Após mais de duas décadas de tratativas, o Mercosul e a União Europeia formalizaram um acordo histórico de livre-comércio entre os dois blocos. Para o Brasil e os demais países do Mercosul, o pacto representa uma oportunidade para consolidar relações comerciais, aumentar exportações e acessar novas tecnologias.
O anúncio foi feito nesta sexta (6), durante a Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul, realizada em Montevidéu, no Uruguai, marcando o fim de uma negociação que impactará cerca de setecentas milhões de pessoas.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as exportações brasileiras devem crescer gradualmente, atingindo até 3,4% em 2034. Já setores como o agronegócio terão impactos positivos, principalmente em carnes suínas e aves, pescado e óleos vegetais.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, foi uma das figuras centrais da negociação e esteve presente na capital uruguaia para a oficialização do pacto. Em seu discurso, ela celebrou a persistência dos negociadores ao longo dos anos, afirmando: “O laço entre a Europa e os países do Mercosul é um dos mais fortes do mundo.”
Von der Leyen relembrou as origens do projeto, mencionando que Jacques Delors, um de seus antecessores, esteve em Montevidéu nos primeiros passos das negociações, ainda na década de 1990, ao lado do então presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle. Hoje, o filho de Lacalle, Luis Alberto Lacalle Pou, é o chefe de governo do Uruguai.
Ela também destacou o caráter estratégico do acordo:
“Estamos enviando uma mensagem clara e poderosa para o mundo: primeiro, em um mundo que é cada vez mais combatente, demonstramos que as democracias podem se apoiar mutuamente. Este acordo não é apenas uma oportunidade econômica, é uma necessidade política.”
O que o acordo propõe
O tratado prevê a redução de barreiras comerciais, o estabelecimento de cotas de exportação e importação e a criação de um mercado integrado entre os dois blocos. Produtos como alimentos, aeronaves e commodities agrícolas estarão entre os mais beneficiados.
No caso do Brasil, os impactos econômicos são expressivos. O Ipea estima que o PIB brasileiro poderá crescer 0,46% ao ano, o que representa um incremento de 9,3 bilhões de dólares anuais até 2040.
A presidente da Comissão Europeia reforçou que o acordo está alinhado às metas climáticas do Acordo de Paris. Ela elogiou o papel do governo brasileiro, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no combate ao desmatamento na Amazônia, e garantiu que os investimentos da União Europeia respeitarão o patrimônio natural dos países do Mercosul.
Além dos benefícios econômicos para a Europa, Von der Leyen falou sobre oportunidades específicas: “60 mil empresas estão exportando atualmente para o Mercosul, 30 mil delas são pequenas. Elas se beneficiarão de tarifas reduzidas, processos aduaneiros mais simples e acesso preferencial às matérias-primas fundamentais.”
O acordo, no entanto, enfrenta resistências. França e Polônia criticam o pacto, temendo que produtos agrícolas sul-americanos possam prejudicar seus mercados locais. Lula, porém, já minimizou as críticas em discurso recente.
Sem mencionar diretamente o presidente francês Emmanuel Macron, Von der Leyen assegurou que o tratado possui “salvaguardas robustas para a proteção” do setor agrícola europeu.
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Na prática, o tratado ainda precisará ser ratificado pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho Europeu e pelos legislativos dos países membros de ambos os blocos. Este longo processo burocrático não tem prazo definido e pode ser impactado pelas divergências internas na União Europeia.
Apesar dos desafios políticos, o acordo Mercosul-UE simboliza um marco na integração internacional, com potencial para redesenhar as dinâmicas comerciais globais. “Somos os segundos sócios econômicos mais fortes do Mercosul”, afirmou Von der Leyen, em tom de confiança sobre o futuro dessa parceria.
Os números do acordo e como fica o bolso da população
A União Europeia é composta por 27 países, com uma população de aproximadamente 449 milhões de habitantes e, segundo dados do Banco Mundial e Eurostat, tem PIB de 18,3 trilhões de dólares.
No comércio global, o bloco europeu exporta bens no valor de 2,56 trilhões e importa 2,52 trilhões de dólares, consolidando-se como um dos maiores atores econômicos do mundo.
Para o Brasil, a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial, com a corrente comercial bilateral alcançando 92 bilhões de dólares em 2023, o que representa cerca de 16% do comércio exterior brasileiro.
O impacto do acordo para o Brasil, projetado até 2044, também tem previsões significativas. A previsão é de que ele resultará em uma redução de 0,56% nos preços ao consumidor, o que pode gerar uma redução nos custos de vida para a população.
O efeito sobre os salários reais será de um aumento de 0,42%, o que corresponde a uma melhora na remuneração do trabalhador brasileiro.
Em termos de exportação, o Brasil enviou 46,3 bilhões de dólares para o bloco europeu no ano passado, destacando-se entre os principais produtos exportados os alimentos para animais (11,6%), minérios metálicos e sucata (9,8%), café, chá, cacau e especiarias (7,8%), e sementes e frutos oleaginosos (6,4%).
Além disso, ferro e aço (4,6%) e vegetais e frutas (4,5%) também ocupam posições importantes nas exportações brasileiras para a União Europeia.
Por outro lado, as importações brasileiras da UE totalizaram 45,4 bilhões de dólares em 2023, com os principais produtos sendo farmacêuticos e medicinais (14,7%), máquinas e equipamentos industriais (9,9%), veículos rodoviários (8,2%) e petróleo e produtos petrolíferos (6,8%).
O Ipea ainda estima que o investimento deve aumentar 0,76%, representando um aumento de 13,6 bilhões de reais. No comércio exterior, o impacto das importações brasileiras será de um aumento de 2,46% (aproximadamente 42,1 bilhões de reais), enquanto as exportações do Brasil deverão crescer 2,65%, o que representaria um acréscimo de 52,1 bilhões de reais.