Alvo de denúncias por supostos casos de assédio sexual, o ministro dos Direitos Humanos do Brasil, Silvio Luiz de Almeida, é um intelectual reconhecido dentro e fora do país, e uma autoridade relevante na pauta antirracista. As acusações feitas contra ele, encaminhadas à organização não governamental Me Too, desataram uma crise de representatividade no governo Lula.
As queixas de mulheres contra o ministro foram reveladas pelo portal Metrópoles na quinta (5). O portal incluiu na lista de vítimas a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, nome que não foi confirmado pela Me Too. Entretanto, desde que estourou a crise Anielle está em silêncio, ainda que a primeira-dama, Janja Lula, tenha publicado uma foto com ministra, demonstrando apoio a ela.
A importância de Almeida no estudo das relações raciais é global, o que acabou credenciando o intelectual para o posto que até hoje ocupa. O escândalo e possíveis crimes contra mulheres abala a confiança de quem o vê como um símbolo da resistência contra o racismo estrutural, conceito que ele mesmo cunhou e pelo qual ele é amplamente reconhecido e respeitado.
O livro "Racismo Estrutural", de sua autoria, é uma das obras mais influentes envolvendo a questão racial. Graduado em filosofia e doutor em direito, Almeida levou a cabo pesquisas de pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), onde ele se consolidou como uma das principais mentes.
Sua bagagem e trajetória acadêmica são destaque nas áreas do direito, da filosofia, da economia política e das relações raciais. Além disso, Almeida é também professor na faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e atua nas escolas de administração de empresas e de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em 2020, Almeida foi professor visitante do centro de estudos latino-americanos e caribenhos da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Já em 2022, foi professor visitante da Universidade de Columbia, no instituto de estudos latino-americanos, em posição que antes fora ocupada por intelectuais como Raul Prebish, Lilia Schwarcz e Milton Santos.
Além da carreira política e acadêmica, Almeida é presidente do Instituto Luiz Gama, uma organização voltada para a defesa jurídica de minorias e a promoção de uma educação voltada ao combate à discriminação.
Em 2021, Almeida foi o relator da Comissão de Juristas da Câmara dos Deputados, responsável por propor melhorias na legislação contra o racismo institucional. No ano seguinte, ele integrou a equipe de transição do governo Lula, coordenando o grupo de trabalho de Direitos Humanos, campo que depois teria um ministério que ele passou a chefiar.
Crise de representatividade
As denúncias —que carecem de comprovação— já são uma mácula na carreira de Silvio Almeida. Para o governo, o escândalo já assume um verniz trádico porque coloca em xeque a imagem pública de um dos ministros mais influentes do governo Lula.
A jornalista Basília Rodrigues, analista política na CNN e engajada na pauta antirracista, definiu o caso como “uma crise de representatividade e referências” do governo Lula. “Para os negros deste país é muito lamentável ver dois dos três ministros negros [Almeida e Anielle Franco] deste governo como personagens de uma história triste”, lamentou.
Brasília acredita que o episódio vai além do escândalo individual e expõe ainda mais desafios na representação e nas expectativas sociais em torno das figuras públicas que lutam por causas como a igualdade racial e os direitos humanos.
“Almeida é o ministro mais importante da área social do governo. Mais do que a pasta do Bolsa Família, mais do que aqueles que comandam ministérios que foram relegados ao posto de secretarias em governos passados. Almeida é grande pela pasta que comanda e também, algo que poucos ministros possuem neste governo, pela notoriedade de sua trajetória intelectual. Ao ser acusado de assédio, ele também confirma padrões de onde a sociedade se acostumou a ver o homem negro, mesmo inocente”, escreveu a jornalista.
Lula comenta denúncia contra Silvio Almeida: 'Alguém que pratica assédio não fica no governo'
A ministra Anielle Franco não havia se pronunciado até o início da noite de hoje —tarde no Brasil. O ministro Silvio Almeida nega as acusações e afirmou estar sendo alvo de "ilações absurdas". Almeida acrescentou que ele próprio será o autor do pedido de investigação do caso.
Ainda assim, o destino de Almeida pode ser definido em reunião convocada para estar tarde pelo presidente Lula. Anielle participará do encontro. Lula, em entrevista no início da tarde (hora Brasil), afirmou ser necessário que se investigue e garantiu disse que garantirá o direito à defesa de Almeida.
(Atualização: o ministro foi demitido na tarde desta sexta pelo presidente Lula)
Por outro lado, o presidente afirmou que uma pessoa que pratique assédio não ficará no governo. O que eu posso antecipar para você é o seguinte: alguém que pratica assédio não vai ficar no governo", afirmou Lula em entrevista à Rádio Difusora de Goiânia.
Para Basília Rodrigues, independentemente do desfecho, os danos já são visíveis. "Por mais que ao final se chegue a um esclarecimento, muitos estragos pessoais, também para o governo e para a causa negra no Brasil, já são irreparáveis", afirmou a analista.