Locais são apontados nos serviços privados e públicos, respectivamente, como os de maior destaque onde imigrantes sofreram xenofobia, diz estudo. Crédito: António Pedro Santos/Lusa
Imigrantes sofrem xenofobia principalmente em restaurantes e centros de saúde, indica pesquisa
Para além dos espaços físicos, é na internet que estrangeiros residentes em Portugal notam mais a discriminação
Centros de saúde e restaurantes de Portugal são os locais onde imigrantes mais lidam com discurso de ódio no país, segundo relatório "Discurso de ódio e imigração em Portugal".
O documento é resultado da quinta edição do projeto "Migramyths - Desmistificando a Imigração", uma iniciativa da Casa do Brasil de Lisboa.
Disponibilizado à BRASIL JÁ, o levantamento informa que no que diz respeito ao discurso de ódio offline, ou seja, em espaços físicos, a maioria das pessoas que participou do levantamento respondeu ter sofrido xenofobia nos serviços públicos (15,6%).
A maior parte relatou ter sido alvo de discriminação em centros de saúde (15,2%), depois universidades (12,8%), hospitais (12,2%), transportes (10%) e nos balcões da Autoridade Tributária e Aduaneira, as chamadas Finanças (9,5%).
Nesse contexto, uma nova resolução aprovada na Assembleia da República deve dificultar ainda mais a vida dos imigrantes indocumentados em Portugal, o que deve agravar os casos de xenofobia em unidades de saúde.
Em dezembro o Parlamento aprovou uma texto prevendo que o atendimento gratuito para migrantes em situação irregular e cidadãos estrangeiros não residentes sofrerá restrições.
No que diz respeito aos serviços privados, a restauração [serviço de restaurantes] (22,8%) é o principal lugar onde as pessoas migrantes sofreram discurso de ódio.
Aparecem, ainda, o comércio (16%), supermercados (15,6%), imobiliárias (10,3%) e bancos (9,1%) nas cinco primeiras posições.
Ao todo, 32,4% dos estrangeiros notam esse tipo de discurso nas redes, especialmente no Facebook, Instagram e X/Twitter.
Como foi feita a pesquisa
A pesquisa foi realizada por meio de formulário online, distribuído entre maio e agosto de 2024, contando com participantes de diversas regiões do país.
A maioria dos que responderam às perguntas é brasileira (83,6%) e vive em Lisboa (55,3%).
Mas também houve respostas de Setúbal (12,6%) e Porto (10,7%). O perfil predominante é mulher (74,4%), branca (63,7%), com idade entre 35 e 39 anos (19,1%) e ensino superior completo (88,6%).
Ao todo, 262 pessoas responderam às perguntas, um número duas vezes maior dos que responderam à pesquisa anterior, realizada em 2021.
Os resultados indicam que 75,4% dos participantes relataram já ter sido alvo de algum tipo de discurso de ódio, a maioria (66%) brasileiros.
O projeto tem como objetivo combater a desinformação sobre migração e as comunidades migrantes em Portugal, enfrentar o discurso de ódio e sensibilizar a sociedade sobre as contribuições positivas dos imigrantes.
Também quer desconstruir mitos e valorizar as trajetórias migrantes por meio de materiais informativos, campanhas de rua e debates.
Outras conclusões
Os dados do relatório também apontam para uma percepção crescente de agravamento do discurso de ódio em Portugal. A maioria dos inquiridos concorda que o discurso de ódio contra migrantes tem aumentado, tanto online quanto offline, e que se tornou mais violento.
Além disso, a pesquisa revelou que discursos políticos anti-imigração são vistos como catalisadores de violência e crimes de ódio contra migrantes. Há também uma percepção predominante de crescimento dos movimentos de extrema direita no país.
Um dos relatos dentre os vários coletados no estudo ilustra as experiências vividas pelos imigrantes.
Na universidade, ouvi que os brasileiros eram ‘burros’ e que não tínhamos base para estar aqui a estudar e falamos o português errado. No hospital e centro de saúde, ouvi que as brasileiras, angolanas e moçambicanas roubam maridos e trazem doenças para Portugal, incluindo a Aids.
O mesmo é sentido pelos imigrantes que são empregados de mesa, termo usado para garçonetes e garçons em Portugal, área que recebe grande fluxo de pessoas estrangeiras.
Sem se identificar, uma garçonete brasileira disse que já vivenciou o discurso de ódio.
À BRASIL JÁ, ela contou que, ao abordar uma mesa com quatro clientes, percebeu a má vontade.
"Mal respondiam às minhas perguntas sobre qual seriam as comidas, as bebidas... Mal olhavam na minha cara", disse ela.
Em dado momento, responderam que ela deveria dirigir-se a um dos colegas que trabalhava há mais tempo no local, porque ele já sabia o que queriam pedir, e recusaram ser atendidos por ela.
Ao virar as costas, ouviu comentários de que não queriam responder a brasileiros. Em seguida, uma outra colega da garçonete, também brasileira, tentou seguir com o atendimento e não conseguiu. O grupo só foi atendido por portugueses.
Muitas vezes, casos como esses (ou mais graves) não são denunciados.
O estudo também destaca que em Portugal, como em outros países, a maior parte dos episódios não resulta em denúncias e raramente chega aos tribunais, especialmente os que ocorrem no ambiente online.
Segundo a pesquisa, 76% das vítimas de discurso de ódio responderam que não denunciaram os episódios vivenciados.
Perspectivas
Ana Paula Costa, autora do estudo e presidente da Casa do Brasil de Lisboa, conta que o próximo passo é enviar o material para o governo, grupos parlamentares, representação da comunidade estrangeira em Portugal e outras associações.
Os relatórios são sempre uma forma de chamar atenção das autoridades e da sociedade em geral para o problema do discurso de ódio e de como afeta a vida e os direitos das pessoas migrantes. Além disso, chama atenção para a necessidade de se criar mecanismos de combate e maior amparo para as vítimas, seja do ponto de vista legal ou do acolhimento de quem denuncia, resume Costa.
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