Brasileiros que moram em Portugal e participaram das eleições locais, exercendo o direito democrático de voto, conversaram com a BRASIL JÁ e contaram suas impressões sobre o processo eleitoral.
Diferentemente da tecla verde nas urnas eletrônicas brasileiras, uma das principais diferenças é que o voto em Portugal é em papel.
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Os brasileiros que ouvidos pela equipe de reportagem demonstraram estar preocupados com a pauta da imigração e disseram quais são as expectativas que têm com um novo governo.
Confira o que cada um deles comentou sobre suas experiências e perspectivas em relação ao futuro do país.
Organizado e prático (apesar da papelada)
Beatriz Relva, de 31 anos, que trabalha como operadora fabril contou ter sido a segunda vez que vota em Portugal. Suas motivações para ir às urnas foram exercer a cidadania e, disse, cumprir com o dever cívico.
Embora seja em papel e com contagem manual, ela considera o pleito bem organizado e prático. "Levei menos de 5 minutos", afirmou.
A histórica abstenção da população portuguesa em eleições geralmente faz com que as seções fiquem vazias. Neste domingo, no entanto, em alguns locais houve fila, ainda que esta não tenha sido a situação encontrada por Beatriz.
Se por um lado o processo para ela foi prático, as campanhas e exposição de ideias dos candidatos são todo o contrário. "Acho que as campanhas podiam ser mais claras. Muitos nem sabem que é dia de votação", afirmou a brasileira.
Com a iminente formação de um novo governo, a operadora fabril disse que está à espera do melhor, inclusive para os imigrantes. "Foquei mais no partido que preza pelos imigrantes e condições de trabalho e vida aqui em Portuga", afirmou.
Seriedade com o assunto imigração
A advogada Vitoria Valente, 32 anos, também já havia votado em terras lusitanas. O faz, na verdade, desde 2017, quando se mudou para Portugal. Ela disse que acredita no papel fundamental do voto do imigrante e diz que só exercendo o direito o assunto será trado com seriedade.
"Acredito no papel fundamental do voto do imigrante na política. Apenas dessa forma, o assunto será tratado com a seriedade que merece. Além disso, a partir do momento em que você muda para outro país, deve pesquisar sobre a política local e exercer seu poder de voto, se possível. Só assim poderá melhorar suas condições de vida no país", afirmou.
Sobre o sistema de voto em papel, ela disse se sentir um pouco insegura. A advogada considera que as campanhas eleitorais, de forma geral, são menos agressivas que as brasileiras, com propostas mais semelhantes entre os partidos.
"Como o voto não é obrigatório e a polarização não é tão grande, acredito que há menos interesse da população sobre política", opinou.
A expectativa da advogada com um novo governo é alta, principalmente em relaçãoà moradia e à economia.
"Espero que melhore as condições de moradia, melhore a economia do país, mais atenção e condições mais dignas aos imigrantes e menos morosidade das burocracias", torceu. Estas, inclusive, foram as principais pautas que Vitoria ficou de olho na hora de votar.
Foco na administração pública
O empresário Paulo Ventura, de 49 anos, é um veterano nas eleições portuguesas. Já participou como eleitor em quatro corridas. Fundamentalmente, o faz para exercer o direito de cidadão e disse que, desta vez, foi às urnas esperando uma melhor administração pública.
A papelada na hora de votar não o desanimou. Ele disse que, "apesar de ainda ser manual, tudo é muito organizado e rápido". A desilusão ficou por conta da política em si. Ele igualou as campanhas às que são realizadas no Brasil. "Os políticos são hipócritas em qualquer lugar. Só querem poder", disse.
Saúde e habitação são as pautas que ele julga prioritárias para um novo governo, e apelou para que os partidos "pensem em pessoas, e menos neles próprios".
Pensando no futuro
Luísa Pessoa, de 35 anos, é designer e participou das últimas eleições autárquicas, em 2021, e das presidenciais em 2022, quando o PS conquistou maioria absoluta na Assembleia da República.
"Eu voto com prazer, porque é o único momento que sinto que tenho alguma voz sobre o futuro no país, em que posso ajudar a decidir alguma coisa no país que minha filha vai nascer e crescer. Além de ser uma obrigação como cidadã", disse.
Sobre o sistema analógico, a designer considera que o voto eletrônico brasileiro "é mais moderno" e passa mais segurança do que o papel. "Acho um trabalho descomunal contar papel em 2024", disse.
As campanhas políticas no país, avaliou, tem uma linguagem hermética e distante da população.
"São campanhas tradicionais, de radicalismos (para esquerda e direita), com uma linguagem hermética que muitas vezes fica distante do popular. Parece que focam no público mais velho, apesar de esse ano eu ter percebido um esforço de alguns partidos para se comunicarem com os jovens nas redes sociais. Além disso parece que focam demasiado em polêmicas e ficam todos os partidos à volta dos mesmos temas da vez", afirmou.
Um dos desejos dela era de que o Chega não conquistasse tanto espaço no Parlamento —com a apuração ainda aberta, o partido já havia quadruplicado de tamanho.
"O que foi mais relevante para mim foi a moderação do partido, que está disposto a colaborar com o adversário caso for preciso, ao contrário da prática política atual de ser oposição por oposição (mesmo em propostas benéficas para todos). Na minha visão, isso é um grande bloqueio para o avanço do país."
Telefone na cabine de votação
Dayane Martins, de 40 anos, é advogada e vota pela segunda vez como portuguesa naturalizada.
"Para mim, votar em Portugal reflete o meu compromisso com a escolha dos líderes do país que escolhi como lar. Além disso, acredito que promove a minha inclusão, como a de outros estrangeiros, e uma certa diversidade na política portuguesa, na medida que garante que nossas vozes e perspectivas diferentes também sejam ouvidas", explicou.
O voto em papel também lhe causou estranhamento, mas ao mesmo tempo ela viu simplicidade no sistema. Dayana apontou, entretanto, a suscetibilidade "a erros humanos na hora da apuração" e a lentidão na contagem dos votos.
Outro fator esquisito para ela foi a possibilidade de os eleitores levarem os celulares para a cabine de votação e fazer fotos —o que é proibido no Brasil.
"Isso quer dizer que o princípio de sigilo de voto garantido nas urnas eletrônicas não é preservado com o sistema de papel de Portugal."
Em relação a um novo governo, a advogada disse que a situação atual é de incerteza dado que o partido de direita moderada (AD) pode se recusar a governar caso precise se aliar à extrema direita (Chega).
"Teremos de saber também se haverá algumas negociações por parte do partido de extrema direita e se serão aceitas pelo partido vencedor. Sendo assim, é cedo para afirmar o que será esperado do novo governo."
Brasileiros que votaram
Puderam votar nas eleições legislativas deste domingo (10) os brasileiros com cidadania portuguesa ou que tenham obtido estatuto da igualdade de direitos políticos.
O número de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal no ano passado foi de 798 480, considerando aqueles em situação legal ou em processo de regularização, segundo dados estatísticos da Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Esse contingente representa aproximadamente 7,6% do total da população do país, estando o Brasil como a nacionalidade mais representativa em Portugal (29,3%), depois vem a britânica (6%), cabo-verdiana (4,9%), italiana (4,4%), indiana (4,3%) e romena (4,1%).