23/10/2024 às 09:20
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A morte de Odair Moreno Moniz, cidadão cabo-verdiano e imigrante em Portugal, desencadeou uma série de protestos na Grande Lisboa. Ele baleado por um um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) na madrugada de segunda (21) durante uma perseguição policial no bairro da Cova da Moura, Amadora.
A ação policial gerou revolta no bairro do Zambujal, onde ele morava, desencadeando uma onda de manifestações desde então. Ônibus foram incendiados e confrontos entre a polícia e mascarados foram registrados.
Nos dois dias seguintes à morte de Odair, os atos alastraram-se para seis concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, com tumultos reportados em sessenta esquadras —o equivalente a delegacias— nos municípios de Lisboa, Loures, Amadora, Sintra, Cascais e Setúbal.
O governo prometeu reforçar a segurança na região.
Quem era Odair Moniz
Odair Moreno Moniz tinha 43 anos, era de Cabo Verde e vivia em Portugal há mais de vinte anos. O homem trabalhava como cozinheiro num restaurante em Lisboa, e estava de licença médica após sofrer queimaduras no estabelecimento.
Odair morava no bairro do Zambujal, Amadora, onde era proprietário de um café. Era casado e pai de três filhos, com idades de 19, 18 e 2 anos, sendo descrito pelos vizinhos como uma pessoa pacífica e querida, de acordo com informações da SIC.
Morte
Na madrugada de 21 de outubro, Odair Moniz deixou o bairro da Cova da Moura em seu carro, após uma noite de confraternização. Ao ver uma viatura policial na Avenida da República, na Amadora, fugiu, sendo perseguido por dois agentes da PSP.
Durante a perseguição, Moniz perdeu o controle do veículo e bateu em outras viaturas que estavam estacionadas. O homem decidiu seguir a fuga a pé, com os policiais no seu encalço. A dinâmica desses últimos momentos de Odair foi contada pela CNN Portugal.
Os agentes da PSP afirmam ter disparado quatro tiros, dois deles para o ar e outros dois na direção de Odair. Um dos disparos atingiu o homem no peito, próximo à axila. O tiro foi disparado pelo agente mais jovem, de 20 anos e que há apenas um ano integra a força de segurança.
Ele estava acompanhado por um colega com mais dois anos de experiência. Os policiais afirmaram que o disparo ocorreu após Odair ter resistido à prisão e ter tentado agredí-los com uma arma branca, que na sequência foi apresentada pela polícia como sendo do homem.
Afirma a polícia que os agentes tentaram reanimar Moniz no local, e que ele foi transportado com urgência para o Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa.
No entanto, o homem não resistiu aos ferimentos e morreu pouco depois. Moniz apresentava lesões na cabeça, abdômen e tórax. Os agentes não explicaram, porém, a razão pela qual Odair Moniz teria fugido, nem o motivo pelo qual foi considerado suspeito.
Investigações
No dia 21 de outubro, o Ministério da Administração Interna determiniou à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) a abertura de um inquérito urgente. A PSP também anunciou a instauração de uma investigação interna para esclarecer as circunstâncias do caso.
A Polícia Judiciária iniciou uma apuração preliminar, sugerindo que houve um "excesso de legítima defesa, com uso desproporcional e injustificado de força", mesmo que se confirme que Moniz estava armado com uma faca.
O agente responsável pelo disparo está oficialmente sob investigação, acusado de homicídio, mas continua no exercício de suas funções. O colega de patrulha também foi ouvido como testemunha.
A arma utilizada no incidente foi apreendida e será periciada no laboratório de Polícia Científica. Após a conclusão da investigação inicial, o Ministério Público na Amadora decidirá se arquiva o caso ou apresenta uma acusação formal de homicídio simples.
As associações SOS Racismo e o movimento Vida Justa questionaram a versão apresentada pela PSP, exigindo uma investigação imparcial para apurar todas as responsabilidades. Para a SOS Racismo, a morte de Odair Moniz ocorre num contexto político de intensificação do discurso de ódio e políticas de segurança que estigmatizam as comunidades negras.
“A leitura do comunicado da PSP suscita mais dúvidas do que traz esclarecimentos sobre as condições da morte de Odair Moniz. Como é que alguém que se despistou num carro em fuga pode sair em condições de querer agredir agentes armados? Tendo sido a tentativa de agressão com arma branca segundo a PSP, supõe-se isso então ter existido uma efetiva proximidade com o agente atirador? Se sim, por que não alvejou a vítima na parte inferior do corpo para imobilizá-lo, em vez de atirar para a axila, uma zona mais propensa a resultar em morte?”, pergunta a SOS Racismo.
A notícia da morte de Odair Moniz gerou indignação no bairro do Zambujal, onde muitos moradores afirmam que ele era um trabalhador desarmado que foi alvo de dois tiros. Para vários moradores, Moniz era um cidadão exemplar, e a explicação dada pela PSP não foi convincente.
A Embaixada de Cabo Verde em Portugal emitiu um comunicado na terça (22) no qual apresenta as condolências à família e amigos de Odair. Na nota, também “promete acompanhar muito de perto este processo, na medida do possível, e dispensando apoios aos familiares mais diretos nesse âmbito, se tal se vier a mostrar útil ou necessário.”.
Nesta quarta (23), um outro comunicado da Embaixada de Cabo Verde em Portugal foi emitido. Dessa vez, a instituição “deplora profundamente e repudia com veemência certas declarações vindas a público que não fazem outra coisa que não seja estigmatizar as comunidades imigradas, pondo rótulos em função da raça ou da origem, como se esses factos determinassem, fatalmente, comportamentos antissociais e criminosos.”.
Em declarações aos jornalistas quando chegou à 35.ª Cimeira Luso-Espanhola, em Faro, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco caracterizou os episódios das últimas noites como “atos de vandalismo que põem em causa a ordem e a segurança pública” e assegurou que tudo será feito “para levar todos aqueles que participaram nestes tumultos à Justiça”.
A ministra reforçou que o Governo tem acompanhado "desde o início todos os incidentes públicos" em diversos bairros da Grande Lisboa.
"Queria aqui dizer que esta noite fizemos uma reunião de urgência do SSI, estou em permanente contato com todas as forças de segurança e principalmente com a PSP, que está nos diversos locais a acompanhar e a repor a ordem pública", declarou.
Ela fez questão de destacar o trabalho daqueles que estão atuando para garantir a paz e "para acabar com estes distúrbios perfeitamente inadmissíveis que não permitem às populações deslocar-se e fazer a sua vida laboral normal e acompanhar as suas crianças à escola".
"Queria dizer que a PSP, em articulação com todas as outras forças de segurança, estão a repor e a dar apoio às populações que querem seguir o seu dia-a-dia de forma normal", afirmou.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) reitera que tem por missão garantir a segurança e ordem pública e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A PSP está empenhada em repor a tranquilidade no Bairro do Zambujal, na Amadora, pelo que apelamos à calma de todos os cidadãos, estando ainda a PSP apostada em manter as parcerias de muitos anos com as comunidades no concelho da Amadora.
Conforme já referimos publicamente, a PSP lamenta a morte do cidadão Odair Patriky Moniz Moreno Fernandes, a qual se encontra a ser investigada pelas autoridades judiciárias, deixando ainda uma palavra de solidariedade aos nossos dois polícias envolvidos no incidente, bem como a todos os polícias envolvidos na reposição e manutenção da ordem pública no concelho da Amadora.
Hoje, lamentavelmente, voltámos a assistir a situações de desordem no interior do Bairro do Zambujal, designadamente a um episódio grave de violência urbana, com a subtração de um autocarro da Carris que, à posteriori, foi incendiado.
De imediato a Polícia, que já se encontrava com um efetivo robustecido no interior do Bairro, acionou o Corpo de Bombeiros da Amadora no sentido extinguir este incêndio, preservando o local do crime para diligências de investigação.
Apesar de vários esforços, não foi possível até ao momento detetar e intercetar os suspeitos deste crime violento, tendo, todavia, sido já efetuada uma detenção por posse de material combustível, que indiciava a sua utilização para deflagração de incêndio.
A PSP repudia e não tolerará os atos de desordem e de destruição praticados por grupos criminosos, apostados em afrontar a autoridade do Estado e em perturbar a segurança da comunidade.
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