Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde. Crédito: Gabriel Lemes, Divulgação
Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde: 'Brasil tem muitos exemplos a dar à UE'
Em entrevista à BRASIL JÁ, secretário comentou as iniciativas do país para a descarbonização e a busca por reconhecimento global na transição energética
Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil, detalhou os esforços do país para liderar o debate sobre mudanças climáticas e sustentabilidade.
Em entrevista à BRASIL JÁ, Rollemberg comentou a necessidade de se expandir as energias renováveis e criticou as barreiras comerciais impostas pela União Europeia, que, segundo ele, são disfarçadas de preocupações ambientais.
O secretário também destacou as políticas públicas que promovem a descarbonização da economia e afirmou que o Brasil pretende superar as metas do Acordo de Paris.
Há uma relação de cooperação entre Portugal e Brasil em termos de economia verde, descarbonização e bioindústria?
Brasil e Portugal são parceiros mais do que comerciais. Nós temos uma longa tradição de amizade e de relações políticas e comerciais com Portugal. Entendo que devemos intensificar essas relações, tanto comerciais como políticas, cada vez mais em função de razões óbvias. Nós viemos daí, então, temos todo o interesse em aprofundar essa cooperação com Portugal nas diversas áreas.
A gente percebe, daqui de fora, que há uma percepção de que o Brasil não consegue cuidar do seu próprio terreno em termos ambientais —e não é bem assim. O que a Europa, como um todo, pode aprender com o Brasil em termos de sustentabilidade?
O Brasil tem muitos exemplos a dar para a União Europeia. O Brasil é um país que tem 48,5% —dados do ano passado— da sua matriz energética limpa. Fechamos 2023 com 93% da nossa matriz elétrica de origem renovável. Temos uma legislação, um código florestal, que é exemplo para o mundo.
Temos área de floresta protegida [e preservada], reservas indígenas, reservas extrativistas, reservas quilombolas, numa área maior que Portugal. Então, temos muito o que mostrar.
Eu percebo que a União Europeia tem do Brasil uma visão distorcida, que precisa ser modificada. Tenho dito que essa competição desleal e desigual entre países ricos e países em desenvolvimento está levando o planeta para o abismo. Ou trocamos essa competição por uma cooperação honesta e sincera, ou todos vamos caminhar para o abismo.
Por exemplo, essas barreiras comerciais que a União Europeia está colocando para sete produtos brasileiros não ajudam em nada o desenvolvimento sustentável do Brasil. E o Brasil é um país estratégico para a segurança alimentar, para a segurança energética e para a segurança climática do planeta.
Então, entendo que a União Europeia deveria buscar muito mais a cooperação e menos a competição com o Brasil.
O senhor quer dizer que o discurso ambiental é usado como forma de protecionismo econômico?
É exatamente isso. Por que a União Europeia não reconhece os nossos biocombustíveis? O Brasil tem uma matriz energética, como eu disse, 48% limpa. A União Europeia talvez seja um terço disso. O Brasil tem uma matriz elétrica 93% limpa, e boa parte disso é por causa dos biocombustíveis.
Os países declararam em Dubai que deveriam triplicar as energias renováveis até 2030. O Brasil pode duplicar a sua produção de biocombustíveis, utilizando apenas 5% das áreas de pastagens degradadas. Sem desmatar uma única árvore e sem concorrer nada com a produção de alimentos.
Por que a União Europeia não reconhece os biocombustíveis brasileiros? Isso é nitidamente uma barreira comercial. Esse tipo de atitude está levando o planeta a uma situação de estresse que está no limite.
O Programa Selo Verde Brasil vai certificar a origem sustentável de produtos e serviços. O propósito é facilitar o acesso aos mercados internacionais?
O objetivo é interno e externo. O primeiro objetivo interno é dar informações claras para o consumidor que quer consumir um produto de baixa pegada de carbono, com eficiência energética, que investiu muito em circularidade, ou seja, que usa adequadamente a água. Então, um produto sustentável. O primeiro objetivo é o mercado nacional. Em seguida, o mercado internacional.
O Brasil, hoje, por exemplo, produz um alumínio com muito menor pegada em emissões de carbono do que o alumínio europeu, por exemplo. O Brasil produz um cimento com muito menos emissões do que o cimento europeu. Isso precisa estar certificado com total integridade para que as pessoas saibam o produto que estão consumindo.
É importante destacar que quando a gente considera as emissões no Brasil, a gente está considerando, e deve considerar, é óbvio, o escopo 1* e o escopo 2*, que é o uso da energia, que é um insumo fundamental para os produtos industriais.
Quando a União Europeia diz que no CBAM só vai reconhecer o escopo 1, não vai reconhecer o escopo 2, é nitidamente mais uma barreira comercial, porque não há sentido nenhum em fazer essa diferenciação.
A indústria costuma ser uma pedra no sapato quando se fala de sustentabilidade. Como tem sido com a indústria brasileira?
A indústria tem sido parceira. A indústria sabe, tem consciência, que investir em sustentabilidade é um pré-requisito, tanto para acessar o mercado interno como para acessar mercados externos. A indústria está apoiando a certificação.
Por outro lado, como o Brasil é um país que tem uma matriz energética limpa em relação ao restante do mundo, é importante que a gente possa certificar como são produzidos os produtos brasileiros, para que essa informação chegue ao consumidor local e ao consumidor no exterior. Eu tenho convicção de que isso vai demonstrar a sustentabilidade dos produtos brasileiros. O seu ministério apresentou iniciativas importantes, como o grupo de trabalho específico para a descarbonização da indústria. Quais setores da indústria brasileira mais precisam avançar nesse processo e como o governo pretende incentivar a adesão das empresas?
Eu diria que as empresas não são resistentes. Você tem setores que, no mundo todo, são de difícil abatimento, porque são setores muito intensivos em energia e muitas vezes ainda não tiveram a eletrificação dos seus processos, o que no Brasil significaria uma descarbonização muito significativa.
Então, os setores que nós estamos priorizando é o setor do aço, do cimento, da química, de vidros, papel e celulose e alumínio. São os seis setores de difícil batimento. É importante lembrar que, considerando o escopo 1 e o escopo 2, que é a energia, todos esses setores emitem muito menos do que a média mundial, mas ainda assim estão fazendo um esforço de descarbonização muito grande. O senhor mencionou numa entrevista recente que os países ricos devem pagar pela recuperação das florestas. Como isso deve funcionar na prática?
A União Europeia anunciou restrição a sete produtos brasileiros a partir de janeiro do ano que vem. Cacau, carne, soja etc. São sete commodities brasileiras, alegando problemas de desmatamento passado. Ora, me parece óbvio, se o desmatamento ou a queimada provoca um prejuízo global, a preservação da floresta produz um benefício global.
Se ela produz um benefício global, os países ricos devem pagar pelos serviços ecossistêmicos que a floresta presta, que não é só o carbono, é o estoque de carbono, mas é a preservação da biodiversidade, é a regulação do regime de chuvas, é a proteção de rios.
Então, me parece que é óbvio que você tem um instrumento global vinculante de pagamento pelos serviços ambientais. E eu entendo que esse tema deve ser debatido na COP29, no Azerbaijão, mas deve ser aprovado algum instrumento global vinculante na COP30 em Belém. Como o Brasil, recebendo a COP30, pretende avançar nessas negociações internacionais e que tipo de compromissos o senhor espera ver da parte desses países para a cooperação climática global?
Eu espero que eles cumpram os compromissos assumidos. Algumas COP atrás, eles assumiram o compromisso de ajudar com 100 bilhões de dólares anualmente em desenvolvimento. Esse dinheiro nunca chegou.
Depois, espero que eles tenham sensibilidade, porque o que a gente percebe é que, com o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio, essas iniciativas de proteção e defesa dos mercados locais, cresceram muito, tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia. E isso prejudica a competitividade dos demais países do mundo. Quais são as propostas do ministério que o senhor representa para acabar com o desmatamento ilegal?
Eu entendo que é fundamental eliminar o desmatamento ilegal, reduzir substancialmente o desmatamento legal e desenvolver políticas e programas de reflorestamento e de restauração florestal em grande escala no Brasil para tornar o setor que hoje é o setor que mais emite gases de efeito estufa, o setor que mais remove gases de efeito estufa, tendo um balanço de emissões líquidas negativas.
Acho que isso é extremamente possível, o que fará com que o Brasil possa negociar créditos da redução verificada de emissões para outros países, como permite o Acordo de Paris. O senhor acredita ser possível uma agropecuária de baixo carbono?
Acho que nós temos uma grande oportunidade na nossa agricultura. Ela pode ser geradora de créditos de carbono através dos sistemas agroflorestais e através da produção, por exemplo, de combustíveis sustentáveis de aviação.
Podemos ser o maior produtor de SAF [combustível sustentável de avião] do mundo usando diversos tipos de biomassa, inclusive a macaúba, que é uma palmeira nativa. Nós podemos ter emissões negativas na produção do etanol de milho, por exemplo, ou de cana.
Então, por outro lado, a gente tem um desconhecimento muito grande na Europa das evoluções da agricultura brasileira. O Brasil incorporou, ao longo dos anos, tecnologias de integração lavoura-pecuária-floresta, de plantio direto, de utilização intensiva de bioinsumos.
Nós temos um financiamento diferenciado para a agricultura de baixo carbono. Isso tudo faz com que a agricultura brasileira esteja vivendo também um processo de descarbonização. O Ministério do Meio Ambiente estima não apenas cumprir a meta do Acordo de Paris, ao contrário de outros países, como ficar acima da meta. Como o senhor pretende cooperar?
Nós estamos trabalhando conjuntamente, vários ministérios, em processos de regulamentação. Aprovamos o segundo projeto de regulamentação do hidrogênio, que define 18 bilhões de reais [cerca de 3 bilhões de euros] de incentivos para o hidrogênio.
Nós aprovamos também o Combustível do Futuro, que regulamenta o combustível sustentável de aviação, definindo um mandato de redução de emissões para as empresas de aviação a partir de 2027, com a utilização do SAF, regulamento ao diesel verde, regulamento ao biometano, também criando um mandato para os produtores e importadores de gás natural, de utilização de biometano e redução das suas emissões, regulamento à captura e estocagem de carbono, regulamento ao aumento da mistura do etanol na gasolina, aumento da mistura do biodiesel no diesel.
Tudo isso contribui para a descarbonização do Brasil.
Sendo o Brasil um protagonista em discussões climáticas, especialmente nas áreas de energias limpas e renováveis, como o senhor mencionou, como podemos fazer com que o Norte Global nos reconheça como uma potência nessa área?
Acho que levando a informação correta. Há muita desinformação sobre o Brasil. O que a gente percebe é isso, sobre a diversificação do parque industrial brasileiro, os avanços da nossa agricultura, os avanços no combate ao desmatamento no Brasil. Acho que isso são temas importantes de serem levados. A informação é fundamental para que as pessoas percebam o Brasil.
O Brasil pode ser o grande destino de empresas do mundo todo que precisam acelerar os seus processos de descarbonização, porque aqui nós temos energia abundante, renovável, segura e barata. Temos estabilidade democrática, temos proximidade com os portos, temos amizade com todos os países, temos uma base industrial diversificada.
Então, o Brasil pode ser o destino de empresas do mundo todo que precisam acelerar seus processos de descarbonização.
Quais são os próximos passos para a expansão da energia eólica no Brasil e que oportunidades isso pode gerar tanto para o mercado brasileiro quanto para o acesso a novos mercados, como o europeu?
Nós temos a regulamentação do mercado de carbono, a regulamentação das eólicas offshore, que são muito importantes. O Brasil tem mais de cem pedidos de licenciamento no Ibama para eólicas offshore, esperando a regulamentação.
Eu não tenho dúvida que com as primeiras plantas de hidrogênio sendo planejadas e iniciando a construção no Brasil, com o aumento exponencial da inteligência artificial e da necessidade de data centers que consomem muita energia, muitos desses investimentos serão realizados no Brasil em função da abundância de energia renovável, especialmente eólica e fotovoltaica. Considera o Brasil um campo de oportunidades para investidores estrangeiros que querem acelerar seus processos de descarbonização?
Os investidores precisam conhecer o potencial do Brasil. O nosso país é um país estratégico para a segurança alimentar, energética e climática do planeta. O Brasil pode ser grande destino de empresas do mundo todo que precisam acelerar os seus processos de descarbonização de forma segura e barata.
Temos aqui oportunidades na produção de hidrogênio, na produção de energia através das eólicas offshore e onshore, através da energia fotovoltaica, do biometano, do emetanol, do metanol verde. Enfim, o Brasil tem um mar de possibilidades diversas nessa nova industrialização que o mundo precisa fazer a partir de uma matriz energética limpa. Como tem sido o diálogo com o Ministério de Minas e Energia?
Nós temos trabalhado conjuntamente com todos os ministérios da Esplanada. Nesse momento, mais fortemente, com o Ministério da Fazenda e com o Ministério das Minas e Energias, além do de Meio Ambiente. Para construção da missão número cinco da Nova Indústria Brasil, que é a bioeconomia, descarbonização, transição e segurança energética, da construção da Estratégia Nacional de Bioeconomia e da Estratégia Nacional de Economia Circular.
Temos trabalhado em sintonia com vários ministérios e com o Congresso Nacional no sentido de avançar a agenda regulatória e a agenda política da nova indústria Brasil.
Em que medida o governo Jair Bolsonaro foi um retrocesso nas políticas ambientais?
O governo Bolsonaro foi um retrocesso absoluto, tanto ao não avançar na agenda regulatória estratégica para o Brasil, como para desmobilizar todo o aparato de fiscalização que tínhamos, como o Ibama, o ICMBio. Realmente foi um retrocesso pavoroso vivido pelo Brasil. Em todos os setores.
No que o governo Lula avançou em relação ao de Bolsonaro?
Os avanços estão muito claros nos dados do INPE, o Instituto de Pesquisas Espaciais, mostrando a redução do desmatamento. É um dado concreto. Houve a aprovação do marco legal do hidrogênio, aprovação do Combustível do Futuro.
É bom lembrar que Bolsonaro reduziu o percentual de biodiesel no diesel. Nós aumentamos. Começou com 10% até 13%. Ano que vem vai ser 14%. A lei prevê até 20%. Nós aprovamos o programa Mover, que é a mobilidade verde, criando incentivos para a descarbonização da indústria automobilística, que anunciou 130 bilhões de reais [cerca de 21 bilhões de euros] de investimentos em função dos incentivos. Não têm nem como comparar os avanços.
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