Walter Salles dirigindo Fernanda Torres no longa "Ainda Estou Aqui" - Crédito: Divulgação

Walter Salles dirigindo Fernanda Torres no longa "Ainda Estou Aqui" - Crédito: Divulgação

Veemência e coragem em 'Ainda Estou Aqui'

A interpretação magistral de Fernanda Torres como Eunice Paiva e o dizer sem verbalizar de Fernanda Montenegro

16/01/2025 às 05:30 | 3 min de leitura | Cultura, Diversão e Arte

Rio de Janeiro, anos 1970. A boemia, a moda e o estilo de vida dos cariocas estão na tela do cinema. Bate uma saudade de casa (este colunista é, por acaso, de lá). As imagens de praia e sol retratam um belo domingo na cidade, que na verdade poderia ser qualquer lugar banhado pelo mar. Mas não é. É o Rio de Janeiro. 

O afeto retratado nas cenas que exibem o núcleo da família Paiva é o que nos vem à mente quando pensamos num lar tradicional. Sabe aquela família do comercial de margarina? Pois é bem isso. Quem viveu aqueles tempos, daquele Rio, fala com saudade da época.    

Mas “Ainda Estou Aqui” não é só sobre saudade. É mais. Eram tempos de ditadura militar e o longa-metragem brasileiro que surpreende e emociona espectadores pelo mundo mostra um lar desmantelado pelo regime. 

MAIS: A urgência de 'Ainda Estou Aqui'

Mostra uma família vulnerável aos desmandos da época, ao autoritarismo de um país silenciado pela truculência.

E o pior: é uma história real. A história de um patriarca, do então deputado Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello), arrancado do convívio com os seus, torturado e morto pelo Exército, pelo Estado brasileiro. 

Emerge então Eunice Paiva, magistralmente interpretada por Fernanda Torres. Eunice era a viúva que suspeitava, mas até então não tinha certeza, de que o ditadura assassinara o seu marido. 

Ao vencer o Globo de Ouro —uma conquista inédita para o Brasil—, Torres saudou a figura da mulher que, mesmo destroçada, permanecia forte. 

"Este filme nos ajuda a pensar em como sobreviver em momentos duros como este", lembrou a atriz 

Na ficção a família Paiva e amigos nas areias do Leblon, no Rio de Janeiro - Crédito: Divulgação

E sim, “Ainda Estou Aqui” nos faz refletir sobre como transpor situações ruins, que beiram o insustentável. Força e resiliência resumem Eunice Paiva, que na interpretação de Fernanda Torres ganha a dramaticidade necessária para traduzir tempos críticos e violentos. 

Já no trailler do filme fica evidente que a escolha de Eunice pelo riso, quando o choro lhe trancava à garganta, foi uma demonstração, sobretudo, de coragem e recusa a se entregar. 

LEIA: O que aconteceu aos torturadores de 'Ainda Estou Aqui'

Para contexto: a cena reproduz o momento em que Eunice Paiva e os filhos posam para uma reportagem da Revista Manchete. A matéria denunciaria o desaparecimento de Rubens Paiva, e o repórter diz à mulher que a orientação editorial que recebeu era para que fosse uma foto triste. 

Eunice, porém, confronta a diretriz do editor da publicação e ordena que os filhos, assim como ela, sorriam. 

Assim, aquela mãe que perde o marido, arrancado e assassinado pelo Estado brasileiro, debocha dos seus algozes. Com um gesto simples, se impõe, e diz —mesmo sem falar: "Ainda estou aqui".

Eunice Paiva (Fernanda Torres) posa sorridente com a família em foto para imprensa na trama de Ainda Estou Aqui - Crédito: Alile Dara Onawale

O público vê na tela a força e o equilíbrio de uma mulher que busca ser —e é— um porto-seguro para os filhos. O filme exibe com veemência a coragem de Eunice, e a transmutação dela ao passo que a violência de uma ditadura assassina vai minando a sua vida.

Crédito: arquivo pessoal

ESTREIA: Onde assistir 'Ainda Estou Aqui'

A mãe começa feliz, passa pelo medo e pânico, há flashes de esperança, e, por fim, termina com um olhar perdido, mas firme, com a lendária Fernanda Montenegro (mãe de Fernanda Torres) interpretando Eunice Paiva, já no fim da vida.

Fernandona atua só com o olhar. Não precisa de mais.

Fernanda Torres e sua premiada atuação de Eunice Paiva em "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles - Crédito: Divulgação

Toda a história é embalada por uma trilha sonora que remete a afetos e transforma a ida ao cinema também numa experiência sensorial. Tem Erasmos Carlos com “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, com versos críticos à ditadura, além de Tim Maia, Caetano Veloso e a cabo-verdiana Cesária Évora. 

Durante a pré-estreia em Portugal, na terça (14), em Lisboa, o burburinho antes da sessão era de queixas sobre a demora para o longa chegar aos cinemas deste lado do Atlântico. 

No Brasil, a estreia foi em novembro e, aqui, as exibições começam nesta quinta (16). 

Bastidores da pré-estreia

Aproveitei o rebuliço para conversar com mais gente que esperava iniciar a sessão. Vivendo há mais de duas décadas em Portugal, Marise Araújo estava no Rio na época em que se passa o filme. "Eram tempos preocupantes", ela lembrou. Também disse lembrar do silêncio, do mistério e medo do período.

"Era uma época muito pesada. [Mas] ‘Ainda Estou Aqui’, com todos os sentidos que essa frase pode ter", recordou a mulher.  

Também prestigiou a pré-estreia, que em Portugal chamam de ante-estreia, o embaixador do Brasil no país, Raimundo Carneiro, que defendeu mais produções que lembrem dos sombrios tempos e, assim, nunca se repitam.  

"É mportante principalmente para essas gerações de hoje, porque eles vão poder ver e entender como a vida naquela época era difícil", afirmou. 

Jornalismo verdadeiramente brasileiro dedicado aos brasileiros mundo afora


Os assinantes e os leitores da BRASIL JÁ são a força que mantém vivo o único veículo brasileiro de jornalismo profissional na Europa, feito por brasileiros para brasileiros e demais falantes de língua portuguesa.


Em tempos de desinformação e crescimento da xenofobia no continente europeu, a BRASIL JÁ se mantém firme, contribuindo para as democracias, o fortalecimento dos direitos humanos e para a promoção da diversidade cultural e de opinião.


Seja você um financiador do nosso trabalho. Assine a BRASIL JÁ.


Ao apoiar a BRASIL JÁ, você contribui para que vozes silenciadas sejam ouvidas, imigrantes tenham acesso pleno à cidadania e diferentes visões de mundo sejam evidenciadas.


Além disso, o assinante da BRASIL JÁ recebe a revista todo mês no conforto de sua casa em Portugal, tem acesso a conteúdos exclusivos no site e convites para eventos, além de outros mimos e presentes.


A entrega da edição impressa é exclusiva para moradas em Portugal, mas o conteúdo digital está disponível em todo o mundo e em língua portuguesa.


Apoie a BRASIL JÁ

Últimas Postagens