Alceu Valença brilhou em turnê pela Europa Crédito: Raphael Garcia

Alceu Valença brilhou em turnê pela Europa Crédito: Raphael Garcia

Alceu Valença: o trovador do agreste

Cantor brasileiro conquista a Europa

23/04/2025 às 11:38 | 4 min de leitura | Edição Impressa
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A música, tal qual os sentimentos, são universais. Dono de uma obra repleta de canções que reverberam no gosto popular, Alceu Valença cruzou o Atlântico com a turnê "Valencianas". O menestrel pernambucano, ladeado pela Orquestra Ouro Preto e seus 24 músicos, revisitou o tríptico que o consagrou – "Anunciação", "Tropicana" e "La Belle de Jour" – em apresentações que esgotaram ingressos.

Nascido em São Bento, no agreste pernambucano, Alceu Valença, aos 79 anos, esbanja vitalidade e coleciona projetos. Em breve, o público poderá mergulhar em um documentário que tangencia sua trajetória, uma espécie de autobiografia poética que revisita os palcos e paisagens que moldaram sua história.

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Em Lisboa, Alceu recebeu a reportagem da BRASIL JÁ em seu apartamento. Desafiando a lógica do conforto, galgou os três andares do prédio a pé, deixando o elevador o repórter, que não se fez de rogado e aceitou a ascensão mecânica. Não fosse o abismo de vivências e sabedoria, que revelam sua idade, a jovialidade do cantor iludiria os olhos desatentos.

Cinquenta anos de carreira, Alceu. Meio século.

A minha carreira não tem tempo, porque a cada dia a gente se renova. O artista não tem tempo. Quando comecei a cantar? Talvez, a primeira vez em que eu subi ao palco foi no Festival para Crianças, realizado no Cine Rex de São Bento. E eu cantei uma música que eu gostava, um frevo. Fui desclassificado. Eu tinha 4 anos e fui desclassificado. Não chorei. Sabe o que eu fiz? Fiquei dando cambalhotas no palco.

Alceu Valença recebe a BRASIL JÁ para um bate papo sobre carreira e poesia Crédito: Jordan Alves, BRASIL JÁ

Tão pequeno e enfrentando um palco, um concurso. A família incentivava?

Meu pai não queria que eu fosse artista. Ele tinha até problema com isso. O irmão dele era artista, tocava muito bem violão. Os dois, na verdade, tocavam e cantavam muito bem também. Não deram certo. Então, eu tinha muito medo de também não dar certo. 

Deu certo. Passaram-se os anos, embora não haja tempo para os artistas, e aqui está você. O que foi diferente nesta última turnê na Europa?

Eu fiz junto com a Orquestra Ouro Preto. Foram várias músicas dos shows Valeriana que unificamos e demos novos arranjos. Quase trinta músicas como “Tropicana”, “La Belle de Jour”, “Coração Bobo” e “Anunciação”. Os dois concertos são feitos em cima da musicalidade do agreste meridional pernambucano, que é o sertão profundo. É uma cultura que começa no sertão e chega até a Serra da Canastra, em Minas Gerais. 

É daí que vêm as inspirações para compor?

“Anunciação”, por exemplo, foi composta após um show em que recebi de presente de um fã uma flauta transversa. Levei para casa, em Olinda, e aí comecei a estudar o novo instrumento. Um belo dia saí de casa em Olinda, e fui em direção ao Mosteiro São Bento, passei pela prefeitura, tocando como um maluco, segui pela Rua São Bento e cheguei até o parque do Mosteiro São Bento, de onde eu podia ouvir alguma coisa dos monges cantando lá. Eu não tenho religião, mas respeito todas. Dei uma entradinha e espiei por uma fresta. Volto para a casa e entro pelos fundos. Passei pelo quintal e vi as roupas quarando no varal. Subo para um jardinzinho que tem lá e, de repente, uma moça muito bonita — eu digo que é um anjo, uma musa — estava na janela, parecia uma visão, mas era a realidade.

— Que música linda você está tocando — ela disse.

— Qual? — eu perguntei.

— A que você está tocando!

Eu entrei na cozinha, peguei o papel do embrulho de pão, a caneta e escrevi a letra de “Anunciação”: “Na bruma leve das paixões que vêm de dentro, tu vens chegando pra brincar no meu quintal. No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento. E o sol quarando nossas roupas no varal. Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.”

E quais cidades no exterior são mais inspiradoras?

Paris, Lisboa e Amsterdã. Lisboa, em especial, porque todo o ramo da minha família vem de Portugal e, talvez, seja por isso. Eu sou louco por Paris, uma paixão total. E Amsterdã porque eu fui gravar um disco chamado “Mágico” e foi uma coisa incrível. A gente passou um mês lá. São as três cidades de afeto e esse afeto que fica nas fotografias feitas pelas câmeras e pelo coração.

O que você mais gosta em Lisboa?

Em Portugal, eu ando muito. Eu sou um caminhador.

Eu já te vi andando por aqui muitas vezes.

[Risos] eu acabei de ir ao café. Não fui para tomar café; fui para almoçar. E, aí, logo depois eu saí andando, estava garoando, e fui até perto da ponte [25 de Abril]. Às vezes eu vou para a Graça [bairro de Lisboa] andando. Às vezes eu ando aqui, nessas ruas do Castelo de São Jorge [Alceu Valença mora praticamente em frente ao local].

O que você consome de cultura em Lisboa?

Às vezes vou a um fado, porque eu adoro ouvir fado. Aqui, eu tenho uma relação muito forte com brasileiros e portugueses que fazem música. Tem uma rapaziada nova do Recife, de Sergipe, Rio de Janeiro, de Brasília, da Paraíba. Gente que mora aqui e faz música. E que eu, toda vez que eles fazem um concerto [show], eu vou. É uma rapaziada maravilhosa.

E da gastronomia, o que consome?

Bacalhau à Brás. É o meu prato predileto.

Alguma sobremesa?

Um pastel de nata e um toucinho do céu. Começa no Bacalhau à Brás e depois termina com o pastel de nata e o toucinho do céu.

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