Esta sexta (24) está sendo um dia turbulento nas redes sociais nos Estados Unidos. As plataformas estão inundadas de relatos de pessoas assustadas com a possível paralisação de atividades econômicas.
E o motivo para o alvoroço: “imigrantes deixam lojas, plantações e prédios abandonados nos Estados Unidos, e relatam perseguições”. A debandada é por medo de deportação, informa a imprensa norte-americana.
“A tensão aumentou após o presidente [Donald Trump] autorizar operações policiais em igrejas, escolas e outros locais”, afirmou um usuário da rede X.
A própria Casa Branca divulgou que, hoje, houve 538 prisões e outras 373 detenções na quinta (23). Por medo da nova administração, alguns dos imigrantes em situação irregular se entregaram à polícia, relatou um brasileiro, também na rede social de Elon Musk.
É nesse contexto que o discurso populista da extrema direita ganha força em diversas partes do mundo, incluindo em Portugal, com ataques constantes à imigração e propostas de expulsão em massa de imigrantes.
A retórica simplista e carregada de preconceitos esconde um fato inegável: a contribuição dos imigrantes para a economia dos países que os recebem, como é o caso de Portugal, é fundamental e não pode ser ignorada.
A onda de xenofobia nos Estados Unidos e na Inglaterra traz lições valiosas para a realidade portuguesa. Nos Estados Unidos, a intensificação da retórica anti-imigração, promovida por figuras como Trump, traz resultados desastrosos.
Os relatos em redes sociais, somados às análises de economistas, indicam que imigrantes que desempenham funções essenciais em setores como agricultura, construção civil, logística e serviços optam por deixar os postos de trabalho, abrindo caminho para uma grave escassez de mão de obra.
Muitos desses trabalhadores relatam perseguições e um clima de medo crescente. Os reflexos disso são, primeiro, sentidos nos mercados locais, onde empresas enfrentam dificuldades operacionais e uma queda na produção.
Dependência da força de trabalho imigrante
Portugal, assim como os Estados Unidos e a Inglaterra —que em 2019 deixou a União Europeia no processo conhecido como brexit—, depende em grande parte da força de trabalho imigrante para manter a economia em movimento.
Em 2023, O Instituto Nacional de Estatística de Portugal, que publica regularmente dados sobre a estrutura do mercado de trabalho, apontou que cerca de 8,7% da população ativa em Portugal era composta por imigrantes.
Embora o número possa variar um pouco, a participação significativa dos imigrantes na economia portuguesa é amplamente reconhecida.
E os brasileiros têm uma importância estratégica e crescente no mercado de trabalho em Portugal, relevância que se reflete em diversos aspectos econômicos e sociais.
A imigração brasileira para Portugal se intensificou nas últimas décadas, especialmente após a crise econômica de 2008 e o subsequente fortalecimento da economia portuguesa.
Os brasileiros são a comunidade de imigrantes em Portugal.
Dados atualizados da Agencia para a Integração, Migrações e Asilo mostram que somos o grupo de estrangeiros mais numeroso no país, mais de meio milhão, superando assim outras nacionalidades em diversas áreas.
Para Portugal, até até difícil mensurar o custo de uma eventual política de expulsão em massa. A construção civil, por exemplo, acabaria sendo um dos setores mais afetados. Dados do governo indicam que é nessa área que trabalha parcela significativa dos estrangeiros.
A saída desses profissionais eleva os custos da mão de obra também pode estancar a construção de habitações, um dos mais graves problemas que o país e outras nações europeias enfrentam atualmente.
Os imigrantes também têm um papel central em outras áreas da economia, como a agricultura, em que muitos trabalhadores vêm também do Brasil, Ucrânia e Nepal.
Sem esses trabalhadores, a produção agrícola estaciona, elevando os preços dos alimentos e corroendo o poder de consumo da população.
Falas xenofóbicas de Ventura
Enquanto isso, André Ventura, presidente do Partido Chega, partido de extrema direita, insiste em espalhar desinformação.
Disse o líder da sigla extremista, por exemplo que há cada vez mais estrangeiros nas prisões —o que é falso. O político repete uma e outra vez a afirmação na tentativa de encaixar a fake news de que a imigrantes estão ligados ao aumento da criminalidade no país.
E o faz assim, de forma genérica, sem citar qualquer fonte. "Vamos continuar a ignorar o óbvio?", voltou à carga Ventura.
Só que isso foi desmentido pelos dados divulgados por Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária, em seminário dos 160 anos do Diário de Notícia.
O chefe da polícia enfatizou que criminalidade e imigração são fenômenos dissociados.
Mão de obra estrangeira em setores-chave
A dependência da economia portuguesa da mão de obra imigrante é um tema central em debates sobre o futuro do país.
Em entrevista à BRASIL JÁ, o advogado Bruno Gutman, especializado em migrações, destacou como o trabalho dos imigrantes é essencial para setores-chave, incluindo agricultura, construção civil e serviços básicos.
A partir de sua experiência em Portugal e de uma recente visita à Flórida, nos Estados Unidos, Gutman faz reflexões sobre os impactos de discursos anti-imigração e como Portugal pode evitar repetir erros de países como Estados Unidos e Inglaterra.
Segundo Gutman, a economia portuguesa enfrenta um paradoxo. Apesar de sua dependência estrutural da mão de obra estrangeira, discursos populistas contra a imigração vêm ganhando espaço.
Portugal não pode prescindir da imigração. Quem colhe batatas, mirtilos e kiwis, ou trabalha na limpeza de hotéis e restaurantes, são, em sua maioria, imigrantes. Sem eles, a economia trava
Enquanto países como os Estados Unidos conseguem substituir parte da mão de obra por mecanização, Portugal, devido ao pequeno porte de suas propriedades agrícolas, não dispõe dessa flexibilidade.
"A mecanização aqui é limitada, então a mão de obra humana é essencial", afirmou.
Em viagem à Flórida, em agosto, Gutman vivenciou os efeitos de políticas anti-imigração adotadas pelo governador Ron DeSantis.
"Os parques da Disney, por exemplo, estão operando com dificuldades devido à falta de funcionários. Restaurantes e lanchonetes não conseguem manter o quadro mínimo de atendentes", contou.
O colapso em serviços essenciais são um reflexo direto de políticas que restringem a entrada de imigrantes, comprometendo setores econômicos inteiros.
"É um discurso para agradar às massas, mas que vai contra o motor econômico do país", disse o advogado.
Populismo em Portugal é uma ameaça contida?
Ainda que reconheça a disseminação de discursos populistas em Portugal, Gutman acredita que o país tem características que o tornam menos suscetível a extremos como os vividos nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde o brexit trouxe consequências severas.
"A força econômica de Portugal entende que a imigração é necessária. Bancos, vinícolas e indústrias sabem que sem imigrantes haverá prejuízos econômicos", argumentou.
E mesmo que o Chega explore a narrativa contrária aos imigrantes, o advogado acredita que os principais partidos políticos, como PS e PSD, mantêm uma posição favorável à imigração, conscientes de sua importância estratégica.
"Há uma parcela minoritária que alimenta discursos xenófobos, mas ela não é dominante e, economicamente, é insustentável", disse.
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