02/12/2024 às 07:00
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Quando Maria Helena chegou a Portugal vinda de Itambacuri —cidade do interior de Minas Gerais—, ainda em 2012, trazia mais do que roupas e sonhos. Ela trouxe o brigadeiro, o doce mais amado do Brasil, e com ele, uma tradição que logo conquistaria o paladar dos portugueses.
"O brigadeiro é mais que um doce. Ele é um símbolo da nossa cultura, uma forma de conectar Brasil e Portugal, mostrando a riqueza dos nossos sabores", conta Maria, com um sorriso leve.
Mesmo vitoriosa, a sua trajetória no país também foi marcada por dificuldades, sobretudo no que diz respeito à informação.
“Uma das grandes barreiras para quem é imigrante empreender aqui em Portugal é a falta de acesso às informações. Quando eu cheguei, comecei a procurar onde tinha um órgão que pudesse me ajudar, porque no Brasil eu tinha feito cursos no Sebrae e outros. Aqui, eu encontrei ajuda no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes", disse.
Ela também bateu na porta da Embaixada do Brasil em Lisboa para mostrar seu trabalho. E por onde passou, conquistou os paladares.
“Todo ano, participo do Bazar Diplomático em Lisboa, onde levo os meus brigadeiros e doces brasileiros. Já virou uma tradição e o público português adora. Isso abriu portas para encomendas de casamentos e eventos corporativos, ajudando a expandir a marca.
A 'Sweet Mulata' é conhecida pelos brigadeiros gourmet e doces finos. Conseguimos criar uma marca referência em Portugal", conta ela.
Outro exemplo de brasileiro que encontrou em Portugal um terreno fértil para crescer e contribuir é Adroaldo Carneiro. Pernambucano do Recife, Carneiro se mudou para Lisboa em 2021, trazendo a mulher e os dois filhos em busca de segurança.
Ele viu a oportunidade de transformar a paixão por café em negócio também em território português. Em 2023, inaugurou a Solo Brewing, uma cafeteria que representa mais que um simples ponto de venda de café, tornando-se um espaço de encontro cultural e de experiências sensoriais em Lisboa.
Essa é a segunda loja do empresário, com a primeira mantendo suas raízes em Recife, cidade onde tudo começou.
Para ele, a escolha de Lisboa como base para a Solo Brewing não foi casual. "Lisboa é conectada com toda a Europa e com o Brasil, além de ser uma cidade cosmopolita, turística. As possibilidades de negócio aqui são mais evidentes", reflete.
Como muitos imigrantes que abrem negócios em Portugal, Carneiro enfrentou desafios no processo de estabelecimento de seu negócio, tanto pela clientela quanto pela burocracia.
"O grande desafio é montar algo que realmente sirva à comunidade, pois aqui as comunidades são segmentadas entre o que é para turistas e os locais. Outra questão é que algumas informações não são facilmente acessíveis. Em geral, tive ajuda dos órgãos públicos para resolver problemas.", relembra.
O reconhecimento não tardou em chegar: o café torrado na cafeteria de Carneiro foi o escolhido, entre vários concorrentes, para ser usado pelos competidores do Campeonato Nacional de Aeropress 2024.
Sediado em Portugal, baristas amadores e profissionais de várias partes do mundo usaram um café essencialmente brasileiro na competição. Essa fusão de culturas e técnicas mostra como os negócios fundados por imigrantes estão ajudando a moldar a nova economia de Portugal.
Carneiro vê em seu empreendimento uma forma de retribuir o acolhimento que encontrou no país e contribuir para o crescimento local, mas sem esquecer suas origens.
“A abordagem do cliente, o cardápio e a maneira de tratar o café refletem a minha origem no Nordeste do Brasil, especialmente de Pernambuco. -Há adaptações ao mercado europeu, mas a essência vem de onde fui criado”, afirma.
Mas o empreendedorismo brasileiro vai além do da gastronomia. Na estética, Izabel de Paula se tornou um nome respeitado, sendo conhecida por suas clínicas que oferecem tratamentos inovadores, inspirados nas técnicas brasileiras.
Desde que se instalou em Lisboa, quase trinta anos atrás, Izabel percebeu a oportunidade de compartilhar sua expertise, mas começou sua trajetória profissional em uma área muito diferente do que havia planejado.
Trabalhou na limpeza de um hospital particular na capital portuguesa e, sem nenhum conhecimento sobre drenagem linfática, percebeu que essa técnica era muito requisitada para pré e pós-operatórios.
Encarando a necessidade como uma oportunidade, participou de uma formação oferecida pelo hospital. Com jornadas que somavam até vinte horas diárias, deu início a uma nova fase profissional, transformando a experiência inicial em um caminho que viria a definir sua carreira na estética e bem-estar.
“Desenvolvi a minha própria técnica, criei o meu próprio método de trabalho, patenteei e registrei as minhas próprias marcas", relembra. A empresária, com seus tratamentos e técnicas, revolucionou a forma como muitos portugueses enxergam o auto cuidado.
“Ganhei um prêmio por ter desenvolvido esse método para reabilitar o sistema linfático e reorganizar o grupo muscular, que foi como eu aprendi no hospital”, detalha.
Atualmente, ela comanda clínicas que funcionam em Lisboa e no Porto, além de ser autora de livros e apresentadora de seu próprio programa de televisão.
Seu sucesso é o reflexo da capacidade dos imigrantes —nestes casos, brasileiros— de se integrar e oferecer serviços que, além de suprir uma necessidade, introduzem um pouco de sua cultura ao país de acolhimento.
Trabalho e investimentos
A contribuição dos estrangeiros na economia local vai para além do palpável no paladar e no cuidado com o corpo.
Dados obtidos pela BRASIL JÁ no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social mostram que os imigrantes desempenham um papel-chave na sustentação do bem-estar social em Portugal, contribuindo com dinheiro, por exemplo, para pagar as aposentado rias e os auxílios-doença dos cidadãos portugueses.
No total, segundo informações do governo, estrangeiros de diversas nacionalidades —incluindo os brasileiros— contribuíram com mais de 2,6 bilhões de euros aos cofres públicos. Do montante, os mesmos estrangeiros só gastaram 483,3 milhões.
Além dos brasileiros, os imigrantes indianos, nepaleses, espanhóis e cabo-verdianos seguiram no ranking de contribuições, com 168,4 milhões, 102,9 milhões, 102,8 milhões e 88,8 milhões de euros, respectivamente. A maior parte dos imigrantes está em idade economicamente ativa, com mais de 80% entre 20 e 65 anos.
Jovens com até 19 anos representam 11,6%, enquanto a faixa etária acima de 65 anos corresponde a apenas 7,9%. Essa contribuição é particularmente relevante em um país onde o envelhecimento populacional pressiona as contas públicas.
A imigração, nesse contexto, torna-se fundamental para manter o equilíbrio econômico e garantir que setores vitais continuem a funcionar.
Dados do Observatório das Migrações reforçam a dependência da Segurança Social portuguesa das contribuições de estrangeiros que vivem e trabalham no país (veja no gráfico a seguir).
A BRASIL JÁ entrou em contato com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para solicitar dados sobre a participação dos trabalhadores estrangeiros na Segurança Social em comparação aos portugueses.
A reportagem quis saber a proporção das contribuições entre portugueses e estrangeiros, as possíveis diferenças nas taxas de contribuição e no valor pago, além das variações nos tipos de contrato e regimes de trabalho.
Também quis saber sobre os benefícios mais comuns recebidos por estrangeiros, como subsídios de desemprego e pensões, e se o tempo de residência ou nacionalidade influenciava na elegibilidade e no valor desses apoios.
O objetivo era obter relatórios comparativos de longo prazo sobre contribuições e benefícios, mas até o fechamento da reportagem não houve retorno.
Assim como Adroaldo, Izabel e Maria Helena, empresas brasileiras também têm inovado em áreas de alta tecnologia. Um exemplo disso é o Porto Digital Europa, que funciona em Aveiro, reforçando a relação de cooperação tecnológica entre Brasil e Portugal.
"Escolhemos Portugal não só pela facilidade com a língua, mas pela sua proximidade com grandes mercados como a Europa", explicou Fellipe Sabat, Head de Inovação da empresa.
Na sua visão, o país, com seu ecossistema inovador, oferece um ambiente ideal para empreendedores tecnológicos brasileiros que querem expandir suas operações no continente europeu, através de programas de internacionalização.
Esses programas têm duração de quatro meses e, segundo Sebat, já auxiliam empresas a conseguirem contratos importantes aqui, demonstrando sua viabilidade e potencial no novo ambiente.
Essa movimentação reflete um fenômeno crescente: Portugal como ponto de entrada para grandes mercados internacionais, principalmente para empresas de tecnologia.
"Um dos pontos mais importantes desse processo é conectar as empresas brasileiras que já estão estabelecidas aqui. Essa rede de contatos é fundamental, pois elas podem compartilhar suas experiências e ajudar quem está chegando a entender melhor o mercado e suas dinâmicas.", avalia.
Sabat afirmar, ainda, que é importante entender as dinâmicas locais e utilizá-las a favor dos empreendedores.
“É essencial ajustar a estratégia para se integrar de forma mais eficaz ao mercado, respeitando as preferências e hábitos de comunicação locais.", diz.
O Porto Digital Europa tem conta do, inclusive, com a parceria do Sebrae Pernambuco. A empresa de fomento ao empreendedorismo dispõe do Fundo de Amparo para a Pequena Empresa (Fampe), que tem o objetivo de auxiliar os pequenos negócios com as garantias nos bancos, sendo um dos caminhos possíveis para a internacionalização de negócios.
“Existem mais de vinte empresas brasileiras multinacionais operando em Portugal. A balança comercial entre os países é expressiva, o montante de investimentos brasileiros no país é da ordem de 3,2 bilhões de euros, do mesmo modo, os investimentos portugueses no Brasil somam 3,1 bilhões de euros.”, cita Gustavo Reis, analista de Acesso a Mercados do Sebrae Nacional.
Na avaliação de Reis, Portugal se destaca, através do programa "Incentivos e Fundos do Portugal 2030", como oportunidades interessantes para as empresas brasileiras, oferecendo benefícios fiscais e subsídios para projetos de instalação do negócio no país.
Ele anuncia que, por meio de parceria com as entidades do Comitê Gestor da Política Nacional da Cultura Exportadora e a Apex Brasil, o Sebrae tem construído uma estratégia de maior presença no território português com ações de promoção comercial, lojas temáticas, observa dores de mercado, presença em feiras e missões empresariais.
Presidente da Câmara Luso-Brasileira de Indústria e Comércio, Otacílio Soares também faz parte dessa história. A Câmara, avalia Soares, desempenha papel importante na criação de pontes entre os empresários dos dois países.
"Temos conseguido unir pontas, criar pontes entre empresários brasileiros e portugueses, desmistificando a ideia de que Portugal tem uma cultura muito distinta da brasileira.”
Setores como alimentação, vinhos, tecnologia da informação e construção civil são apenas alguns dos que se beneficiaram dessa aproximação. Porém, como ele aponta, o desafio principal para os empreendedores brasileiros continua sendo a burocracia.
"As principais demandas que recebemos giram em torno de como facilitar o processo de transitar os negócios por aqui", acrescenta.
Na prática, segundo Soares, a diferença entre os dois países nesse quesito é menor do que se imagina, mas o apoio institucional é sempre bem-vindo para tornar a adaptação mais rápida e eficiente.
Paulo Cesar Matheus, da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex Brasil, reforça o papel do órgão no apoio aos empreendedores brasileiros em Portugal. Ele adianta novidades.
"Estamos inaugurando até o final do ano o nosso escritório da Apex Brasil em Portugal, uma iniciativa que agrega a Apex, o Sebrae Nacional, a Fiocruz, a Embratur e o Banco do Brasil.", disse à BRASIL JÁ.
A ideia é constituir um coworking para recepcionar em presas brasileiras interessadas na inter nacionalização, oferecendo apoio técnico e jurídico sobre legislação e fundos de investimento europeu.
Essa colaboração tem sido especialmente valiosa para pequenas e médias empresas que, sem esse auxílio, enfrentariam dificuldades maiores para se estabelecerem no país.
Além disso, o escritório também vai recepcionar em presas portuguesas que tenham interesse em investir no Brasil, fomentando o contato entre países.
É nessa perspectiva integrativa que o professor Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, enxerga o impacto dos imigrantes na economia portuguesa. Para ele, esse impacto não se limita ao empreendedorismo.
"Os imigrantes têm desempenhado um papel essencial no crescimento de setores estratégicos, como a construção civil e a tecnologia", explica.
À frente do Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da Faculdade de Economia do Porto, Afonso tem se dedicado a estudos que destacam como os estrangeiros contribuem para equilibrar a demografia e impulsionar a economia de um país com uma população envelhecida.
“Em um país com um perfil demográfico envelhecido, os imigrantes são uma solução natural para garantir a sustentabilidade do crescimento econômico”, conclui.
Nilzete Pacheco, uma das líderes da Associação Lusofonia, diz oferecer na instituição suporte aos imigrantes. "Nós trabalhamos para que o imigrante não se sinta perdido ao chegar aqui, especial mente no que diz respeito aos negócios", conta ela.
A associação tem sido um ponto de referência para brasileiros que chegam a Portugal em busca de melhores oportunidades, ajudando-os a entender as particularidades do mercado local e a superar a burocracia.
Segundo Pacheco, o sucesso dos imigrantes está ligado a uma rede de apoio bem estruturada. "Nosso objetivo é fornecer as ferramentas e o conhecimento necessário para que o imigrante tenha sucesso em seu empreendimento", conclui.
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