Manifestação em defesa de Claudia Simões em 2020 Crédito: Manuel de Almeida, Lusa

Manifestação em defesa de Claudia Simões em 2020 Crédito: Manuel de Almeida, Lusa

Cláudia Simões: Ministério Público pede absolvição de policiais e cita 'exagero' da cozinheira

Julgamento foi adiado para junho, com demandas por indenizações e condenações de agentes

22/05/2024 às 14:29

A procuradora do Ministério Público Maria do Rosário Pires pediu à Justiça que absolva o policial Carlos Canha e outros dois agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) acusados de terem agredido a cozinheira Cláudia Simões. O caso aconteceu em 2020 e ganhou notoriedade pelo cunho racista e violência do ataque.

O pedido do MP foi feito em audiência nesta quarta (22), com o argumento que os policiais Carlos Canha, João Gouveia e Fernando Rodrigues agiram em conformidade com suas funções e que não existem provas suficientes para condená-los pela agressão.

Ao adotar a versão da defesa do agente da PSP, a procuradora afirmou que a atitude de Cláudia Simões no tribunal foi “arrogante” e “exagerada”, e que o comportamento dela na sala de audiência indica o que “terá acontecido no dia 19 de janeiro”. 

Pires não explicou o que, segundo o MP, "terá acontecido".

No entanto, o Ministério Público pede a condenação de Carlos Canha por agredir duas testemunhas —Ricardo Botelho e Quintino Gomes— dentro da esquadra (seria espécie de delegacia). Os dois viram a ação de Canha contra Cláudia Simões.

A defesa de Cláudia Simões pediu a condenação de todos os agentes envolvidos e uma indenização de duzentos mil euros por danos físicos e morais, além de 450 euros por danos patrimoniais.

Perplexidade da defesa

A advogada Ana Cristina Domingos disse à BRASIL JÁ estar "perplexa" com a justificativa do MP e que o resultado foi contra todas as suas expectativas. 

"Basicamente, e contra todas as nossas expectativas, contra a prova que existe no processo, contra a prova que foi produzida em julgamento e contra os exames médicos, o Ministério Público entendeu que os arguidos não tinham cometido o crime de ofensa à integridade física da Cláudia Simões", afirmou a advogada.

Em relação à Cláudia Simões, processada por ofensa à integridade física do policial ao ter mordido a mão de Canha enquanto era sufocada e imobilizada no chão, a posição do Ministério Público foi vaga e os advogados não souberam explicar qual foi o desfecho: "Ficou em aberto". 

Procurados pela reportagem durante a audiência desta quarta, os agentes da PSP Carlos Canha, João Gouveia e Fernando Rodrigues disseram que não prestariam nenhuma declaração à imprensa até o fim do processo.

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O desfecho do caso, marcado por complexas alegações de racismo e abuso de poder, aguarda uma decisão judicial. O julgamento foi adiado para o dia 19 de junho, às 11 horas, após a juíza interromper as alegações dos advogados de defesa dos agentes devido à falta de tempo.

Carlos Canha enfrenta acusações por três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um por abuso de poder e outro por injúria agravada, envolvendo Cláudia Simões e outras duas vítimas.

Cláudia, por sua vez, está sendo julgada por ofensa à integridade física após morder o agente Canha durante sua detenção.

Os agentes Fernando Luís Pereira Rodrigues e João Carlos Cardoso Neto Gouveia também são acusados pelo Ministério Público de abuso de poder e por não terem impedido as agressões contra Simões.

O que dizem os envolvidos

A Procuradora do Ministério Público pediu a absolvição do policial Carlos Alberto Nascimento Canha argumentando que ele agiu conforme o exercício de suas funções. 

Ao adotar a versão da defesa do agente da PSP, o MP alega que a atitude de Cláudia em tribunal foi “arrogante” e “exagerada” e que o comportamento dela na sala de audiência indica o que “terá acontecido no dia 19 de janeiro”. A procuradora não explicou, segundo sua interpretação, o que "terá acontecido".

O Ministério Público quer que os agentes sejam condenados pelas agressões dentro da esquadra contra as testemunhas Ricardo Botelho e Quintino Gomes.

A defesa de Cláudia Simões pediu a condenação de Carlos Canha, citando os crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada.

Durante a audiência, os advogados detalharam as agressões sofridas por Cláudia, descrevendo-a como "brutalmente espancada".

Os juristas lembraram o testemunho de Ricardo Botelho, um jovem de 27 anos que inicialmente foi forçado pelos policiais a depor contra Cláudia. 

Conflito de versões

Em tribunal, Ricardo Botelh desmentiu seu depoimento anterior, alegando que foi ameaçado pelos agentes. Ele afirmou que, por estar em liberdade condicional, sentiu medo e por isso confirmou a versão imposta pelos policiais na esquadra.

A defesa também destacou que Carlos Canha não mostrou arrependimento por suas ações. 

Além disso, acusou os outros dois policiais, Fernando Luís Pereira Rodrigues e João Carlos Cardoso Neto Gouveia, de não terem prestado qualquer assistência a Cláudia e de se recusarem a prestar depoimentos sobre o caso, argumentando que eles também devem ser responsabilizados.

Durante a audiência, a defesa de Cláudia Simões apresentou um laudo médico detalhando os ferimentos sofridos por ela, incluindo traumatismo cranioencefálico, lesões no crânio e na face, hematomas, escoriações, edemas, fraturas na unha e imobilidade no ombro, além de ferimentos nas pernas. 

O relatório foi usado para contestar as alegações dos policiais, afirmando que não são compatíveis com os exames médicos.

A defesa destacou que Cláudia sofreu graves lesões que a impossibilitaram de trabalhar por dez dias, e que a violência contra ela justifica uma condenação exemplar dos agentes. 

Além disso, foi mencionada a constatação de ferimentos na cabeça devido ao arranque de cabelos, conforme registrado pela médica perita em medicina legal três dias após a agressão.

No depoimento lido pela procuradora, o marido de Cláudia Simões, Victor Almada, disse que ouviu Carlos Canha falar que tentou, mas não conseguiu arrancar-lhes os dentes todos.

Caso Cláudia Simões

A agressão contra a cozinheira aconteceu em 2020 dentro de um ônibus da empresa Vimeca, na Amadora. Ao perceber que a filha de Cláudia, na época com sete anos, esquecera o bilhete do ônibus em casa, o motorista do coletivo impediu que ambas seguissem viagem. 

O motorista também acionou o policial Carlos Canha, que passava pela rua. A brutalidade da abordagem a Cláudia, hoje com 46 anos, deixou marcas de espancamento na mulher. As fotos foram exibidas em jornais. 

Cláudia Simões antes e depois das agressões. Crédito: Arquivo Pessoal


Num primeiro depoimento, Simões relatou ter sido obrigada a se sentar no ponto de ônibus, onde foi agredida com um tapa nas mãos e estrangulada. Depois de chutes e socos durante a abordagem, ela admite: “foi aí que lhe mordi a mão [do agente]”. 

A cozinheira seguiu o relato contando que, depois de ser algemada, foi empurrada com força para dentro da viatura. “Quando a carrinha arrancou, começou a bater-me muito”, disse. “Fecharam o vidro e meteram música. Chamaram-me nomes: puta, vaca, macaca, preta do caralho...”, acrescentou no depoimento.

Os três agentes das forças de segurança negam todas as acusações. Carlos alega ter utilizado de força meramente necessária para prender Cláudia. Laudo do Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), onde Cláudia Simões foi atendida no dia 19 de janeiro de 2020, descreve que a ela teve a “face deformada por hematomas extensos”. 

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