Neusa Sousa é um dos rostos marcantes da RTP África. Nascida em São Tomé e Príncipe, ela iniciou sua trajetória como jornalista em Lisboa. Vive em Portugal há 22 anos e é no empreendedorismo negro e na comunicação que faz a luta antirracista.
Neusa conversou com a BRASIL JÁ para a edição de julho, em que publicamos uma reportagem sobre o preconceito linguístico em Portugal —um resistente resquício do colonialismo português.
Na conversa, a jornalista se mostrou consciente do espaço de representatividade que ocupa como apresentadora em uma televisão pública no país. Ela lamenta, porém, que a sua história ainda seja uma exceção.
Ao lembrar que no início da carreira perdeu oportunidades por falar português com o sotaque africano, ela aponta para a manutenção do preconceito, cuja consequência é a exclusão de muitos jovens do jornalismo português.
“Profissionais [africanos] ficam com a autoestima baixa e acabam por desistir. Vários concluem o curso, mas nunca conseguem trabalhar por falar de forma diferente do que é o considerado ‘normal’ nas Redações.”
Segundo Neusa, em certos ambientes, a inteligência de uma pessoa é medida pelo sotaque. Ela lembra programas de televisão que ridicularizam o outro pela forma de falar.
Esses formatos, disse, não levam em conta que existem variações linguísticas dentro do português e hierarquizam o modo como se fala, como se o sotaque de um país fosse mais adequado à língua portuguesa que o de outro.
“Quanto mais acentuado for o teu sotaque [africano], mais discriminada tu acabas por ser. E depois também tem essa questão de gozarem, imitarem como tu falas, acharem que isso é piada, fazerem uso disso com alguma frequência quando querem te diminuir ou menosprezar”.
Nos países da África, afirma, o contrário não ocorre, porque, dado o tempo do colonialismo, para muitas pessoas o português europeu é tido como o correto.
Segundo a jornalista, muitos pais nem querem ensinar mais aos filhos as línguas africanas.
“Os pais que têm um pensamento mais colonial, obrigam o filho a falar o português em casa e, quando sentem que o filho quer falar com um linguajar mais terra à terra, mais africano, ficam sempre em cima, põe de castigo. Infelizmente, ainda somos um povo com pensamento colonial”
Neusa Sousa acredita que o preconceito linguístico e o racismo estrutural só serão superados com a discussão franca a respeito —a começar pelas Redações.
Segundo a jornalista, existe uma falsa pluralidade na diversidade da fala, especialmente no jornalismo audiovisual (tevês e rádios), mas também nas versões escritas da imprensa.
Neusa citou, para exemplificar, o que ocorreu com ela. No período de repercussão do brutal assassinato do norte-americano George Floyd, recebeu convites para participar de reportagens e análises sobre o tema racismo. E só.
“Sem nem saber pronunciar o nome dele [de George Floyd], a Revista Cristina [publicação mensal criada pela apresentadora de tevê Cristina Ferreira] fez um editorial especial e alusivo à personalidade negra. Eu fui uma das convidadas, mas, depois disso, ela nunca mais fez nenhum trabalho sobre o tema."
É comum que as Redações, de maneira geral, reservem às pessoas pretas os espaços para falar de negritude. E param por aí, como se negros não pudessem falar de economia, política, beleza ou mesmo debater o jornalismo.
Mesmo o espaço para se discutir racismo nos veículos tradicionais só existe quando é puxado pelo noticiário da dor: a morte de uma pessoa preta, por exemplo, como foi a de Floyd.
"E isso acaba por acontecer muito nas mídias. Só quando se precisa fazer um estudo, ou quando acontece alguma situação que viraliza, algum fato ou fenômeno, é que se fala abertamente sobre isso. E depois se esquece dessa problemática”.
Neusa acrescenta: “E esse preconceito é com base em acharem que nós não devemos estar em alguns espaços. Ou que só devemos estar cingidos a determinados lugares, presos a guetos e segregados.”
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