Manifestantes exibem cartazes na manifestação convocada por cerca de 20 organizações de apoio ao imigrante e de defesa dos Direitos Humanos. Lisboa, 16 de dezembro de 2022. Crédito: Miguel A. Lopes, Agência Lusa

Manifestantes exibem cartazes na manifestação convocada por cerca de 20 organizações de apoio ao imigrante e de defesa dos Direitos Humanos. Lisboa, 16 de dezembro de 2022. Crédito: Miguel A. Lopes, Agência Lusa

Criminalizar a residência irregular é inconstitucional, diz pesquisador

Proposta consta no programa eleitoral do Chega, que segundo professor Pedro Góis tem mais medidas inviáveis

16/02/2024 às 12:18 | 4 min de leitura
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Os grupos políticos que disputam as eleições legislativas no próximo dia 10 de março expuseram em seus programas eleitorais —disponíveis nas páginas dos partidos— quais são as propostas que têm para a imigração no país. A mais reativa à chegada de estrangeiros é a do partido Chega, liderado por André Ventura. 

Reproduzindo conceitos de extrema direita, a sigla quer, entre outras iniciativas, criminalizar a residência irregular, acabar com a autorização de residência automática a imigrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e "impedir o avanço do fundamentalismo islâmico".

Conversei com o professor de Economia e pesquisador da Universidade de Coimbra Pedro Góis sobre o tema. Numa entrevista anterior, o docente já havia deixado claro que refuta que aos imigrantes seja atribuída culpa por más decisões políticas em Portugal. 

Mas tratando especificamente do programa do Chega, o professor diz que criminalizar a residência irregular é inconstitucional e outras medidas do partido de André Ventura são inviáveis politicamente.     

"A proposta do chega de criar um crime de residência ilegal em Portugal, simplesmente não é possivel constitucionalmente. Ninguém pode ser discriminado em função da sua origem, nacionalidade, raça, etnia etc. Constitucionalmente, este crime de residência ilegal, com esta formulação, não seria possível diante da Constituição atual. E não parece-me que haja possibilidade de alterar a Constituição, afirmou. 

PROPOSTAS: O que pensam os candidatos sobre imigração

Revogação de acordo de mobilidade da CPLP

Outro ponto controverso do programa eleitoral trata da revogação do acordo de mobilidade entre países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O grupo é composto por nove Estados-membros, com populações que se unem pelo português. São: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. 

Assinado em 17 de julho de 2021 em Luanda, Angola, o acordo de mobilidade criou um sistema pensado para facilitar o deslocamento entre cidadãos dos países membros da CPLP. Assim, ficou estabelecido que o sistema teria três modalidades de visto: estadia de curta duração, estadia temporária e residência.

"A revogação do acordo de mobilidade da CPLP, que é uma das outras propostas [do Chega], também não faz sentido. Uma vez que Portugal e os outros países da CPLP acordaram nesta mobilidade, demoraram anos de negociações diplomáticas para chegar a um consenso que beneficia a todos", afirmou Góis. 

Pedro Góis, professor da Universidade de Coimbra e pesquisador sobre fenômeno da migração

Tem razão o professor quando menciona o tempo que levou para se fechar o pacto de mobilidade. O Decreto nº 11.156, do governo brasileiro, assinado em 29 de julho de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro, registra que as conversas por um acordo dessa natureza iniciaram em 2002. Ou seja, foram duas décadas de debates até que se chegasse a um denominador comum sobre a mobilidade entre países da CPLP. 

Dezesseis anos mais tarde, na Cimeira (ou Cúpula) de Santa Maria, em 2018, os chefes de Estado e de governo da CPLP reafirmaram que "a mobilidade e a circulação no espaço da CPLP constituem um instrumento essencial para o aprofundamento da Comunidade e a progressiva construção de uma cidadania da CPLP". 

Então perguntei ao professor por que o Chega resolveu colocar em alça de mira um acordo que levou duas décadas para ser fechado.  

"Porque uma parte substancial da imigraçao em Portugal provem de países da CPLP. E [essa proposta de revogação] vai num caminho errado. Porque este acordo é sempre multilateral e multidirecional. Tanto beneficia os angolanos que vem para Portugal, como os portugueses que vão para Angola. Os brasileiros que vem para Portugal, como os portugueses que vão para o Brasil. Portanto, há aqui benefícios mútuos em diferentes áreas que faz sentido que, ao fim de vários anos de negociação e expansão desta ideia do que poderá ser a CPLP, não seja destruída porque apenas um partido populista teve mais um par de votos", disse.

Em resumo, o professor não acredita que essa e outras propostas do Chega possam ser postas em prática —e muito menos que sejam postas em prática rapidamente. Para ele, a imigração é um fenômeno "demasiado complexo" para ser solucionado com "duas penadas" (canetadas).  

A BRASIL JÁ solicitou uma entrevista sobre o assunto ao secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa. 

Por e-mail, na quarta (14), foi informado pela assessoria de comunicação da Comunidade que Costa "não comenta posições políticas de candidatos a cargos representativos". 

Quotas de imigração e mercado de trabalho

O Chega também anota no programa eleitoral que pretende criar quotas anuais de imigração, segmentando os imigrantes por "qualificações" e mirando as “necessidades da economia portuguesa em absorver homens e mulheres que queiram viver e trabalhar em Portugal". 

O professor Pedro Góis não discorda totalmente da proposta, mas lembra que algo parecido já foi feito no país, no início dos anos 2000, e que não deu certo. 

"Já tivemos uma coisa parecida com quotas, que havia uma previsão de um contingente possível para poder ser preenchido com mão de obra imigrante. Tivemos isto durante varios anos, talvez 2003, 2004, mas nunca funcionou. Na prática, não funcionou."

Segundo o docente, foram vários os motivos que inviabilizaram a ideia. O primeiro foi uma desarticulação entre a procura do mercado de trabalho e as quotas que eram disponibilizadas. 

"Um exemplo: no primeiro ano das quotas, precisaríamos de um pouco menos de 20 mil pessoas e, neste ano, chegaram mais de 100 mil [a Portugal], e todas tiveram lugar no mercado de trabalho. A planificação não era perfeita. Isso aconteceu entre 2000 e 2003, com a chegada de muitos imigrantes da Europa do leste", disse.  

É nesse sentido que Góis indica que a regulação do número de estrangeiros que chegam para ficar em Portugal é feita pelo próprio mercado de trabalho. 

"O mercado de trabalho em expansão vai necessitar de mais mão de obra. E essa mão de obra vai chegar de fora do país. E um mercado de trabalho em contração vai dar o sinal de que a imigração deve diminuir ou cessar. No passado isso aconteceu, e vai continuar a acontecer. Estou muito mais preocupado com as questões da integração, dos que ja estão em Portugal, do que este fluxo migratório, que ainda é elevado porque a economia portuguesa esta a crescer", afirmou.


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