Loja Aima em Lisboa. Crédito: Déborah Lima, BRASIL JÁ

Loja Aima em Lisboa. Crédito: Déborah Lima, BRASIL JÁ

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Imigrantes chegam a pagar mais de 200 euros a golpistas por agendamentos falsos na Aima

Estrangeiros aturdidos, seja por desespero ou vácuo de informações, viram presas fáceis de criminosos

27/09/2024 às 09:40 | 4 min de leitura
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Mesmo antes de ser sacramentado o fim da manifestação de interesse em Portugal, em junho deste ano, as lacunas no serviço público voltado para estrangeiros viraram terreno fértil para o aumento de fraudes, crime conhecido como burla em Portugal

Uma imigrante que trabalha como faxineira (ela pediu para não ser identificada) se tornou uma das vítimas dos crimes cometidos na esteira do vácuo do poder público. Vivendo há três anos em um povoado próximo a Aveiro, a brasileira contou à BRASIL JÁ que sofreu um golpe quando buscava a solução para renovar os documentos dela e os do filho, que é estudante do ensino médio. 

Em julho, ela foi atendida por um homem que disse se chamar Márcio Souza e se apresentou como consultor em um escritório de advocacia em Lisboa. Tudo uma farsa. O golpista se aproveitou do desespero e do deserto de orientações confiáveis para oferecer à mulher um agendamento rápido na Aima. 

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Cobrou 120 euros. A mulher afirmou à reportagem ter conseguido o contato do farsante em um grupo no Facebook, mas só percebeu ter caído num golpe ao mostrar o email com a suposta confirmação de marcação a outra pessoa que também foi vítima do criminoso. 

“Ele ainda disse que o valor do serviço era 170 euros, mas que para mim faria por 120.” 

Acreditando no farsante, a faxineira fez o pagamento. O número do telefone para a transferência via MB Way, uma espécie de PIX em Portugal, era diferente do número de contato do WhatsApp, por onde eles fecharam a negociação. 

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Quando se deu conta que o agendamento era falso, a mulher confrontou o golpista, mas, com o dinheiro na mão, ele já não mais a respondeu. “A minha vida é trabalhar. Sou mãe solo e agora estou passando por isso”, lamentou. 

Desorientada, a faxineira ainda foi ao posto de atendimento da Aima no dia e hora da marcação. Ela ainda tinha esperança de conseguir resolver a regularização do filho. Entretanto, a mulher só confirmou que o email que recebeu era mesmo produto de um golpe. 

“Mandei uma mensagem pedindo, pelo menos, que me devolvesse metade do dinheiro, mas eu já estava bloqueada”, disse. 

Com a autorização de residência caducada em agosto e o documento do filho fora da validade desde maio, a faxineira já havia dado por perdidos 120 euros. Desolada, ficou com o prejuízo e torcendo para que o serviço na Aima passasse a funcionar de forma digna.

Falamos com o farsante

A reportagem entrou em contato com o golpista, identificado como Marcio Souza. Na conversa por meio do WhatsApp, ele confirmou que fazia agendamentos e cobrou 70 euros pelo serviço. A jornalista não se identificou como repórter e solicitou, então, informações sobre como deveria proceder para renovar documentos de autorização de residência. 

Não havia vagas na Aima, porém, o interlocutor garantiu que, tão logo confirmasse o pagamento do valor em sua conta bancária, ele marcaria o agendamento para Lisboa, o posto mais concorrido do país. 

A repórter solicitou o email do homem —meio pelo qual ela supostamente enviaria seus documentos— mas, sem informar o endereço eletrônico, ele voltou a cobrar o pagamento dos 70 euros, reclamando a demora. No fim, após a tentativa de contato por telefone, por onde ela pediria o outro lado, ele se recusou a atendê-la e a bloqueou. 

Prejuízo coletivo

Vivendo há cinco anos em Lisboa, a ajudante de cozinha Joana Darc Ferreira também sofreu nas mãos de golpistas. Joana e um grupo de cinco pessoas disseram ter sido vítimas de um homem que se apresentava nas redes sociais como doutor Roberto e prometia tramitar a autorização de residência CPLP —a permissão dedicada aos cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa— em três dias. 

Também, uma enganação. Segundo a mulher, o golpista cobrou 150 euros com pagamento dividido em duas vezes para supostamente realizar o serviço. 

Ao contrário do caso da faxineira, em que o golpista aceitava pagamentos por transferência bancária, o estelionatário da vez recorria a um código de saque (que em Portugal se chama levantamento) dos valores depositados para, aparentemente, dificultar o rastreamento pela polícia. 

Joana Darc foi vítima de golpe do falso agendamento. Crédito: Arquivo Pessoal

O grupo só descobriu a fraude depois que um cidadão angolano foi deportado ao tentar entrar em Portugal com o visto CPLP emitido pelo mesmo golpista. Era falso. “Quando a minha advogada avisou, tive que devolver dinheiro do meu próprio bolso aos meus amigos, porque fui eu quem o indicou”, desabafou Joana. 

Como era de se esperar, o golpista sumiu e deletou as páginas e os perfis na internet, além de bloquear todo mundo do grupo da brasileira. O tal doutor Roberto também fez Ludmila Araújo de vítima. Ela vive e trabalha como auxiliar de limpeza em Cascais, na região metropolitana de Lisboa. 

No caso dela, a promessa foi realizar um agendamento de troca do título de residência da CPLP para o cartão de residência no modelo e padrão aceito pela comunidade europeia. A esperança de Ludmila era conseguir o documento que lhe permitisse circular pelo continente, o que, ao menos na teoria, não é permitido aos que portam a CPLP. 

“Ele me cobrou 230 euros pelo serviço, prometendo que eu receberia a mensagem de confirmação da marcação em noventa dias.” De novo, tudo foi tratado via WhatsApp. 

A mulher, que mora em Portugal desde 2017, disse que o recente prejuízo com o golpe a atingiu num momento em que ela cuida do filho recém-nascido. “Confiei e dei o pouco que eu tinha para tratar dos documentos, mas ele sumiu sem dar notícias.”

 Assim como Joana, Ludmila sentiu a necessidade de devolver o dinheiro a alguns conhecidos seus a quem indicou o golpista.

Fraudes estão mais frequentes

Uma estatística da Polícia de Segurança Pública, a PSP, divulgada em julho, mostrou que o prejuízo contabilizado nos crimes de fraude em Portugal triplicou de 2022 para 2023, passando de 35 mil para 110,3 mil euros. 

Nos últimos dois anos, a polícia registrou um aumento de 21% no número de ocorrências relacionadas a fraudes. Os golpes, de acordo com os dados, também passaram a representar uma fatia significativa dos crimes registrados no país, chegando a 17,4% de todas as notificações de delitos recebidas pela PSP em 2023. 

Em nota à BRASIL JÁ , a corporação reconhece que não consegue prender os autores das burlas porque, segundo afirmou, são crimes difíceis de serem flagrados pelos agentes. Cabe, portanto, à Polícia Judiciária investigar os seus autores e levá-los à Justiça. 

Também procurada pela reportagem, a Polícia Judiciária informou que não há dados específicos envolvendo os casos de golpes contra imigrantes. 

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