“Sei que há léguas a nos separar. Tanto mar, tanto mar. Sei também quanto é preciso, pá. Navegar, navegar.”
Esse é um trecho da canção "Tanto Mar", de Chico Buarque, sucesso em Portugal e tida como um hino de liberdade, sempre relembrada nos festejos de 25 de Abril.
"Tanto Mar" fala de distância, mas as ondas do rádio cruzam oceanos e fronteiras. Além das nossas canções, a Rádio Pública Portuguesa inclui na programação conteúdos sobre a cultura brasileira — um espaço de integração cada vez maior, que hoje conta com ao menos dois podcasts dedicados.
À frente da empreitada está o jornalista e diretor da Antena 1, Nuno Galopim, que nos contou a trajetória da programação iniciada nas comemorações dos 200 anos da independência do Brasil, celebrados em 7 de setembro de 2022.
Ele disse que a ideia inicial era estabelecer um projeto digital, uma espécie de laboratório, para, durante um ano, trabalhar as relações entre Portugal e o Brasil na cultura.
A rádio quis transcender a música para criar uma programação que tinha como primeiro objetivo falar ao brasileiro que vive em Portugal —e, claro, também se comunicar com o português que se interessa pela cultura do Brasil.
O lema de então era "Dois séculos a unir duas culturas". Para o diretor da Antena 1, que estreou no rádio há 35 anos, a rádio pública tem que traduzir a realidade da sociedade portuguesa:
Acho que faz sentido que, se já temos uma RDP África —que estabeleceu as relações com os países africanos de língua portuguesa através da Antena 1—, vamos fazer isso também com essa comunidade brasileira gigante que está aqui.
No fluxo inverso, o executivo afirma que os acadêmicos que estudam o português do outro lado do Atlântico sempre se utilizaram e estudaram muito a literatura portuguesa, com livros de Fernando Pessoa e outros autores.
Agora, para Galopim, faltava seguir o exemplo no âmbito da nova cultura popular. E a melhor forma de concretizar isso, disse ele, é pela música. Carminho e António Zambujo são exemplos de cantores que exportam suas canções para o Brasil.
Da literatura ao rádio
Uma das atrações da programação é o “Cinco à Quinta”, que tem o paulista Rafael Gallo como um dos apresentadores. Gallo é escritor e venceu, em 2022, o Prêmio Literário José Saramago com sua obra “Dor Fantasma”.
O programa da Antena 1 que ele comanda, sempre às quintas, propõe pensar e refletir sobre temas que dizem respeito a todos.
Um dos destaques que mais o marcaram foi uma entrevista com o músico Rodrigo Amarante, na qual falaram sobre o processo criativo e os caminhos para se chegar a uma canção.
Gallo brinca que o programa tem servido como uma desculpa para conversar com pessoas que admira e que, para ele, até agora essa admiração só tem aumentado com as conversas.
O programa conta com apresentadores e apresentadoras de diferentes origens, nacionalidades e gêneros —mais mulheres do que homens— vindos de diversas áreas de atuação.
O autor e apresentador brasileiro contou que não acreditava que levaria o renomado Prêmio José Saramago. Com a conquista, disse, decidiu que se mudaria para cá e retomou a aposta na carreira que, antes, pensava em abandonar.
Atualmente, Gallo divide seu tempo também com um doutorado na área. Para ele, o espaço no rádio para a cultura brasileira, especialmente na emissora pública portuguesa, é relevante, mas não está livre de desafios.
“Há muita gente em Portugal aberta à cultura brasileira, à língua no modo brasileiro e a tudo que envolve nossa nacionalidade. Mas também há muita gente avessa ao português brasileiro. E acho que isso se relaciona, em parte, à falta de hábito."
E a falta de hábito, crê Rafael, pode ser mudada tornando próximo o que antes era distante.
Um sotaque que raramente é ouvido pode parecer forasteiro, mas um sotaque ouvido de perto muitas vezes passa a ser familiar. Eu acredito que podemos ser familiares uns aos outros se não nos fecharmos. E acredito que os dois lados ganham mais do mundo com isso.
Middea como anfitrião de podcast
Outro brasileiro na programação é Léo Middea, cantor e compositor carioca que encarou o desafio de ser o anfitrião do podcast “Tem café, tem conversa”. O artista disse que o formato é algo novo para ele, mas que abraçou a oportunidade com entusiasmo:
Fico muito feliz com esse momento e esse espaço que a Antena 1 está oferecendo pra gente. Estou me divertindo muito fazendo e espero que o público curta também.
Para o diretor Nuno Galopim, o Brasil é a capital mundial da diversidade, característica que ele exalta como sendo "a maior riqueza do ser humano". "Se formos todos iguais, é um rebanho, não uma sociedade", opinou.
Na mesma linha, foi o presidente da Rádio e TV Pública Portuguesa, Nicolau Santos, acrescentou que a emissora pública precisa ter esse compromisso com a pluralidade.
“Nós promovemos, durante o ano inteiro, inúmeros — eu diria que são centenas — espetáculos, quer na rádio, quer na televisão, de músicos portugueses, mas também de músicos brasileiros que estão em Portugal, e músicos cabo-verdianos."
O presidente lembra que Léo Middea chegou à final do último Festival da Canção. Aliás, para Santos, o brasileiro merecia a vitória.
"Eu penso que devia ter ganho, mas isso é outra história, não era júri", disse ele, com um sorriso no rosto.
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