O século 21 iniciou sob forte tensão na Faixa de Gaza e de Jericó, que abrigava quase 2 milhões de palestinos e 5 mil colonos judeus assentados, num território de 378 quilômetros quadrados controlado por Israel. Água, energia, combustível, espaço aéreo, embarcações, gás, alimentos, comunicações, segurança eram controlados pelos israelenses. O território se transformou numa prisão de segurança máxima de palestinos.
Era a zona mais controlada do mundo sob a égide israelense, uma espécie de campo de concentração, com tecnologia de ponta e um muro de 65 quilômetros, com postos de vigia, câmeras que permitem o reconhecimento facial, sensores debaixo do solo para detecção de túneis e radares para controlar as movimentações dos palestinos. As doenças na área são constantes e comuns, por conta do baixo índice de esgotamento sanitário e descarte adequado do lixo e a grande precariedade nos hospitais.
Parte dos palestinos trabalha em Israel e recebe remunerações menores que as dos judeus. A base da economia em Gaza é a agricultura subdesenvolvida e a indústria, precária. O contexto do início do século 21 facilitou o avanço e a tomada do poder pelo Hamas em Gaza, considerado por Israel como terrorista.
PARTE 1: Será que o mundo não tolera a paz?
Em 2000, o líder israelense Ariel Sharon visitou o local das mesquitas e posou junto ao Al-Aqsa, terceiro lugar sagrado dos mulçumanos. O ato foi considerado uma provocação sionista e provocou a segunda intifada e atentados com bombas contra a população civil israelense. O mesmo Sharon incentivou a criação de colônias israelenses e mandou construir um muro de segurança na Cisjordânia, desmoralizando o Estado Palestino em 2001.
Em 2006, Israel atacou o sul do Libano na luta contra o Hezbollah. O conflito durou 34 dias, matou centenas de pessoas e desalojou 1,5 milhão de árabes. Entre 2008 e 2022, foram sete conflitos militares envolvendo a região. Neste período, o Hamas jogou centenas foguetes contra Israel. Em 7 de setembro de 2023, o grupo atacou com rockets e drones suicidas cidades israelenses de Askhelon, Rehovot, Tel Aviv e Jerusalém.
Em seguida, homens do Hamas entraram em Israel explodindo torres de observação, abateram soldados israelenses e atacaram ruas e casas, matando e sequestrando também civis. Num festival de música com 3 mil participantes, mataram e sequestraram dezenas de pessoas que não conseguiram fugir. Foram constatadas 260 mortes, e Israel decretou Estado de Guerra. Entrou em ação o plano do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, representante da extrema direita sionista, de cerco total a Gaza, com corte de energia, água, combustível, alimentos e remédios, além do forte bombardeio contra a população.
Em poucos dias e com a desculpa de eliminar o Hamas, foram lançadas mais de 6 mil bombas e o total de quatro toneladas de explosivos que atingiram 3 600 alvos e mataram, imediatamente, mais de 2 300 palestinos civis entre adultos e crianças. Foram acionados 300 mil reservistas contra Gaza e foi determinado que todos os palestinos deveriam sair do Norte de Gaza para o Sul, envolvendo aproximadamente 1,5 milhão de civis.
Os números ainda estão aumentando —até abril se somava 30 mil mortos, entre mulheres e crianças. Além disso, Netanyahu vem destruindo a democracia israelense, questionando os direitos da população judaica e tentando destruir a Suprema Corte e implantar um governo totalitário de extrema direita. A população civil israelense vem reagindo contra o primeiro-ministro.
A violência fere o Direito Internacional e a Resolução 181 da ONU que fez a partição da região, em 1947, está sendo barbaramente violentada. A Resolução 67 de 2019 da ONU, que reconheceu o Estado da Palestina, foi rasgada desde que Israel aumentou seu território gerando vários conflitos. Desde então, Gaza se transformou num palco de morte da população civil, tendo como argumento o terrorismo que Israel foi vítima com a ação do Hamas.
Segundo Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios ocupados, há o risco de uma “limpeza étnica em massa”. Ela acusa Israel e o Hamas de “crimes internacionais” por causa do massacre de civis. Afirmou: “Israel cometeu uma limpeza étnica em massa contra os palestinos sob o nevoeiro da guerra e aproveitou o ataque do Hamas, em nome da defesa, tentando justificar o que pode constituir outra limpeza”.
Para agravar a crise no Oriente Médio, o Irã bombardeou Israel em abril deste ano com drones, como resposta ao ataque à sua embaixada em Damasco. Israel reagiu dias depois atacando o Irã. A guerra se aprofunda com reflexos mundiais.
Os judeus colaboraram para o desenvolvimento cultural, científico, artístico, filosófico, econômico e político da humanidade, fornecendo nomes como: Spinoza, Karl Marx, Levi Strauss, Freud, Durkheim, Albert Einstein, Kafka, Samuelson, Milton Friedman. Todos atuando em defesa do progresso e da justiça, comprometidos com o humanismo que tem norteado a nossa civilização e com certeza não endossariam que toda uma população civil seja bombardeada como está ocorrendo agora com os palestinos na Faixa de Gaza.
A humanidade em geral aposta que o povo judeu, vítima do Holocausto, não é responsável pelos massacres ocorridos até hoje, nem os palestinos em relação aos ataques do Hamas. Os governantes são os responsáveis por este estado de coisas.
Ucrânia
O primeiro Estado russo foi Kiev, entre os séculos 9 e 12, com a fusão de eslavos e varegos. Em 882, Kiev foi conquistada e ficou sob o comando do príncipe Oleg de Novgord (879-912), e a cidade se transformou numa espécie de capital da Rússia, tendo firmado diversos tratados para a Rus de Kiev (Rússia de Kiev).
Os sucessores foram: Igor ou Ingvar (912-945), Olga ou Helga (945-957), Sviatoslav (952-972), Iaropolk (972-980), Vladimir (980-1015), Sviatopolk (1015-1019), Yaroslav (1019-1054), Vladimir Monômaco (1113-1125), Matislav (1125-1132) e Iaropolk (1132-1139). A organização jurídica e territorial da Rússia ocorreu com a regência do príncipe Vladmir I ou Vladimiro, que adotou, em 988, o cristianismo de Bizâncio como a religião oficial. Ele agrupou as regiões tribais. A queda de Kiev ocorreu devido a conflitos internos e aos ataques externos por volta do século 12.
Assim escreveu o historiador Otto Hoetzsch em seu livro “A Evolução da Rússia” sobre a queda do domínio de Kiev: “A fim de buscar proteção contra os invasores, os chefes dos principados internaram-se nas mais remotas regiões das florestas e permaneceram afastados de Kiev. É característico que Andrey Bogolyubsky, príncipe de Suzdal, tenha atacado e destruído a cidade em 1169, sem, contudo, a ocupar.
A sua base situou-se a Oeste de Moscou, na região de Suzdal-Vladmiro-Rostov, entre a parte média e a parte superior do curso do Oka e do Volga, na região florestal, bastante afastada da velha rota ‘dos varegos para os gregos’. Existia, paralelamente, um notável movimento de população para as regiões florestais do nordeste. Desbravando a floresta, lançavam-se numa nova forma de viver que, embora mais árdua, se tornava mais segura que a anterior.
Esta colonização principia à volta de 1100 e estende-se até 1300, ocupando papel de grande relevo na modelação do curso da história russa. Marcou o início do Estado moscovita, sendo, sob muitas facetas, análogo à colonização alemã, no período de 1150 a 1350. Com essa mudança de polo, o poder de Kiev desmorona-se”.
Contudo, em que pesem as considerações acerca dos aspectos econômico, social e político e as análises relativas às instituições culturais transportadas pelos príncipes e colonos para nordeste, a consciência de unidade, fixada no período de Kiev, permanecia viva, sendo traduzida pelos conceitos de Rusi, da terra russa (zyemlya), e pelo Russkaya Pravda.
Em poesia, por exemplo, exprime-se esse sentimento no famoso Poema da Campanha de Igor, registrado na mais antiga crônica (a crônica de Nestor), e no sentimento de unidade dinástica que unia os descendentes de Rurik. A história da Ucrânia e a da Rússia se misturam em vários momentos desde a criação dos dois Estados. Para os russos, Kiev é o berço da Rússia moderna.
Para os ucranianos, porém, a Rus de Kiev, Estado criado no século 9, é, sem dúvida, a mãe da Rússia moderna, mas não se confunde com ela. Ela se tornou cristã numa época em que Moscou nem existia. Em 988, o príncipe Volodymir [Vladymir] deixou o paganismo e adotou o cristianismo.
Ao mesmo tempo, levou para as terras eslavas uma cultura milenar influenciada pelos bizantinos. “Por séculos, o Principado de Kiev foi o centro religioso e cultural da Rússia. Isso acabou no século 13, quando as invasões mongóis o destruíram”, disse ao jornal Folha de S.Paulo Arnaud Dubien, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas.
No século 20, após a queda da União Soviética, a Ucrânia declarou independência (1991). Até 2014, os governantes ucranianos mantiveram um bom relacionamento diplomático com a Rússia. A crise entre os dois países se iniciou com o golpe de Estado que derrubou o presidente ucraniano Viktor Yanukovich, um aliado de Moscou, e seus sucessores passaram a cortejar o Ocidente. No mesmo período, houve rebeliões separatistas contra Kiev no Leste do país. A Criméia foi reanexada à Rússia. Posteriormente, a Rússia sacramentou e apoiou a independência dessas regiões à Leste.
Para se proteger dos interesses geopolíticos da Rússia, os novos governantes ucranianos se aproximaram da União Europeia e da Otan, irritando Moscou. Diante deste quadro, Vladimir Putin temendo a expansão da Otan até as suas fronteiras, usando a Ucrânia, e acusando o Volodymyr Zelensky de perseguição aos ucranianos de origem russa e da presença nazista em seu território, invadiu o país em 24 de fevereiro de 2022.
Inúmeras e cruentas batalhas têm ocorrido no território ucraniano, além de fortes bombardeios russos, mas a resistência tem evitado capitular diante da agressão ocorrida. Os Estados Unidos e a Europa têm fornecido armamentos e apoio financeiro para a Ucrânia se defender.
Esta guerra, de caráter geopolítico, tem prejudicado a Europa, pois sanções econômicas foram tomadas contra a Rússia, afetando a compra de gás natural e petróleo, consumidos pelo Ocidente. O preço dos alimentos e dos combustíveis na Europa aumentaram, gerando a inflação. Contam-se mais de 8 mil mortos civis e 10 mil militares ucranianos. Os refugiados ultrapassaram os 8 milhões. Já a Rússia está isolada diplomaticamente e aumentou o seu déficit econômico, segundo alguns analistas. Não há previsão para um tratado de paz.
Conclusão. A estabilidade do sistema capitalista na atualidade está ligada ao militarismo. Os gastos com armamentos são os maiores responsáveis pela expansão econômica do pós-guerra. John M. Keynes defendeu ainda no início do século passado que a responsabilidade primária do governo era utilizar as políticas monetária e fiscal para produzir na economia demanda efetiva para assegurar o pleno emprego.
Assim, a produção de armas serviria de contrapeso à tendência de queda da taxa de lucro. A produção de armamentos também tem um efeito “dominó”: uma vez iniciado num país vizinho, todos os outros também precisam iniciar a sua. Na economia armamentista, o aumento do emprego leva também ao aumento do poder de compra das pessoas, o que afastaria uma crise; assim, o aumento na produção de armamentos não ocasiona queda no consumo civil, ao contrário, provoca seu aumento.
O exemplo está nos Estados Unidos, onde o Estado-gerente passou a ser a mais poderosa instância decisória no governo americano, e assim o governo federal não “serve” aos negócios ou “regula” os negócios. O governo é “os negócios”, ou seja, trata-se de capitalismo de Estado. Na abertura de seu livro, “The Demilitarized Society, de 1988, Seymour Melman lembra que vem fazendo suas observações sobre as consequências da militarização da economia desde 1948, e, a cada ano que passa, suas previsões se confirmam.
Paul Krugman, em artigo publicado no New York Times, em agosto de 2002, atentava que importantes programas sociais envolvendo a segurança interna, assistência médica e outros benefícios, vem sendo cortados pelo governo americano por conta do déficit do orçamento federal, decorrente do aumento dos gastos com defesa, ao mesmo tempo que alertava para as graves consequências que na sua opinião, advirão.
Com os países adotando posições belicistas, inclusive a Europa, estaremos no limiar de uma nova conflagração que nos envolverá a todos? Quem viver, verá. A solução para o nosso futuro é a paz que gera a estabilidade social e o progresso. Princípio que sempre foi defendido pela sociedade europeia contemporânea.