Casa Branca divulgou fotos de imigrantes sendo deportados em avião militar. Crédito: Casa Branca, Divulgação

Casa Branca divulgou fotos de imigrantes sendo deportados em avião militar. Crédito: Casa Branca, Divulgação

O fim do sonho americano

Joana (nome fictício) vive indocumentada nos Estados Unidos e relata o medo constante de ser presa e deportada

10/02/2025 às 10:54 | 3 min de leitura | Direitos Humanos
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A voz de Joana (nome fictício) embarga ao telefone. O medo da deportação e a angústia de viver sem estar regularizada a tornaram refém dentro da própria casa. "Não saio mais à rua. Não tenho coragem. Me sinto uma presidiária dentro de casa", diz, com a voz embargada.

Às vezes, chego a pensar que seria melhor estar presa de verdade, porque pelo menos assim eu saberia o que está acontecendo. Aqui, eu vivo à espera do pior, o tempo todo. 

A brasileira, que também tem cidadania portuguesa, mora há dois anos de maneira irregular nos Estados Unidos, ao lado do marido. O sonho americano se iniciou em Boston, onde há uma grande comunidade de brasileiros. Começou limpando escritórios e residências. Ele, mestre de obras, encontrou espaço no setor de construção civil. No início, Joana disse que foi fácil conseguir trabalho porque dispunha de passaporte europeu.

CONTEXTO: As deportações em massa de Trump —e as consequências

"Achava que vinha pra cá pra ter uma vida melhor, ganhar dinheiro e mandar pra família.” 

A volta de Donald Trump à Casa Branca transformou o sonho em pesadelo. Repensando a própria trajetória, Joana diz que mudar de país foi trocar uma dificuldade por outra. Antes, vivia em Portugal, mas não estava satisfeita com a vida que levava.

"O medo aqui [nos Estados Unidos] é pior do que qualquer coisa que vivi no Brasil ou em Portugal", lamenta.

Uma rotina de pavor

Meu maior medo é que ele [o marido] não volte para casa. Cada vez que sai para o trabalho, fico com o coração na mão. Se a imigração [o departamento responsável pela fiscalização] o pegar, pode ser deportado. E eu fico sozinha aqui", teme.

Cada sirene e cada movimento estranho na rua fazem disparar seu coração.

Eu olho pela janela o tempo todo. Parece que estou sendo vigiada, que alguém vai bater na porta e me levar. Meu irmão ficou oito meses preso antes de ser deportado. Oito meses! Como é que eu ia sobreviver a isso?

Um detalhe: o irmão de Joana foi preso durante a gestão Joe Biden. 

Dados do próprio departamento de Imigração e Fiscalização Aduaneira dos Estados Unidos, o ICE, indicam que, nos anos Biden (2021-2024), 9 476 brasileiros foram presos por condenações criminais, acusações pendentes ou outras violações das leis migratórias.

No mesmo período, 1 779 brasileiros foram expulsos do país. Fato é que, sob o governo democrata de Biden, houve mais deportações do que no primeiro mandato de Trump (2017-2021).

Em 2024, mais de 271 mil pessoas foram expulsas dos Estados Unidos, o maior número da década. Com Trump, no entanto, a diferença está no discurso. O presidente incita ódio aos estrangeiros e fez disso uma bandeira na campanha.

Uma de suas promessas foi levar a cabo deportações em massa, espalhando o terror entre imigrantes. Joana confirma que as prisões estão ocorrendo até dentro de igrejas.

Entram nos cultos, arrancam as pessoas e levam presas. Não respeitam ninguém. Nem Deus.

Sem saída

Joana se queixa do silêncio das autoridades brasileiras e portuguesas, embora o governo brasileiro tenha feito comunicados sobre as deportações e manifestado preocupação com a dignidade das pessoas expulsas.

Isso ficou evidente depois que um grupo de brasileiros chegou ao país com pés e mãos algemados. O procedimento já era protocolo das autoridades norte-americanas, mas impactou quem assistiu à cena.

O Ministério das Relações Exteriores disponibiliza no site oficial orientações para brasileiros em situação irregular nos Estados Unidos. Veja aqui todas as recomendações.

Contudo, a mulher se diz frustrada e se queixa, principalmente, da falta de informação. Segundo ela, a embaixada brasileira informou que, por ter nacionalidade portuguesa, Joana precisa buscar apoio junto ao governo português.

E Portugal, nem sei por onde começar... Aqui não conhecemos nada, não sabemos onde procurar ajuda. Estamos à deriva.

O contexto de desinformação amplifica seus medos. "Mesmo com passaporte europeu, estamos em risco. Eles [os agentes do ICE] têm uma meta de deportações por dia e não querem saber se somos portugueses ou não. Se te pegam sem visto americano, te prendem."

As cenas que assiste na televisão só trazem mais aflição. "Outro dia, mostraram um idoso sendo arrastado no chão. Ele gritava que precisava de um remédio e ninguém ouvia. Isso pode acontecer comigo? Se eu for presa, alguém vai me ajudar?", pergunta.

Despedida

A realidade se impôs, e Joana tomou uma decisão. Contou à reportagem que comprou uma passagem para deixar os Estados Unidos em maio. "Não aguento mais viver assim", desabafa.

A filha, que também tem dupla nacionalidade brasileira e portuguesa, teme que sua situação fique indefinida. "Ela [a filha] está esperando um visto, mas com tudo isso não sabemos se vai sair. E se não sair, o que acontece? Ela também vai acabar indocumentada?"

Os dias são sufocantes, e Joana conta os minutos para ir embora. Até lá, viverá escondida.

MAIS: Como a volta de Trump à Casa Branca mexe com o seu bolso e a sua vida

"Se eu tivesse dinheiro, ia embora amanhã mesmo. Aqui não temos segurança, não temos saúde, não temos paz. Chega. Vou voltar para Portugal. Pelo menos lá a gente pode viver sem medo."

Por ora, a janela de casa é seu único contato com o mundo exterior. Ela olha para a rua e sente falta de caminhar sem receio, de ir ao supermercado, à igreja, de levar uma vida normal.

Para ela, portanto, chegou ao fim o sonho americano.

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