Órgão consultivo do governo é presidido por António Vitorino (esquerda). Crédito: António Pedro Santos/Lusa

Órgão consultivo do governo é presidido por António Vitorino (esquerda). Crédito: António Pedro Santos/Lusa

Conselho para Migrações, um órgão consultivo que não é consultado

Grupo criado para tratar de migrações não opinou sobre a criação de prisões para imigrantes indocumentados

19/02/2025 às 16:40 | 3 min de leitura | Direitos Humanos
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O governo português anunciou a construção de dois centros de detenção para imigrantes indocumentados no país, mas o Conselho Nacional para as Migrações e Asilo não foi consultado sobre a medida, segundo a BRASIL JÁ apurou com duas fontes.

Apesar de não ter poder legislativo, o órgão atua —ou deveria atuar— como um consultor governamental na elaboração de políticas públicas sobre migrações.

À BRASIL JÁ, Cyntia de Paula, representante das comunidades brasileiras no conselho, confirmou que a questão não foi discutida nem votada nas duas reuniões realizadas pelo órgão presidido por António Vitorino, que é ex-diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações.

A reportagem tentou entrar em contato com o presidente do conselho por ligação e mensagem de texto para perguntar justamente o porquê de o órgão não ser consultado sobre um tema que lhe é pertinente, mas até a publicação desta reportagem não houve resposta.

VITORINO: 'Política de imigração bem sucedida exige investimento' 

Para Cyntia de Paula, que também é vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa, o anúncio da construção dos centros de detenção ocorre num contexto em que falsamente se tenta correlacionar imigração e insegurança, o que segundo ela não está alinhado ao Pacto Europeu para as Migrações.

Outra fonte no conselho ouvida pela reportagem, e que pediu para não ser identificada, discorda. Segundo argumenta a fonte, as mudanças na Lei de Migrações em Portugal e a criação de locais para deter imigrantes indocumentados derivam da implementação do pacto (entenda mais adiante). 

A representante dos brasileiros no Conselho das Migrações de Portugal, porém, lembra que o recrudescimento de discursos responsabilizando imigrantes por um inexistente aumento da criminalidade gera preocupação, principalmente quando há mais operações policiais contra imigrantes em Portugal.

É fundamental que a imigração não seja relacionada com um discurso de 'ilegalidade' e de necessidade de 'retenção', e que as políticas públicas sejam majoritariamente destinadas para a garantia de igualdade de oportunidades, de garantia dos direitos, da prevenção da exploração laboral etc, afirmou Cyntia de Paula. 

O que é o Pacto para as Migrações 

O pacto entrou em vigência em maio do ano passado, depois de dois anos de negociações e elaboração de textos sobre o tema. Com o acordo, foram estabelecidas novas regras para as migrações na União Europeia e se estabeleceu um sistema comum de asilo

No dia 11 deste mês, a Comissão Europeia divulgou um comunicado em que detalha o programa de trabalho do órgão para este ano. Não há menção sobre a criação de centros de detenção para imigrantes, mas os autores afirmam que a migração irregular —chamada de ilegal pela comissão— continua a ser um problema que gera preocupações. 

Na página 7 do documento se detalha que a Comissão Europeia vai intensificar os esforços para implementar o pacto. Fala-se em reforçar as fronteiras e acelerar processos de asilo e de retorno de pessoas indocumentadas. Isso enquanto se analisa as razões para as migrações e, afirma-se no documento, é garantida a defesa dos direitos fundamentais. 

Mais adiante no texto, novamente é dito que é preciso ter procedimentos de retorno mais efetivos para pessoas que não têm o direito legal de estar na União Europeia, e nesse contexto se anuncia uma novidade: uma nova abordagem para os retornos. 

A estratégia se resume a ter um novo marco legislativo para acelerar e simplificar o processo de volta de indocumentados, um trabalho que, afirma a comissão, será realizado com países de fora da União Europeia para reforçar a readmissão dos cidadãos. 

Como serão os centros de detenção em Portugal

Como registrou a BRASIL JÁ, o anúncio da construção dos centros foi feito na última quinta (13) pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, após reunião do Conselho de Ministros. 

Segundo ele, as instalações, localizadas em Odivelas e no Norte do país, ainda sem local definido, terão capacidade para trezentas pessoas e um custo estimado de 30 milhões de euros, financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência.

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O governo justifica a medida alegando a falta de capacidade para instalar cidadãos estrangeiros em situação irregular e a necessidade de fortalecer o processo de afastamento e retorno. 

A nova legislação prevê que imigrantes sem documentação sejam notificados para deixar o território nacional num prazo de dez a vinte dias, podendo ser prorrogado conforme critérios que pode ir desde ter filhos em idade escolar ou ter vínculos sociais no país.

O modelo adotado em Portugal segue a linha do que foi implementado na Itália sob o governo direitista de Georgia Meloni, que estabeleceu centros de detenção em cooperação com a Albânia. 

Na ocasião, a Anistia Internacional criticou o projeto italiano, alegando violação da dignidade de migrantes e detenção arbitrária.

No entanto, uma fonte consultada pela BRASIL JÁ no Conselho das Migrações afirma que há diferenças entre os modelos. 

Segundo detalhamento da fonte, imigrantes indocumentados em Portugal podem solicitar asilo e ficarem livres durante o processo administrativo. Já no caso italiano, as prisões foram criadas para reter imigrantes interceptados no mar antes mesmo de entrarem no país.

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