O tema regularização, que tanto impõe sofrimento aos migrantes brasileiros, estará sobre a mesa da Cimeira Brasil-Portugal, marcada para o dia 19 deste mês, em Brasília. Autoridades de ambos países vão participar do encontro, realizado pela última vez em 2023.
Apurou a BRASIL JÁ junto a fonte na diplomacia brasileira que participa dos preparativos da cimeira que a regularização em Portugal é, sim, interpretado como um problema que afeta a muitos cidadãos do Brasil. E numa área em que o uso de cada palavra requer um cálculo fino, a opção pelo uso do substantivo "problema" não pode ser desprezada.
Isso se deve a que a regularização nunca foi algo simples em Portugal. Nem com o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o SEF, nem com a atual agência que cuida de migrações e asilo, a Aima.
Não só a obtenção de novos títulos, como também a renovação das famigeradas autorizações de residência são procedimentos confusos e, sobretudo, burocráticos.
É nesse contexto que a fonte na diplomacia brasileira disse à reportagem que a regularização é encarada como um problema pelo Brasil. A má notícia, porém, é que o entendimento entre os servidores do Ministério das Relações Exteriores é que a questão foge à alçada das autoridades brasileiras.
Isto é, para os diplomatas brasileiros, a bola está com o governo português, que tem levado a cabo ações que teoricamente servem para mitigar as pendências na Aima.
O "teoricamente" se explica porque, por um lado, o Executivo implementou forças-tarefa para reduzir a fila de processos, mas, por outro, promoveu o desmonte do Observatório das Migrações, entidade que levantava dados sobre o tema.
Tal qual lembrou a ex-diretora do observatório Catarina Reis à BRASIL JÁ, sem as informações e os dados, a política pública fica às cegas. É nesse interím que associações que acompanham o tema e os próprios imigrantes continuam incrédulos com as medidas do governo.
E uma das decisões mais criticadas foi a extinção, em junho do ano passado, da manifestação de interesse, uma ferramenta prevista em lei que possibilitava a quem entrasse como turista permanecer em Portugal. Pois o governo de Luís Montenegro extinguiu essa possibilidade sem titubear.
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As críticas ao ato não dobraram a vontade do Palácio de Belém, que segue inflexível sobre a volta da manifestação. O resguardo de brasileiros e cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a CPLP, foi a garantia de que o acordo de mobilidade seria respeitado.
Em tese, cidadãos CPLP podem entrar em Portugal e, já em solo português, requerer o título de residência da comunidade.
Além do Brasil e de Portugal, fazem parte da CPLP Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Mesmo assim, atualmente brasileiros têm enfrentado um controle mais rígido quando estão prestes a embarcar para Portugal. Ainda em solo nacional, companhias aéreas no Brasil exigem que se apresente a autorização de residência, principalmente para os que têm passagem só de ida —um procedimento que não era comum.
Também não está nada fácil para brasileiros optam pelos vistos acreditando que evitarão dores de cabeça. O atraso na emissão é crônico e fez desencadear protestos em consulados no Brasil. O governo português prometeu reforçar o atendimento, mas a espera para os que planejaram mudar de país segue sendo angustiante.
O que o governo brasileiro pode fazer
Afirma a Lusa —também com base em declaração de fonte na diplomacia do Brasil— que cerca de vinte acordos, em diferentes áreas, serão assinados no âmbito da cimeira. Sabe a BRASIL JÁ que no contexto de migrações o Executivo brasileiro avalia ter pouca margem de manobra.
Disse a fonte bem posicionada sobre o assunto à reportagem que o respeito ao acordo de mobilidade na CPLP traz certo alívio e os diplomatas esperam que com isso as questões referentes ao tema fiquem pacificadas.
"O que a gente pede, obviamente, é uma preocupação com os casos mais antigos [de regularização]", disse a fonte.
Por isso, a estratégia da diplomacia é fazer lembrar Portugal do Tratado de Porto Seguro, de 22 de abril de 2000. Há quase 25 anos, o acordo bilateral entre os países estipulou que a cidadãos das nações é conferida a igualdade de direitos e deveres, um instrumento que deve ser requerido pelos interessados.
Com isso, o que se pede desde a representação do Brasil é a observação do estatuto, especialmente para os brasileiros que estão esgrimando contra a burocracia da administração pública portuguesa.
A cimeira
A 14ª Cimeira Brasil-Portugal está marcada para 19 de fevereiro, em Brasília. No dia anterior, visita o Brasil o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que também passará por Recife, onde vai receber um título honoris causa.
O evento em Brasília vai seguir o modelo da edição anterior, realizada em Lisboa, em 2023, quando foram assinados treze acordos. Haverá um encontro bilateral entre o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e reuniões ministeriais.
Ainda em Brasília, no Palácio do Planalto, será entregue o Prémio Camões à escritora Adélia Prado.