A portaria número 324-A/2023, publicada no Diário da República em 27 de outubro de 2023, estabelece quais são as "missões e atribuições" da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, a Aima.
Alguns preceitos estabelecidos pelo texto —como agilidade e mudança de paradigma— não poderiam estar mais descolados da realidade que é enfrentada por dezenas de milhares de estrangeiros que, por algum motivo, decidiram viver em Portugal.
Na prática, não há agilidade nem mudança de paradigma.
O governo do primeiro-ministro António Costa, que na terça (2) deixou o poder após o Partido Socialista (PS) perder as eleições legislativas em março último, teve ao menos dois anos para preparar uma transição decente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a Aima. Não aconteceu.
Desde 2021 a criação da Aima vinha sendo ventilada, embora só tenha se concretizado em outubro de 2023. Portanto, dois anos se passaram desde que alguém vislumbrou que imigrantes deveriam ser tratados com dignidade e não como caso de polícia.
A ideia é louvável, mas não deveria ter ficado circunscrita a uma folha de papel ou uma publicação digital.
No fim das contas o SEF foi dissolvido, com agentes sendo pulverizados em outros órgãos.
Alguns com experiência administrativa foram integrados à estrutura da Aima. Outros foram incorporados ao Instituto dos Registros e do Notariado (IRN). A Aima, portanto, já nasceu desmembrada.
Como revelou a BRASIL JÁ, no fechamento do mês de março foi oficializada uma operação tapa-buraco na agência. As nomeações retroativas a dezembro do ano passado de 23 diretores pelo conselho diretivo expuseram a bagunça institucional.
Os registros levantados na reportagem indicam que os ocupantes de cargos essenciais para o funcionamento da Aima estão provisoriamente nomeados.
Num dos raros momentos em que respondeu a pedidos de interesse público feitos por esta revista, foi comunicado pela Aima que concursos públicos serão realizados para cobrir os buracos. Quando? Ninguém sabe.
O que os milhares de imigrantes sabem e conhecem na pele, entretanto, é que diuturnamente a agência descumpre o texto que marca a sua existência.
DESCASO: Mais do que números: a aflição de quem espera pela autorização de residência
Desde atrasos inexplicáveis na entrega de documentos de residência, passando pelo descaso com as pessoas que em desespero vão presencialmente às lojas Aima, a conclusão que se chega é que a agência vive um estado de acefalia e inércia.
Na BRASIL JÁ, estimulamos o exercício da cidadania por todos os cidadãos —está em nosso estatuto e perseguimos este ideal. E por muito que alguns rejeitem, imigrantes são cidadãos em terras lusitanas.
A triste ironia é que o discurso extremista e xenofóbico ao qual me referi na frase anterior parece estar mais preocupado com os imigrantes do que os idealizadores da agência que deveria cuidar dos interesses dos estrangeiros.
Claro, o que os intolerantes querem é a expulsão daqueles que vem de fora. E graças à desídia da Aima isso pode se concretizar, já que perder as autorizações de residência significa que milhares podem ficar sem trabalho e, portanto, sem sustento.
Silêncio institucional
Esta revista enviou à agência, ao longo de março, sete emails. Nenhum deles foi respondido. Os pedidos incluem diversos assuntos.
Por exemplo, uma entrevista com o presidente da Aima, Luís Goes Monteiro. Ele ou sua assessoria não se dignaram a responder. Talvez por intuir, pelo jornalismo que a BRASIL JÁ pratica, que seria cobrado, sem bajulações nem espaço para falsa propaganda. No jornalismo, não cabe propaganda.
Também quisemos saber das autorizações de residências de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Também não houve resposta.
Cobramos uma explicação pelo descumprimento do prazo para a entrega de cartões de autorização de residência a milhares de cidadãos. Silêncio, como nos pedidos de informação sobre a renovação automática das residências; a perda do cartão de residência e outros casos.
Repito: nenhum dos emails foi respondido.
A desordem dentro da estrutura da agência que expusemos —e lembrei mais acima— ajudou a jogar luz na questão, mas não é desculpa nem muito menos justificativa para manter em suspenso as vidas de dezenas de milhares de imigrantes.
Com a posse de um novo governo, personificado na figura do novo primeiro-ministro Luís Montenegro, do Partido Social Democrata (PSD), o que se espera é que haja avanços significativos na organização da Aima.
É o mínimo que merecem as centenas de milhares de pessoas que ajudam a manter de pé o país.
E enquanto imigrantes estiverem presos num atoleiro burocrático, a BRASIL JÁ, ao contrário da Aima, continuará a cumprir seu estatuto ao estimular o exercício da cidadania, dando voz aos que sofrem esquecidos pela administração pública.