Enoir Oliveira Luz, o Juca

Enoir Oliveira Luz, o Juca

'O 25 de Abril foi a liberdade de todos os povos, até para nós no Brasil'

Enoir Oliveira Luz, o Juca, foi perseguido pela ditadura militar no Brasil e fugiu para Portugal, onde viveu a Revolução dos Cravos

25/04/2024 às 10:13 | 3 min de leitura
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Enoir Oliveira Luz é um mecânico torneiro de 85 anos. Entre os anos de 1950 e 1972, atuou como dirigente sindical em Caxias do Sul, no Brasil, sua cidade natal. Quem o conhece é unânime em dizer que ele teve a vida dedicada à luta dos trabalhadores, à independência dos povos, à paz e ao fim das desigualdades. 

Conhecido como Juca, o gaúcho conta que muito jovem ganhou consciência política ao ler os jornais com o seu avô. Mais velho, ele entrou para o Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e se tornou militante do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, também conhecido como Partidão. 

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Juca teve que fugir do Brasil em 1982, quando sofria perseguição da ditadura brasileira por lutar por democracia. Saiu com sua esposa, ficou cinco anos sem ver os filhos e familiares e fez de Portugal, após a Revolução dos Cravos, a sua casa e o seu espaço de luta. 

Fez de Lisboa uma base de comunistas brasileiros que precisavam sair do Brasil, fazia denúncias internacionais contra a ditadura brasileira e lutava junto de outros povos. 

Confira trechos da entrevista: 

Onde você estava no dia 25 de abril de 1974? 

Moscou. Recebemos a notícia no mesmo dia através de um telex [sistema de comunicação entre uma máquina de escrever e uma rede telefônica]. Como tínhamos um rádio e um telex, recebemos que tinha efetivado em Portugal, na madrugada, o 25 de Abril, e que as Forças Armadas tinham derrubado o governo. 

Inclusive já tinham prendido o Marcello Caetano. Eu estava com mais três portugueses. Eles naquele momento não acreditavam, e ficaram esperando que fosse confirmada a notícia enquanto nós já festejávamos. 

Três dias depois, chegou a notícia que confirmava que os militares tinham prendido o Marcello Caetano. Comemoramos todos, brasileiros, chilenos, argentinos, uruguaios, angolanos, moçambicanos, todos em festa em Moscou. 

Você já conhecia Portugal? Ou só conheceu depois da revolução? 

Eu vim a Portugal em setembro de 1975, a convite da Intersindical [Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses] para fazermos uma campanha de solidariedade com os presos políticos do Brasil, porque em 1975 houve realmente muitas prisões e desaparecimentos de pessoas. 

Então através da Federação Internacional dos Sindicatos, em Praga, nós criamos condição para ter um movimento de denúncia dos que estavam presos, os que estavam sendo torturados, inclusive consegui fazer com que alguns saíssem do Brasil, para escapar da ditadura. Porque aqui tinha caído uma ditadura. 

O que o 25 de Abril representou para o mundo? 

Representou uma libertação não só de Portugal, mas também de outros países que sofriam com golpes ditatoriais, como Moçambique, Angola, África do Sul, Brasil, porque nós também tínhamos portugueses exilados no Brasil. Era um sentido de respirar, porque tinha havido o golpe do Chile, nós tínhamos camaradas em Moscou que eram chilenos. 

Eu conheci o [Luís] Corvalán [dirigente histórico do Partido Comunista Chileno] em Moscou. Havia uruguaios que também estavam exilados, a América do Sul sofria muito com a repressão, então, o 25 de Abril representava a libertação desses povos também, não só de Portugal. Essa abertura também nos permitiu sair. 

No dia em que eu cheguei na França, nessa mesma viagem que passei em Portugal, ficamos sabendo da morte do Vladimir Herzog [diretor de jornalismo da TV Cultura em São Paulo, morto nos porões da ditatura brasileira], que ele tinha se enforcado com o cinto, se suicidado, uma montagem malfeita dos seus torturadores. 

Isso foi o indício de que o governo podia estar matando mais. Agora passados sessenta anos, a gente sabe, por meio do governo americano, de que houve uma reunião com os militares do Brasil e que não era para prender mais, era para matar mesmo. Eu estou aqui porque eu saí do país. 

Nesse momento, Juca, você fazia um trabalho não só para o Partido Comunista Brasileiro, mas também para o movimento sindical, pela democracia? 

Eu trabalhava em defesa de todos os presos políticos, inclusive com apoio da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Isso ajudou muito a começar a ter uma abertura, embora tenha levado mais de dez anos. Mesmo assim, até hoje a gente sente, porque passaram sessenta anos e muita gente não conhece bem a história do Brasil. Não conhece o que é ser torturado, o que é ser preso.

Depois de cinquenta anos, os trabalhadores continuam em luta em Portugal, o que ficou do 25 de Abril? 

A única coisa que ficou, além da lembrança daqueles que estão aqui hoje, passados cinquenta anos, é que a luta continua. Uma coisa que eles ainda não conseguiram rasgar foi a Constituição portuguesa. Na Constituição está lá escrito: o direito ao trabalho, mas a gente sabe que nem todo mundo tem acesso ao seu direito; está o direito à habitação, mas nem todo mundo consegue um lugar para morar; está lá o direito à saúde, mas nem todo mundo consegue o acesso à saúde. 

Eles dizem que o povo tem liberdade de escolha, que escolhe entre o privado e o público, mas se não for no Sistema Nacional de Saúde, o SNS, não existe saúde, porque a pessoa não tem dinheiro para comprar remédios. 

Eles querem que o Estado financie o privado, eles querem manobrar o Estado, que o orçamento seja pró-privado e não pró-público. Querem o voto do público, para beneficiar o privado. Está na hora de mudar a política. Um acordo mundial para acabar com a exploração. Acabar com a apropriação dos bens de cada país. Cada país tem que ter sua autonomia, isso eles não aceitam. Tanto não aceitam que eles derrubam governos. 

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