O governo estimou em 80 mil o número de estrangeiros que podem ser beneficiados pelo acordo que recebeu o apelido de "via verde da imigração" —e brasileiros estão no grupo de imigrantes que pode ser contemplado com a estratégia para suprir a escassez de mão de obra.
A proposta oficializada na semana passada foi recebida com entusiasmo —e certa desconfiança— por representantes de setores da economia portuguesa, como agricultura, turismo, construção civil e serviços de cuidados.
Na cerimônia de assinatura do acordo, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, reforçou que o país enfrenta "um déficit estrutural de mão de obra", e que "trazer trabalhadores qualificados e com contratos de trabalho firmados é um passo indispensável para garantir o crescimento econômico sustentável".
Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, celebrou a medida. Disse ele que o pacto trata-se de um "mecanismo mais ágil, menos burocrático e que responde às necessidades reais das empresas portuguesas".
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O representante de empresários acredita que a chamada "via verde" para contratar imigrantes seja "a chave para a revitalização das zonas rurais" em Portugal, que historicamente estão esvaziadas.
Caso o pacto saia do papel, os setores que mais se beneficiam com o acordo são a construção civil, o agropecuário e o turismo.
Cláudia Gomes, representante de uma rede hoteleira do Algarve, comentou que "a chegada de trabalhadores estrangeiros, com vistos regularizados e contratos de trabalho, pode dar novo fôlego ao turismo nacional".
Nesse contexto, tanto empregadores quanto candidatos precisam conhecer os detalhes da proposta para agilizar o visto de trabalho.
A BRASIL JÁ ouviu especialistas que recomendam o que fazer diante de oportunidades em Portugal e, também, alertam para riscos da iniciativa.
Confira as dicas no quadro abaixo:
Críticas a uma política fura-fila
O acordo cria uma fila prioritária para quem chega com contrato de trabalho assinado. Advogados que atuam na área de migrações dizem que, na prática, isso empurra para trás milhares de pedidos já protocolados por estrangeiros que já vivem em Portugal, muitos deles brasileiros.
"É uma traição à segurança jurídica de quem confiou no Estado português", criticou a advogada Catarina Zuccaro. "Vamos assistir a uma nova corrida à justiça contra a Aima. Eu mesma vou entrar com diversas ações."
A também advogada Flávia Cesare afirma que de fato as demandas na Justiça contra o pacote devem aumentar. "Se os direitos básicos não forem garantidos, vai chover ação na Justiça. E a Justiça portuguesa não tem estrutura para isso", afirmou.
Máfias, contratos de fachada e vulnerabilidade
A advogada Anna Luiza, especialista em imigração, chama atenção para um modelo que chamou de "visto patronal". Segundo ela, ao permitir que o visto seja solicitado pela empresa em nome do trabalhador, abre-se uma brecha para fraudes.
"Já existem máfias alugando contratos de trabalho para emigrantes. Isso vai se intensificar com o novo pacote, especialmente se o controle for frouxo", advertiu.
"Hoje, você consegue o visto com um contrato, mas pode mudar de emprego assim que tiver o título de residência. Isso é ótimo para a liberdade do trabalhador, mas ruim se estiver sendo usado para burlar o sistema."
Habitação precária, guetos e exclusão social
Assim como outros países europeus, Portugal atravessa uma crise habitacional. Aluguéis caros somados a uma escassa oferta de imóveis podem inviabilizar a chegada de milhares de novos trabalhadores e deteriorar a prestação de serviços públicos.
"O governo não apresentou nenhum orçamento para construir casas. Fala-se em 'alojamento adequado', mas sem critérios objetivos", disse Flávia Cesare, que acrescentou: "Já vimos isso antes: trinta ou quarenta pessoas vivendo numa mesma casa, em situações indigna".
Lembra a advogada que a legislação europeia garante o direito ao reagrupamento familiar, mas o pacote "Via Verde" ignora esse impacto.
"Se não há estrutura nem para abrigar os trabalhadores, como acolher suas famílias?", perguntou Cesare. "O governo fala em alojamento temporário, mas não diz como, onde e com que dinheiro."
Estratégias da diplomacia e empresariado para contornar obstáculos
A diplomacia brasileira, que tem representações em Lisboa, Porto e Faro, afirmou que tem buscado formas de contornar as dificuldades dos cidadãos brasileiros vivendo em Portugal.
Respondendo a perguntas enviadas pela BRASIL JÁ, a Embaixada do Brasil em Lisboa afirmou que, ainda que a gestão da política migratória seja de competência exclusiva de Portugal, mantém contato frequente sobre o tema com o governo português, em especial o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Presidência e a Agência para Integração, Migração e Asilo, a Aima.
Até então, o balanço que a embaixada faz é que o governo português tem avançado na análise de pedidos de residência pendentes, por meio da força-tarefa chamada de Estrutura de Missão.
Outra estratégia da embaixada é informar cidadãos brasileiros sobre temas relacionados a integração e expor queixas de discriminação em instâncias diplomáticas bilaterais com Portugal.
Pelo lado empresarial, o otimismo é moderado. Para o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, trata-se de um projeto promissor, mas é preciso investimento para não ser uma promessa vazia.