Estrangeiros serão afetados com as mudanças de acesso ao SNS. Crédito: Tiago Petinga, Lusa

Estrangeiros serão afetados com as mudanças de acesso ao SNS. Crédito: Tiago Petinga, Lusa

O que muda com as restrições de acesso ao SNS para estrangeiros

Lei endurece as regras de acesso ao Sistema Nacional de Saúde, afetando migrantes em situação irregular e cidadãos não residentes

20/12/2024 às 11:08 | 4 min de leitura | Dia a Dia
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O acesso gratuito ao Serviço Nacional de Saúde, o SNS, para estrangeiros em situação irregular e não residentes em Portugal vai ser restringido

A mudança decorre de um projeto de lei aprovado na quinta (19) pelo Parlamento, com o apoio do Partido Social Democrata, do CDS e do Chega, apesar da oposição de partidos de esquerda e da Iniciativa Liberal. 

O intuito do texto —agora aprovado— é restringir o atendimento gratuito para migrantes em situação irregular e cidadãos estrangeiros não residentes. 

Mas o impacto vai além do previsto. Partidos de esquerda e organizações de defesa dos Direitos Humanos sinalizam que a proposta afeta imigrantes que, apesar de estarem a viver e a contribuir para o país, estão com a documentação pendente devido a atrasos no sistema de regularização gerido pela Aima.

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O que diz a nova lei?

Com a nova legislação, estrangeiros que não possuam residência legal em Portugal deixam de ser beneficiários do SNS. 

Agora, para acessar os serviços de saúde pública eles precisarão pagar pelos cuidados médicos, com exceção de situações de emergência ou de comprovada necessidade humanitária.

A medida altera a Lei de Bases da Saúde e o Estatuto do SNS, estabelecendo que cidadãos de países terceiros, apátridas e migrantes sem situação regularizada só poderão utilizar o sistema de saúde pública se pagarem pelos serviços

Antes, imigrantes sem residência legal tinham acesso garantido ao SNS, o que incluía cuidados médicos, consultas e partos.

Trecho da alteração de lei de acesso ao SNS por imigrantes. Crédito: Reprodução.

Quem será afetado?

A mudança afeta diretamente cidadãos estrangeiros que não têm residência formalizada no país, o que inclui tanto turistas quanto imigrantes que estão em processo de regularização junto à Aima. 

Na prática, muitos dos migrantes indocumentados — que aguardam a análise de pedidos de residência ou renovação de documentos — serão prejudicados caso não consigam se regularizar antes que a lei entre em vigor.

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A deputada Isabel Moreira (PS) classificou a proposta como "inconstitucional", argumentando que ela exclui cidadãos que, mesmo residindo e contribuindo com o pagamento de impostos em Portugal, podem ter o acesso à saúde negado. 

Esses imigrantes, que muitas vezes já têm NIF e pagam contribuições sociais, acabam por ser tratados de forma desigual.

E os brasileiros?

Apesar das alterações na lei, cidadãos brasileiros continuam a ter acesso ao SNS devido ao acordo bilateral de saúde entre Brasil e Portugal, anteriormente conhecido como PB4, agora chamado de Certificado de Direito à Assistência Médica, o CDAM. 

Esse acordo assegura que cidadãos brasileiros possam utilizar o sistema de saúde pública em Portugal nas mesmas condições que os portugueses. Ou seja, os brasileiros, mesmo não residentes, ainda poderão usufruir do SNS de forma gratuita, desde que estejam cobertos pelo CDAM.

"A recente alteração legislativa não revoga este acordo, portanto, ele continua a proporcionar aos cidadãos brasileiros acesso ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) português nas mesmas condições que os cidadãos locais. É importante notar que este acordo também inclui a Itália e Cabo Verde", afirmou José Eduardo Rosa, advogado e colunista da BRASIL JÁ.

Quando a lei entra em vigor?

Ainda não há uma data exata para a entrada em vigor. Após a aprovação no Parlamento, o diploma precisa ser promulgado pelo presidente da República e publicado no Diário da República. 

Estima-se que as mudanças possam ocorrer nos próximos meses, mas o impacto prático dependerá do tempo que o governo e as autoridades de saúde levarão para implementar as alterações no sistema.

Rosa acrescentou que essa mudança também pode impactar negativamente os imigrantes. "É possível que os tribunais portugueses sejam acionados para proteger os direitos desses imigrantes, considerando que a demora na regularização muitas vezes se deve à incapacidade do Estado em processar os pedidos em tempo hábil."

Argumento do Chega e críticas à proposta

Segundo a redação do projeto de lei, a proposta surgiu como resposta ao chamado "turismo de saúde", uma prática em que cidadãos estrangeiros se deslocam a Portugal para obter tratamentos médicos gratuitos. 

André Ventura, líder do Chega, partido de extrema direita, defendeu a proposta argumentando que muitos turistas de países ricos estavam usando o SNS e deixando "a conta para os portugueses pagarem". 

Essa narrativa ganhou força entre os defensores da medida, que apontaram exemplos de hospitais sobrecarregados com grávidas estrangeiras e procedimentos médicos de custo elevado.

Por outro lado, os críticos destacam que o verdadeiro impacto não será no controle de "turistas de saúde", mas sim sobre imigrantes que já residem no país e estão em situação irregular devido à lentidão do sistema de regularização

Muitas dessas pessoas pagam impostos e contribuem para o orçamento do Estado, mas, por estarem sem documentos formais, poderão ver o acesso ao SNS negado. Este ponto foi central nas críticas do PS, BE e PCP, que consideram a medida injusta e potencialmente inconstitucional.

José Eduardo Rosa chamou atenção justamente para essa possível inconstitucionalidade. 

Isso porque a Constituição da República Portuguesa, em seu Artigo 13.º, estabelece o princípio da igualdade, segundo o qual "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei". 

Além disso, o Artigo 64.º assegura o direito à proteção da saúde para todos, por meio de um serviço universal e geral. 

"A restrição de acesso ao SNS baseada no status de residência pode ser interpretada como uma violação desses princípios constitucionais, ao tratar de forma desigual indivíduos em situações semelhantes, especialmente aqueles que contribuem para o sistema fiscal e previdenciário", avaliou Rosa.

Além do âmbito constitucional, Portugal também é signatário de tratados internacionais de direitos humanos que garantem o acesso universal à saúde, independentemente da situação migratória. 

Essa conformidade com os tratados internacionais poderá ser mais um elemento de contestação jurídica à nova legislação.

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