vizinhos e desconhecidos —além da reiterada prática de publicar mensagens de ódio em redes sociais.
Nuno Silva, dirigente da SOS Racismo, afirma que o número de denúncias recebidas pela organização não reflete a realidade do país. Na verdade, disse, seriam muitos mais casos. A percepção do representante da entidade é de que existe uma subnotificação das situações.
"(...) Os dados representam uma minoria dos casos de racismo efetivos que acontecem em Portugal. A maior parte das pessoas vítimas de racismo e xenofobia não apresenta queixa. Isso se deve, primeiro, à falta de informação. Muita gente não sabe a quem apresentar queixa", disse.
OPINIÃO: Imigrantes não são culpados por nossas más decisões políticas
É por esse motivo que o dirigente, em entrevista à BRASIL JÁ, diz ser preciso que as vítimas façam o registro dos crimes.
"É preciso dizer isso: as pessoas têm que apresentar queixa nas entidades responsáveis, que são o Ministério Público e a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. (...) Não é obrigatório registrar queixa à SOS Racismo, mas sim às entidades responsáveis", acrescentou Silva.
Padrões nos ataques
Observando os dados, Silva também disse ser possível identificar certos padrões em relação a essa maioria de ataques cometidos no cotidiano da população.
Ele exemplifica que, no espaço público, geralmente os casos envolvem insultos, recusa de acesso a determinados lugares, acesso a habitação, violência policial e questões laborais.
As situações, entretanto, podem envolver mais de uma das categorias anteriores. É o que Silva chama de fator interseccional.
"Sobre a interseccionalidade, muitas vezes há também violência homofóbica, transfóbica, muito presentes", disse o ativista.
O levantamento do SOS Racismo a partir de denúncias recebidas por telefone, email e redes sociais se refere a casos de discriminação por nacionalidade, etnia, cor da pele, e também orientação sexual e/ou identidade de gênero.
Violência policial
Os dados da SOS Racismo também indicam que a polícia é o segundo maior agente de discriminação e agressão em relatos feitos à plataforma. As situações envolvendo agentes de segurança são 18% do total de casos analisados.
Silva contou que a maioria das queixas contra ações policiais ocorre em Lisboa, onde, segundo ele, há bairros sem meios essenciais e zonas muito pobres em que a intervenção dos agentes de segurança é desmedida —como em Amadora, por exemplo.
"Algumas dessas queixas têm tido consequências nos tribunais. No caso de Alfragide, os policiais foram julgados, por exemplo. Precisamos de outros exemplos como esse. Era preciso uma outra política a nível nacional de inclusão social e de formação de quadros na polícia. E na polícia também nos preocupa a infiltração de discursos de ódio da extrema direita", afirmou o dirigente.
INTOLERÂNCIA: Crimes de ódio em Portugal aumentaram 38% em 2023
E sobretudo nos casos de violência policial, Silva acredita que o medo das pessoas preferencialmente alvos de racismo e xenofobia é duplicado.
"Grande parte das pessoas que sofrem discriminação são imigrantes ou membros de comunidades ciganas, muitas já fragilizadas e, por isso, quando são vítimas de discriminação sofrem represálias e não avançam. É falta de informação mas sobretudo uma vulnerabilidade que faz com que as pessoas não apresentem queixa. Sobretudo nos casos de violência policial, não apresentam queixa porque têm medo de, ao apresentarem queixa, serem vítimas de novos abusos."
Redes sociais e extrema direita
Sobre o papel das redes sociais na difusão dos ataques, Nuno Silva diz que a extrema direita soube aproveitar a internet para propagar ódio e discurso racista.
"É um espaço muito difícil de ser controlado. Já apresentamos imensas queixas, mas também compreendemos que a investigação é muito difícil", disse.
*A entidade explicou que as outras 21 denúncias não obtiveram informação suficiente ou clara que permitisse categorizá-las.