Filho de imigrantes, Francisco fez da busca por justiça social profissão de fé Crédito: Paulo Novais, Lusa

Filho de imigrantes, Francisco fez da busca por justiça social profissão de fé Crédito: Paulo Novais, Lusa

Quem era o papa do fim do mundo

A sua escolha de um papa não europeu em mais de um milênio, o primeiro da América Latina, enviou ondas de choque no Vaticano e no mundo

21/04/2025 às 10:32 | 5 min de leitura | Dia a Dia
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O homem que emergiu da fumaça branca em março de 2013, um cardeal argentino de 76 anos chamado Jorge Mario Bergoglio, não era o nome que muitos esperavam. A sua escolha, a primeira de um papa não europeu em mais de um milénio e o primeiro oriundo da América Latina, enviou ondas de choque através dos corredores do Vaticano e do mundo.

Ao adotar o nome de Francisco, evocou imediatamente a imagem do santo de Assis, um símbolo de pobreza, simplicidade e amor pelos marginalizados, sinalizando uma possível mudança de rumo para a Igreja Católica. Seu gesto inaugural prenunciava um pontificado complexo, unindo doutrina tradicional e posições sociais progressistas —um papado que inspirou fervor e gerou controvérsia.

REPERCUSSÃO: A reação dos líderes mundiais à morte de Francisco

Nascido em Buenos Aires, Argentina, em 17 de dezembro de 1936, Jorge Mario Bergoglio era o mais velho de cinco filhos de uma família de classe média de imigrantes italianos. O legado da sua herança italiana, as histórias da migração dos seus avós, certamente moldaram a sua visão de mundo e a sua empatia para com os deslocados.

A sua infância no bairro de Flores, em Buenos Aires, foi marcada pela influência da sua avó Rosa, que lhe incutiu uma fé profunda.

Antes de abraçar o sacerdócio, Bergoglio formou-se como técnico químico. Este passado técnico pode ter contribuído para uma abordagem prática e de resolução de problemas, contrastando com uma formação puramente teológica.

Os seus interesses na juventude incluíam ópera, tango e, como bom argentino, futebol, sendo um fervoroso torcedor do San Lorenzo de Almagro.

DIREITOS HUMANOS: A defesa dos imigrantes

Aos 21 anos, enfrentou um grave problema de saúde, uma pneumonia que exigiu a remoção de parte do seu pulmão direito. Segundo seus biógrafos, superar essa provação precoce pode ter fortalecido a sua resiliência e a sua compreensão do sofrimento humano.

Ingressou no seminário metropolitano de Buenos Aires em 1957, aos 20 anos. Em 1958, entrou para a Companhia de Jesus. Foi ordenado sacerdote em 13 de dezembro de 1969, prosseguindo os seus estudos e formação na ordem jesuíta em Espanha.

A sua carreira inicial na Companhia de Jesus na Argentina incluiu cargos como mestre de Noviços e professor de Teologia no Colégio Máximo em San Miguel. E a sua nomeação como Superior Provincial dos Jesuítas na Argentina ocorreu numa idade relativamente jovem.

Liderar uma ordem religiosa durante a turbulenta ditadura militar argentina exigiu significativas capacidades administrativas e de gestão de crises. Mais tarde, a sua trajetória na hierarquia da igreja levou à sua nomeação como bispo Auxiliar de Buenos Aires em 1992, seguido pelo cargo de arcebispo coadjutor em 1997 e, finalmente, arcebispo de Buenos Aires em 1998, sucedendo ao cardeal Antonio Quarracino.

Os últimos anos de Francisco

Paralelamente, desempenhou o papel de grão-chanceler da Universidade Católica Argentina.

A sua ascensão ao pináculo da Igreja Católica continuou com a sua elevação ao Colégio de Cardeais por João Paulo 2º em 21 de fevereiro de 2001. Como cardeal, participou no conclave de 2005 que elegeu Bento 16.

A eleição de Francisco

Em 2013, a renúncia histórica de Bento 16 criou um vazio de poder e preparou o terreno para o conclave que mudaria o curso da história da Igreja Católica, que enfrentava então desafios significativos, incluindo escândalos internos de pedofilia e desvios no Banco do Vaticano e um crescente apelo à renovação.

No conclave de 2013, o cardeal Bergoglio foi eleito papa no segundo dia de votações, em 13 de março.

A escolha do nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, não passou despercebida, sugerindo uma ênfase na humildade e no serviço.

As suas primeiras palavras à multidão na Praça de São Pedro foram um pedido de orações por si e pelo papa-emérito Bento 16, um gesto que ressoou pela sua humildade e reconhecimento do seu antecessor.

O fato de Bergoglio ter apresentado a sua renúncia como arcebispo ao atingir o limite de idade pouco antes do conclave sugere certa humildade e talvez uma falta de ambição pessoal pelo papado.

O pontificado de Francisco foi marcado pela preocupação com a justiça social, alinhada com a longa tradição da ordem jesuíta de trabalhar com os pobres e marginalizados. As suas críticas à desigualdade econômica e ao consumismo foram sido frequentes, apelando à solidariedade global e se envolvendo com movimentos sociais que lutam por um mundo mais justo.

A sua visita à favela da Varginha, no Rio de Janeiro, em 2013, sublinhou a sua mensagem sobre a necessidade de inclusão social.

A encíclica Laudato Si' de 2015 posicionou a Igreja Católica como uma voz líder no movimento ambiental global, alargando o seu foco tradicional para além de questões religiosas e sociais.

As preocupações do papa

O seu apelo à ação contra as alterações climáticas e à proteção ambiental ressoou em todo o mundo. O papa Francisco tem sido um forte defensor dos direitos e da dignidade dos migrantes e refugiados, uma preocupação provavelmente informada pela história da sua própria família.

As suas críticas à retórica e políticas anti-imigratórias foram diretas, e os seus gestos simbólicos de solidariedade, como as visitas a campos de refugiados, capturaram a atenção global.

Internamente, o seu pontificado foi marcado por esforços para reformar a Cúria Romana, com ênfase na transparência e na responsabilização em matéria financeira.

As suas iniciativas para enfrentar a crise dos abusos sexuais dentro da Igreja foram objeto de escrutínio e de esperança por parte das vítimas. O seu impulso por maior sinodalidade e envolvimento dos leigos na Igreja eram temas recorrentes do seu pontificado.

O estilo de comunicação e liderança de Francisco se distinguiu pela sua informalidade e proximidade.

A sua preferência por gestos e interações pessoais em detrimento do protocolo estrito, o seu uso de linguagem simples e exemplos relacionáveis, e a sua capacidade de usar o humor ajudaram-no a se conectar com pessoas de diversas origens.

A sua liderança foi caracterizada pela humildade, empatia e foco no serviço.

A sua disposição para se envolver com os meios de comunicação e responder diretamente a questões difíceis contribuiu para a sua imagem de um papa mais transparente e acessível.

Contudo, o pontificado de Francisco não foi isento de controvérsias e desafios.

O seu papel durante a ditadura militar argentina fora tema sensível e debatido, com acusações de inação ou mesmo de cumplicidade. No entanto, existem também relatos e evidências que sugerem que ele ajudou aqueles que foram perseguidos pela repressão. O próprio Francisco abordou este período em várias ocasiões.

A forma como lidou com os escândalos de abusos sexuais dentro da Igreja Católica também gerou críticas, apesar das medidas que tomou para enfrentar a crise e responsabilizar pedófilos.

As suas opiniões sobre questões LGBTQIAPN+ foram matizadas e, por vezes, contraditórias, levando tanto a elogios como a críticas. A controvérsia em torno do uso de um termo anti-gay em 2024 ilustra a sensibilidade destas questões.

A comparação da abordagem e das mensagens de Francisco com as de seus antecessores emerge contraste significativo.

Tal como João Paulo 2º, Francisco é visto como um pastor com experiência em liderar grandes arquidioceses e com consciência da globalização. No entanto, os seus estilos de governança e abordagens a certas questões teológicas e sociais divergem.

A renúncia de Bento 16 e a subsequente eleição de Francisco marcaram uma ruptura significativa com séculos de tradição. As suas personalidades, estilos de comunicação e ênfases teológicas eram diferentes.

A recepção do papado de Francisco foi variada em diferentes partes do mundo.

Inicialmente, gerou-se grande entusiasmo global, o chamado "efeito Francisco". No entanto, as reações variaram conforme as regiões, influenciadas por contextos culturais e orientações políticas.

O legado

Dentro da própria Igreja Católica, as opiniões estiveram divididas, com grupos progressistas acolhendo as suas posições em questões sociais e os seus esforços de reforma, enquanto os conservadores expressavam preocupações sobre a doutrina e a tradição.

Em resumo, o papado de Francisco representou um período de transição e transformação para a Igreja Católica.

A sua origem latino-americana e a sua formação jesuíta moldaram uma visão do mundo que enfatizou a justiça social, a preocupação com os marginalizados e a necessidade de que a igreja se envolvesse com os desafios do século 21.

O seu estilo de comunicação acessível e a sua liderança tocaram muitas pessoas, mas as suas reformas e posições em questões controversas também geraram resistência e debate.

O seu legado será certamente avaliado pela forma como navegou pelas tensões entre tradição e modernidade, pela sua resposta à crise dos abusos sexuais e pelo seu impacto no diálogo global sobre os desafios que a humanidade enfrenta.

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