Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana. Crédito: Governo da Itália, reprodução

Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana. Crédito: Governo da Itália, reprodução

Os anseios políticos de Meloni e a segurança como pauta única

Delinquência na Itália cai desde 2013, mas bandeira do governo segue com foco na criminalização

08/03/2024 às 18:50 | 5 min de leitura
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Os desejos políticos expressos por Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana, são que ela e seu partido possam colocar-se como os pais constituintes de uma nova Itália, conseguindo assim um resgate simbólico do partido ao qual se sentem diretamente herdeiros, o Movimento Social Italiano (MSI). 

Herdeiro direto do regime fascista, o MSI foi aceito no cenário político, mas bastante marginalizado nas coalizões e sem nunca ter governado ou decidido as principais medidas que fundaram a República Italiana pós-1945.  

Ainda sim, a grande marca desses 16 meses foram a criação de uma série de crimes, agravantes e infrações, mesmo que no início do governo, o ministro da Justiça, Carlo Nordio tenha afirmado que a legislatura não deveria introduzir novos delitos porque o Código Penal não pode resolver todos os problemas do país e a Justiça já está sobrecarregada.  

ASCENSÃO: A direita italiana no poder

O primeiro de todos foi o chamado “decreto anti-rave” entrado em vigor em 31 de dezembro de 2022. A medida proibiu a realização de festas clandestinas em propriedades públicas ou privadas, prevendo prisão e multa de até dez mil euros aos envolvidos no evento. 

Sendo um fenômeno ilegal, não há uma estatística precisa de quantas festas raves eram organizadas anualmente na Itália, o que diversos expoentes —entre eles Anistia Internacional— destacou na época, era que tais eventos não representavam uma ameaça ou uma emergência para o bem estar público, mas que a ambiguidade do texto aprovado poderia gerar uma elasticidade em seu uso: 

“A ausência de critérios específicos sobre quando uma reunião de pessoas pode ser considerada um perigo público pode fazer com que essa norma seja aplicada também a protestos pacíficos”, afirmava a instituição em um documento lido em audiência no Senado, no dia 22 de novembro de 2022. 

A lei foi aprovada mesmo assim. 

Novo pacote no âmbito da segurança

Depois de um ano do decreto-anti rave, o governo aprovou um novo pacote de leis sobre o tema securitário. “Sem segurança não há liberdade, não há crescimento econômico e não há proteção social”, foi a frase com a qual Giorgia Meloni abriu a apresentação das novas medidas que iriam encorpar o Código Penal italiano. 

Foram emanados novos delitos contra as rebeliões carcerárias, criando mecanismos de punição também para possíveis mentores ou instigadores de fora das prisões. Promulgados também novos delitos contra as ocupações abusivas e o bloqueio das estradas, o que implica imediatamente em medidas contras as manifestações e protestos. 

Em contraposição a criação e o agravamento de uma série de delitos, como por exemplo o aumento da pena para quem resiste a um mandado de prisão, ou de quem danifica ou vandaliza veículos ou imóveis das forças de Segurança do Estado, o novo pacote de lei ofereceu a policiais e agentes a possibilidade de portarem consigo, mesmo à paisana, uma arma de fogo que não seja aquela registrada e utilizada durante seu horário de trabalho. 

CONTRADIÇÃO: Como a Itália de Meloni mina direitos das famílias

Um projeto de lei parecido com esse já tinha sido apresentado pelo senador Claudio Barbaro em 2020, como um sinal às empresas de produção armamentista que há anos é próxima aos políticos de direita e extrema direita italiana. Na época, o projeto não foi aprovado. Em 2023, o governo Meloni conseguiu criar para essas empresas um mercado potencial de cerca 330 mil agentes.  

Entre as medidas modificadas com o novo pacote de leis sobre a segurança está a eliminação da obrigatoriedade de adiamento da execução da pena para mulheres grávidas ou mães de crianças com até três anos de idade. 

Essa foi uma medida amplamente midiática, que visava especialmente atingir uma pequena plateia de borseggiatrici, mulheres que furtavam carteiras e telefones nos metrôs de Milão e Roma e que, segundo o vice-premier Matteo Salvini, “ficam sempre grávidas para nunca serem presas pelos crimes que cometem”. 

Segundo os dados elaborados pelo Serviço de Análises Criminais da Direção Central da Polícia italiana, foram registrados 2 183 045 delitos cometidos em 2022, o que marca um aumento de 3,8% com relação a 2021. Mas se retirarmos o fato pandemia, que limitou entre 2020 e 2021 a mobilidade das pessoas e a exposição dos indivíduos fora de suas casas, em 2022 a tendência de queda da criminalidade se manteve, uma vez que em 2019 fora registrados 2 301 912 crimes. 

De acordo com os dados levantados nesse estudo, desde 2013 o índice de criminalidade na Itália vem diminuindo, ainda que a política continue a colocar o assunto como urgente e fundamental problema a ser resolvido. 

A questão migratória 

Com cem dias de governo Meloni, a revista The Economist publicou um texto no qual desenhava a premier italiana como um caso de sucesso diante das perspectivas que eram esperadas pelo seu passado político e pelo enquadramento de seu partido na história e no cenário italiano. 

“Ela fala bem em inglês, francês, espanhol. Nada de extraordinário, mas conseguiu causar uma boa impressão nos líderes com quem conversou. Meloni teve a capacidade nesse primeiro ano de se desembaraçar de uma imagem e uma expectativa externa que esperavam a chegada de uma fascista combativa que poderia causar problemas nos círculos europeus ou multilaterais. Não foi o que aconteceu.”  

Neste primeiro ano, ela viajou muito pela Europa e pelo mundo. 

“Ela nunca estava no Palácio. Era difícil encontrar com ela, tanto para pedir favores como para ser responsabilizada de alguma situação delicada que seus aliados a colocariam. Ao mesmo tempo, essa organização de sua agenda fez com que ela se distanciasse da disputa de poder interna e se projetasse no cenário internacional, especialmente europeu”, diz o professor Mauro Calise. 

Ainda em novembro de 2022, logo no início de seu governo, Meloni entrou em uma disputa com o governo francês pelo impedimento de desembarque de um navio da ONG SOS Mediteranée que trazia migrantes resgatados no mar Mediterrâneo e apontava a Itália como porto mais próximo e seguro. 

Após aquele episódio, a retórica dos portos fechados ou do bloqueio naval para impedir que os migrantes chegassem à costa italiana mudou. 

Tentando manter sua imagem institucional no cenário europeu, o governo Meloni aprovou uma nova normativa que permitia aos navios e barcos de organizações não-governamentais de realizar apenas uma missão de socorro por vez e uma estratégia que logo pareceu bastante eficaz para esvaziar a polêmica com relação a negativa de receber imigrantes em território italiano foi disponibilizar os portos mais ao norte do país. 

Assim as viagens seriam mais longas e os custos aumentariam. De qualquer forma, as estatísticas apontam que apenas 5% dos migrantes desembarcam nas costas italianas salvados pelas organizações. A maioria vem com pequenos barcos em autonomia ou é resgatado pela guarda costeira e a Marinha italiana.   

Retórica anti-imigração

Por outro lado, a retórica anti-imigração acentuou o tom justiceiro contra os supostos traficantes de homens que conduzem os barcos do norte da África até as costas europeias. Em uma coletiva de imprensa realizada na cidade de Cutro, no sul do país, em 9 de março após a publicação de um novo decreto sobre as políticas para a imigração, Meloni afirmou que “este governo irá procurar os quem são esses traficantes em todo o globo”. 

As novas regras prevendo penas mais severas para os scaffisti (contrabandistas) foram a resposta dada após um naufrágio que levou a morte de 86 pessoas a apenas 50 metros das praias italianas. Em 10 anos, foram presos 2 500 suspeitos de tráfico de seres humanos, só no ano de 2022, foram detidos 260. 

Mas muitos deles, depois de anos de detenção foram absolvidos após conseguirem provar terem sido também eles vítimas dos verdadeiros traficantes que os obrigavam a guiarem os barcos sozinhos até chegarem nas costas europeias. Com ou sem experiência. 

Seguindo essa linha de detenção dos migrantes, o governo aprovou a permanência de até 18 meses nos centros de permanência para o repatriamento e criou uma norma para permitir a permanência de menores com mais de 16 anos em centros para adultos, já que há falta de estrutura para crianças e jovens que são um número cada vez maior de migrantes nas costas italianas. 

Por fim, no final de setembro de 2023, o governo estendeu automaticamente a capacidades dos centros de acolhimento e permanência, dobrando o número de hóspedes a partir do papel, sem nenhuma interferência nas estruturas físicas. 

Se em três meses a Itália acolheu sem muito alarde cerca de 120 mil imigrantes ucranianos, é possível que os cerca de 160 mil que desembarcaram da África nas costas mediterrâneas do país, continuem a ser o foco da criminalização dos partidos de direita. 

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