Ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na apresentação do Orçamento do Estado para 2025. Lisboa, 10 outubro de 2024. Crédito: Diana Quintela, Portal do Governo

Ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na apresentação do Orçamento do Estado para 2025. Lisboa, 10 outubro de 2024. Crédito: Diana Quintela, Portal do Governo

O que informa (e desinforma) o relatório do Orçamento do Estado sobre imigração

Governo se respalda em número impreciso sobre pedidos de residência, encampa argumentos de radicais sobre controle migratório e culpa imigrantes por 'tensão social' em Portugal

11/10/2024 às 14:37 | 3 min de leitura
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Respaldado no impreciso número de 400 mil processos de autorizações de residência pendentes, o governo de Luís Montenegro (PSD) divulgou na quinta (10) o relatório do Orçamento do Estado de 2025. Nele, o Executivo detalhe, entre outros pontos, o que prevê para as políticas de imigração. 

Sobre o tema, o relatório reforça argumentos encampados por grupos radicais sobre o controle migratório no país, como por exemplo o de que Portugal até a troca de governo tinha as "portas escancaradas" aos estrangeiros. 

EDITORIAL: Portas abertas, mas não escancaradas

"O país não poderá ter as portas escancaradas e sem controle, nem ter as portas fechadas ao talento internacional e à mão de obra necessária à manutenção e crescimento da atividade em setores fundamentais da economia portuguesa", afirma-se no texto.

Em todo caso, afirma-se no documento que orienta a execução do orçamento para o próximo ano que o governo dará prioridade à imigração regulada, ao fortalecimento das relações com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) —que o Brasil integra—, e à modernização dos serviços públicos.

O Executivo, segundo a proposta, busca implementar um "processo imigratório regulado e humanista". Para isso, levaria à cabo propostas já anunciadas, como a de criar um só canal para que estrangeiros solicitem NIF, Niss e NNU ao mesmo tempo

Outra promessa no relatório é a de capacitar dos profissionais que atuam no campo migratório e criar um programa abrangente de acolhimento e integração. Argumenta o governo que o esforço visa evitar que os imigrantes fiquem em situações de limbo legal e vulnerabilidade.

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Essas e mais medidas se escoram num número que a BRASIL JÁ demonstrou ser, no mínimo, incorreto. Na página 23 do relatório é reproduzido um gráfico com referência à Aima como fonte para ilustrar a incapacidade do próprio governo em lidar com os pedidos de residência. 

Na imagem, consta que este ano as solicitações de residência pendentes atingiram 400 mil. No entanto, em entrevista exclusiva à repórter Déborah Lima, no último dia de setembro, o presidente da Aima, Pedro Portugal Gaspar, admitiu o número de procedimentos pode ser menor

"Nós temos que apurar no fim exatamente o que é que significa esse número. [...] Poderemos ter um número final que pode não corresponder a esse [400 mil]", afirmou o presidente da agência.

Gráfico usado pelo governo para informar que são 400 mil processos de residência pendentes na Aima. Crédito: Reprodução, OE2025

Gaspar abriu a possibilidade de serem menos processos porque, segundo ele, alguns deles podem estar duplicados. Ainda assim, o governo trata o número como oficial para seguir adiante com as propostas mais restritivas à entrada de pessoas em território português. 

Também à BRASIL JÁ, uma fonte que conhece os meandros da Aima disse que os processos de autorização de residência pendentes rondariam os 180 mil — menos da metade do que divulga o governo. 

Governo culpa imigrantes por 'tensão social' 

Como costuma ocorrer nas trocas de poder —de formas mais ou menos legítimas—, no relatório do orçamento o governo atual culpa a administração anterior pelo caos na gestão da Aima, que até outubro de 2023 era Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). 

No documento, o Executivo afirma que a mudança brusca “determinou uma desorganização grave dos serviços”. 

Com isso, é atribuída à desordem uma falta de capacidade do país em apoiar a integração efetiva dos imigrantes. Na frase seguinte, o governao culpa estrangeiros por uma "crescente tensão social na sociedade portuguesa", o que não é verdade. 

Mesmo antes da mudança de SEF para Aima e da bagunça institucional, a xenofobia em Portugal já vinha numa crescente. 

É o que mostram dados da Comissão para Igualdade e contra a Discriminação Racial, indicando um salto de 505%, entre 2017 e 2021, das denúncias de xenofobia contra brasileiros no país.

Fortalecimento da CPLP

No documento, o atual foverno também se compromete a reforçar as relações com a CPLP, promovendo a língua e a cultura portuguesas no cenário internacional. 

A estratégia inclui a internacionalização da língua, com esforços para torná-la língua oficial e de trabalho em organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas. Fala-se na importância do ensino do português no estrangeiro e a promoção de intercâmbios culturais e educacionais entre os países da comunidade.

Além disso, é mencionada a criação de residências artísticas e o apoio a projetos culturais no espaço da CPLP, com o objetivo de fomentar a criatividade e a cooperação entre os países membros.

Atração de talentos estrangeiros

Em outro trecho da proposta de orçamento, o governo afirma querer atrair talentos estrangeiros qualificados, "estimulando a pesquisa e a inovação através de incentivos fiscais".

Além disso, a valorização do capital humano é vista como essencial para o fortalecimento do tecido produtivo nacional. O foco na formação e qualificação, especialmente no ensino superior, diz-se na proposta, visa criar uma força de trabalho qualificada que possa responder aos desafios do mercado global.

O relatório também trata de cooperação internacional e multilateralismo, reforçando que o Executivo se compromete apoiar iniciativas que promovam a cooperação triangular entre Portugal, a América Latina e a CPLP.

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